Aumento
de Produtividade: Mito ou a
Solução de Nossos Problemas?
Por Henrique Montserrat
Fernandez
19/06/2007
A produtividade tem sido
destacada como a melhor maneira
existente hoje, para solucionar
o dilema de salários, lucros,
competitividade entre empresas e
até mesmo entre países.
Ela tem sido considerada uma
panacéia que resolveria os
problemas organizacionais.
Como exemplo, em 21 de fevereiro
deste ano, tive a oportunidade
de ler no Diário do Comércio1,
em sua seção Dois Pontos, um
artigo de João Luiz Mauad que
afirma que “quanto mais
produtivo for o trabalhador,
maior será o valor do [salário]
mínimo”, alegando que uma maior
produtividade é a chave para
essa melhora, em suas palavras:
“sabemos também, por dedução
lógica, que quanto mais
produtivo é um indivíduo, mais
empregadores se esforçarão para
mantê-lo em seus quadros, e que
a maneira usual de conseguir
isso é pagando-lhe melhores
salários.”
Infelizmente, esse raciocínio é
por demais simplista e não
explica a realidade observada,
que é norteada principalmente
pela lei de oferta e demanda. Há
mais mão-de-obra disponível, do
que empregos. Muitos dos
desempregados são profissionais
que atuam há anos em sua
profissão e que não conseguem
recolocação no mercado de
trabalho devido principalmente à
idade, ou, jovens recém –
formados (ou insuficientemente
formados) que nunca trabalharam
na vida. Se a produtividade
fosse a resposta, os
profissionais com mais de 40
anos provavelmente teriam os
melhores índices de
empregabilidade, o que
infelizmente, não ocorre.
Mauad afirma também que “o
segredo, portanto, para melhorar
os salários dos trabalhadores,
está em proibir que governos
demagogos confisquem, através de
pesados impostos, lucros que
significam maiores investimentos
em capital físico. Além disso,
recomendam-se investimentos
maciços em educação de
qualidade, a fim de incrementar
o capital humano.”
Ele mais uma vez simplifica o
problema, pois, bastaria que os
impostos fossem reduzidos para
que as empresas utilizassem
melhor seus lucros em
“investimentos de capital
físico”. Será que isso
aumentaria a produtividade? Ou
haveria para as empresas, mais
dinheiro para gastar em
retrabalho inútil, aplicação no
mercado financeiro, desvios
ilegais ou acumulação pessoal
dos sócios?
Que me perdoem os empreendedores
de verdade, mas a realidade é
que há muitas empresas (mais do
que gostaríamos) que fazem isso
e muito mais. Será que elas se
preocupariam em investir no
aprimoramento de seu pessoal se
houvesse um excesso financeiro?
Apenas se houverem incentivos
para isso.
Mas Afinal, o que é
Produtividade?
Produtividade, segundo Paulo
Sandroni 2, é o “resultado da
divisão da produção física
obtida numa unidade de tempo
(hora, dia, ano) por um dos
fatores empregados na produção
(trabalho, terra, capital).” Ou
seja, quanto mais produza num
determinado tempo, mais
produtivo é um trabalhador, um
equipamento, um processo
qualquer, quando comparado a
outro. A produtividade, a grosso
modo, significa mais.
Sandroni também menciona que “é
importante notar que a
produtividade tende a ser maior
nas empresas de capital
intensivo e menor nas de
trabalho intensivo.” O que
significa, uma maior
produtividade obtida através da
mecanização em relação à
atividade manual, e que “muitas
vezes a intensificação da
produtividade pela adoção de
melhorias tecnológicas tem
repercussões sociais negativas,
uma vez que pode causar
desemprego”, menciona o autor.
A mecanização no passado, era
vista como uma forma de reduzir
a carga de trabalho que cada um
deveria executar a fim de
atender suas necessidades. A
conclusão óbvia é que deveríamos
trabalhar cada vez menos na
sociedade moderna. Infelizmente
a coisa não foi bem assim.
Ao invés de redução de trabalho,
o que hoje vemos é “uma divisão
entre desempregados e
sobrecarregados”, nas palavras
de David Cohen 3. O autor afirma
que “o que impede a distribuição
do trabalho é que as nossas
necessidades aumentam à medida
que são satisfeitas”. O autor
cita Michael Dertouzos, chefe do
Laboratório de Ciência da
Computação do MIT que afirma:
“se a natureza humana for
deixada solta, a tentação de ter
mais coisas e usar mais serviços
vai prevalecer, e adeus à
sociedade sem trabalho”. Isso
quer dizer que é nossa culpa
estarmos sobrecarregados e
outros desempregados, na
miséria? Essencialmente sim.
