A Banalização da Pesquisa de
Mercado no Brasil
Por Marcelo Sicoli
06/12/2009
Nos últimos meses, vendo certas
empresas de pesquisa de mercado
trabalhar, algumas de grande
porte ai incluídas, é imediato
perceber a banalização da
atividade no Brasil.
A necessidade de corte de
custos, se fez presente no
segmento, para manter os
patamares que os contratantes no
exterior estavam acostumados
(dispostos) a pagar em tempos de
dólar forte. Porém,
especialmente no que toca aos
famosos incentivos por
participação, vejo que o mercado
esta trabalhando em patamares
desrespeitosos e irreais.
Tome por exemplo, os estudos
encomendados pela Indústria
Farmacêutica, famosa investidora
de parte de seu faturamento em
pesquisas clínicas e de mercado.
De olho no mercado brasileiro,
8° maior do mundo em 2008, ela
com freqüência deseja coletar
informações junto a médicos
,especialmente nas
especialidades onde existem
medicamentos e tratamentos de
alto custo como os oncologistas.
Considerando que estes
profissionais (médicos) gozam
das maiores médias salariais do
mercado de trabalho brasileiro
-- "O Retorno da Educação no
Mercado de Trabalho"-Fundação
Getúlio Vargas,2009-- cobrando
entre R$150 a R$800 por uma
consulta de em média 20 minutos,
é absurdo ver entrevistadores
oferecendo R$30-R$50 por 30
minutos de entrevista telefônica
ou pessoal em profundidade de
uma hora. Como sabido, estas
preciosas informações irão
alimentar o desenvolvimento de
novos remédios pelos bilionários
laboratórios.
Em países desenvolvidos, diga-se
de passagem, o propagandista de
laboratórios paga por uma
consulta para mostrar seus
produtos, não o faz de forma
forçada entre uma consulta e
outra como no Brasil. Valores
muito abaixo do mercado, e a
invariável seqüência de
perguntas enfadonhas, irão criar
uma resistência muito grande
destes profissionais em
participar de qualquer tipo de
pesquisa. Será como o
antibiótico que usado
inadequadamente, torna a doença
ainda mais forte.
Empresa mexicana dia desses me
ligou às 2:30 da manha no
celular, buscando
desesperadamente um parceiro no
Brasil para fazer parte de
projeto ganho cotado em
patamares irresponsáveis. No dia
seguinte, recusei gentilmente o
convite e informei ironicamente
ao colega, que o fuso horário
brasileiro é próximo ao
Mexicano, e não similar aos dos
outros parceiros do "BRIC",
Índia e China, oito horas à
frente.
Para efeito de comparação alguns
profissionais que cobram em
torno de R$50 por consulta
incluem: técnicos em
informática, Personal Trainers,
garotas de programa, tarólogos ,
massagistas e cabeleireiros. Sem
medir o mérito de um ou outro,
pela complexidade e
responsabilidade, o tempo de um
profissional que leva em média
10 anos para chegar ao mercado
de trabalho deve ser mais
valorizado.
Visando analisar o mercado, me
cadastrei há alguns anos, junto
a diversas empresas de pesquisa
para participar de projetos.
Recentemente, fui solicitado
como entrevistador secreto, a
decorar um longo script, pegar
meu carro e ir ao centro da
cidade (Brasília) em horário
comercial, inquirir os
funcionários de uma loja de
pneus sobre uma dezena de itens,
avaliar diversas variáveis,
preencher vários formulários,
scannear as notas fiscais, tudo
para ganhar um balanceamento
grátis (R$30). Há muita
qualificação envolvida nesta
atividade. Não é para qualquer
um. Ai penso comigo: "vou perder
uma tarde inteira fazendo
consultoria para uma empresa
multinacional por digamos ai,
R$7,5 por hora?" Realmente não.
Pedi para ser removido da lista.
Parte significativa dos
trabalhos são encomendados por
clientes no exterior. O
fortalecimento do Real frente ao
Dólar, certamente encareceu os
projetos no Brasil, que por seus
elevados custos trabalhistas e
tributários tendem a ser em
média 30% mais caros que no
México por exemplo. Fazer
pesquisa no Brasil sempre será
mais caro que em outros países
latino-americanos, isto deve
ficar bem claro. Em janeiro de
2009 a paridade era de
US$1/R$2,35, em dezembro em
torno de US$1/R$1,70, uma perda
de cerca de 28%. O Real
valorizado foi um problema
amplamente discutido na mídia,
pela dificuldade enfrentada
pelos exportadores brasileiros
dos mais diversos produtos e
também serviços.
Especialmente no que tange a
área médica corremos o risco que
esta pesca predatória
simplesmente leve a atividade de
pesquisa a extinção, após
resolução do CFM (Conselho
Federal de Medicina) ou CRMs
(Conselhos Regionais de
Medicina) implementarem limites
ou mesmo proibições éticas a
atividade. Vide proibição à
atuação de empresas de
telemarketing no Estado de São
Paulo. Cabe as empresas
brasileiras - e estrangeiras- e
também as associações setoriais
ABEP, ASBMP, ESOMAR etc,
reflexão profunda e imediata
sobre o assunto. A competição e
busca insaciável por ganhos de
eficiência está levando a
banalização da atividade e
exploração de determinados
grupos profissionais.
Marcelo Sicoli é Bacharel em
Relações Internacionais pela UnB
(2000), com MBA em Marketing
pela FGV (2002). Possui
trabalhos realizados junto a
Embaixadas e diversos artigos
publicados nos principais
jornais e sites de comércio
exterior do Brasil e exterior.
Campeão mundial de fórum de
negociações internacionais para
estudantes, realizado pela
universidade de Harvard (EUA) em
Bruxelas-Bélgica. Consultor de
empresas alimentícias,
industriais e farmacêuticas
internacionais especialmente dos
EUA e Índia e instituições
públicas brasileiras.