Cabe deixar claro, que
funcionários e patrões, apesar
do antagonismo milenar
existente, são
inter-relacionados sendo que um
depende do outro. Sem capital
não há empresa e sem
funcionários, também. E sem
empresa, não há empregados nem
patrões.
Pelo fato dos personagens desta
história serem pessoas e, como
tal passíveis de ambição humana,
é natural que o cenário
empresarial seja bastante
concorrido e conturbado, havendo
atitudes disparatadas de ambos
os lados, que em geral não fazem
outra coisa, senão prejudicar o
desempenho da organização e os
resultados que eles mesmos
procuram alcançar (vários
exemplos destas atitudes
nefastas podem ser lidos em meu
livro “Evitando a Falência –
Garanta o Sucesso de seu
Negócio”).
Não podemos esquecer também, que
conforme aumenta a produtividade
na sociedade humana, o
desequilíbrio ecológico se torna
cada vez maior, decorrente da
busca por matérias primas e pelo
lixo resultante do processo e do
consumo.
Então, de que adianta aumentar a
produtividade, se ela não traz
benefícios visíveis às pessoas
nem à natureza?
Por que Aumentar a
Produtividade?
Apesar disso, não devemos
esquecer que, o aumento da
produtividade é a única maneira
de proporcionar alimento,
vestuário, condições de vida
enfim, a um mundo cada vez mais
populoso e caótico. Infelizmente
seu efeito colateral é a
degradação da natureza que isso
acarreta e a possibilidade real
de nossa extinção.
Imaginemos uma sociedade
industrial, semelhante à
existente em 1920, que tivesse
de alimentar e cuidar de nossos
6,4 bilhões de habitantes, sem
poder contar com maquinário
avançado, fertilizantes
químicos, pesticidas
industrializados e
principalmente, medicamentos
sofisticados e em abundância.
Malthus4, já afirmava em 1798,
que “...a população, quando não
controlada, cresce numa
progressão geométrica, e os
meios de subsistência numa
progressão aritmética.”
Isso quer dizer basicamente, que
enquanto a população tende a
crescer multiplicando-se (ou
seja, um homem e uma mulher dão
origem a um ou mais novos seres
e assim por diante), os meios de
subsistência (alimentos, roupas,
moradia) crescem somando-se
apenas (posso confeccionar mais
x peças de roupa ou produzir
mais y quilos de feijão).
Malthus via que a procriação em
muito superaria a produção.
Felizmente, o crescimento
vegetativo humano não foi tão
acelerado quanto ele imaginava e
as novas conquistas tecnológicas
supriram o aumento da demanda.
Mas, pouco mais de dois séculos
depois, o drama volta à baila,
com o agravante do desequilíbrio
ecológico e da falta d’água
potável, das doenças emergentes
e da superpopulação, muitas
delas ocasionadas pelas próprias
conquistas tecnológicas que
fizemos.
Segundo o físico e escritor
austríaco, Fritjof Capra 5, um
dos ícones da chamada Nova Era,
“a visão do mundo e o sistema de
valores que estão na base de
nossa cultura, e que têm de ser
cuidadosamente reexaminados,
foram formulados em suas linhas
essenciais nos séculos XVI e
XVII”.
O autor crê (muito acertadamente
em minha opinião), que as
atitudes humanas devem
alterar-se sob risco de
desaparecimento iminente de
nossa sociedade e quiçá, da
própria espécie. Essa alteração
abrange novas formas de pensar e
de agir, tratando o planeta de
maneira melhor e
auto-sustentável, fazendo mais
com menos recursos. Isso parece
ir contra o aumento de
produtividade.
Nada mais errado. O aumento de
produtividade não precisa passar
pela destruição ambiental, nem
pelo desaparecimento da espécie.
Basta que novos valores sejam
levados em conta quando o risco
de prejuízo ambiental e social,
visando apenas o lucro imediato,
vem à tona.
Hoje ainda imagina-se que
quaisquer meios devam ser
utilizados para aumentar os
lucros. Se o problema for de
falhas administrativas, cortemos
pessoal para compensar. Se custa
muito dar destino correto aos
dejetos industriais, vamos
jogá-los fora quando ninguém
estiver olhando, pouco importa o
mal que causem desde que haja
vantagem financeira. Felizmente,
essa visão está mudando
globalmente, apesar que muito
lentamente para evitar os
estragos, mas, já é um começo.
A criação da norma ISO 14000,
visando o “manejo ambiental”,
que significa “o que a
organização faz para minimizar
os efeitos nocivos ao ambiente
causados pelas suas atividades”
6. É uma prova dessa mudança de
visão. Se for tarde demais para
a mudança, só o tempo dirá.
Não é só o meio ambiente que é
agredido no processo. O ser
humano também. Muito se fala da
necessidade de maior
produtividade da mão-de-obra
para atender a globalização da
economia. Mas o que isso
realmente significa? O que isso
faz pelo cidadão comum?
Pranab Bardhan 7, professor de
economia da Universidade de
Berkeley, cita que “estados
fracos, regimes não confiáveis,
concentração de renda, políticos
ineptos ou corruptos e
burocratas se combinam para
minar as oportunidades dos
pobres. A abertura dos mercados
sem solucionar esses problemas
domésticos força as pessoas a
competir de mãos atadas. O
resultado pode ser ainda mais
pobreza.”
Tomemos por exemplo o Brasil.
Nossos governos jamais tiveram a
visão da amplitude do processo
de aprimoramento da mão-de-obra.
No passado, quanto mais
ignorante uma pessoa, mais
facilmente era controlada e
dominada. Isso incentivava que
governos inescrupulosos e
autoritários permanecessem no
poder. Hoje, diante das demandas
globais, o que vemos é uma
profusão de mão-de-obra
desqualificada, que não consegue
competir com a mão-de-obra
estrangeira em inúmeros setores.
Um funcionário brasileiro é, em
geral, menos produtivo que um
chinês ou hindu. Isso nos faz
estagnar.
A manchete “Brasil busca receita
de crescimento” 8, veiculada no
Estado de São Paulo de 21 de
maio passado, ilustra o que eu
digo, quando afirma que “em 25
anos, PIB do País cresceu 85%,
enquanto o da China
multiplicou-se por 10 e o da
Índia quadruplicou.”
O artigo cita que “completar o
ajuste fiscal, com redução das
despesas, melhorar a qualidade
do Estado, investir em educação
e pôr em prática uma política
industrial voltada para a
inovação...são algumas das
principais recomendações –
detalhadas durante o 18º Fórum
Nacional, organizado pelo
ex-ministro do Planejamento João
Paulo dos Reis Velloso, no Rio –
para desvendar o que é
considerado um enigma [!] por
muitos economistas: por que o
Brasil interrompeu a trajetória
de crescimento acelerado na
década de 80 e nunca mais
retomou um ritmo aceitável na
comparação com outras economias
emergentes?”
Em que nosso país difere do
deles? Na educação de seus
cidadãos. Na distribuição de
renda. E olha que
indiscutivelmente, eles tem
problemas bem maiores que os
nossos nos quesitos
superpopulação, disponibilidade
de área cultivável e abundância
de recursos naturais!
Se sabemos pois, onde atacar os
males que afetam o país, por que
não o fazemos ao invés de
continuamos apenas a falar e
falar? A resposta será a
ganância? O individualismo do
brasileiro? A preguiça? Um mix
disso tudo?
***
Um dos homens de maior visão que
o século XX teve foi, sem
dúvida, Henry Ford. Ele
revolucionou as formas de
produção inventando a linha de
montagem -- onde cada
funcionário era responsável por
apenas algumas tarefas
específicas (não há como
esquecer a imagem de Carlitos
apertando parafusos numa fábrica
no filme Tempos Modernos de
1936) -- o que permitiu o
desenvolvimento fantástico que a
indústria automobilística
experimentou (e outras que
aderiram à sua invenção), além
de abrir inúmeros postos de
trabalho e contribuir para a
melhoria do bem-estar de legiões
de operários.
Ele estabeleceu um valor para
seus carros, baixíssimo para os
padrões da época, quando
comparado aos concorrentes (US$
750 por unidade para o modelo T
9), reduziu custos na cadeia
produtiva de forma a conseguir
obter lucro mesmo vendendo a
esse valor -- um achado em
matéria de administração de
negócios -- e o principal, ele
via seus próprios funcionários
como clientes em potencial para
seu produto.
Se Ford já havia descoberto
então a forma de aumentar seus
ganhos e sua produtividade
através do uso da mão-de-obra,
inclusive tornando seus
funcionários os compradores
potenciais de seus produtos, ou
seja incluindo-os no círculo
virtuoso do negócio, por que
isso foi esquecido com o passar
do tempo? Por que o Brasil não
seguiu a idéia e fortificou seu
mercado interno? Por que não
investiu adequadamente em sua
gente?
A Produtividade e o Futuro
Fica bastante claro então, que
somente o aumento da
produtividade, de forma
ecologicamente e socialmente
responsável, pode fazer com que
haja um futuro para nós.
As guerras no passado eliminavam
grande parte da população, o que
permitia um re-equilíbrio dos
recursos existentes, além de
propiciar avanços tecnológicos
incríveis, pois não se pensava
no quanto ia custar o esforço de
guerra. Esta já não é mais a
forma adequada de se agir.
Guerras hoje, são apenas
sorvedores de recursos humanos e
naturais, nada mais
acrescentando à humanidade.
Entretanto, a idéia de se fazer
cada vez mais com menos,
propicia uma visão equilibrada e
moderna de nossas
possibilidades. O futuro não
poderá mais absorver fortunas
individuais imensas, à custa da
pobreza de milhões, nem a
manutenção da miséria em que se
encontram esses potenciais
consumidores e novos
empreendedores.
O futuro, tão pouco poderá
permitir que a raça humana
continue a explorar o planeta da
maneira predatória com que temos
feito. Sabemos hoje que os
recursos naturais são limitados
e que em breve, nossas reservas
mundiais de água potável,
recursos minerais e energéticos,
como o petróleo por exemplo,
terminarão. Mesmo hoje em dia,
com a incrível demanda, torna-se
cada vez mais caro explorar
novos lençóis de petróleo e
novas jazidas naturais, uma vez
que a dificuldade de exploração
tem aumentado exponencialmente:
novas jazidas estão cada vez
mais profundas e afastadas, o
que demanda mais trabalho,
maquinário e transporte,
encarecendo o produto final.
Deveremos dar atenção cada vez
maior à reciclagem dos dejetos
industriais e humanos, a fim de
evitarmos o colapso, pouco
importando o caro que isso venha
a ser.
Em conjunto, cada m2 de área
cultivável terá de alimentar
cada vez mais bocas e não
poderemos nos dar ao luxo de
depender do clima e da sorte
para isso. Teremos de escolher:
transformar nossas pastagens em
campos agrícolas e deixarmos de
consumir carne, ou aprimorar o
cultivo de tecidos animais para
alimentação em fábricas e
produtos agrícolas em fazendas
hidropônicas.
O mar também não poderá nos
ajudar. Além de poluído, as
reservas de pescado estão cada
vez menores e não há, a curto ou
médio prazo, esperança de que
isso mude.
Portanto, apesar do quadro ser
sombrio, caberá ao engenho
humano e ao aumento de
produtividade decorrente, a
sobrevivência de nossa espécie e
a possibilidade de haver algum
futuro para nós e nossos
negócios.
BIBLIOGRAFIA
1. Mauad, João Luiz. Diário do
Comércio, 21 de fevereiro de
2006.
2. Sandroni, Paulo. Dicionário
de Economia e Administração.
Nova Cultural, 1996.
3. Cohen, David. Equilíbrio
Distante. Exame / A Empresa do
Novo Milênio. Ed. Abril, 2000.
4. Malthus, Thomas Robert.
Ensaio Sobre a População. Os
Economistas. Nova Cultural,
1996.
5. Capra, Fritjof. O Ponto de
Mutação. Cultrix, 1995.
6. ISO 14000 – Gestão Ambiental.
www.cnpma.embrapa.br. ISO, 2000.
7. Bardhan, Pranab. A
Globalização é Boa ou Ruim para
os Pobres? Scientific American
Brasil nº 48. Duetto Editorial.
Maio de 2006.
8. Dantas, Fernando. Brasil
Busca Receita de Crescimento. O
Estado de São Paulo. 21 de maio
de 2006.
9. Drucker, Peter. Sociedade
Pós-Capitalista, Editora
Pioneira, 1999.
Henrique Montserrat Fernandez é
Administrador de Empresas com
pós-graduação em Análise de
Sistemas e MBA em Tecnologia da
Informação / E-management pela
Strong/FGV. Com 29 anos de
atuação profissional, trabalhou
em empresas de médio e grande
portes, tais como Grupo
Bonfiglioli, Copersucar e SENAC,
entre outras. Foi Gerente de
Sistemas e Métodos da Zanthus,
tradicional fabricante de
Terminais Ponto de Venda, onde
atuou por mais de seis anos. Foi
também professor universitário
na década de 90.