Compradores Seriais
Por Tom Coelho
04/12/2006
“Viva com lobos, e aprenderá a uivar.”
(César Bórgia)
A psicologia registra a existência de algumas
personalidades enquadradas como sendo do tipo
maníaco-depressivas destacando-se os chamados serial
killers, ou seja, os matadores seriais. O mundo
corporativo, por sua vez, legou-nos uma versão singular:
o comprador serial.
Ele apresenta uma personalidade sui generis. Em geral,
são pessoas introvertidas que falam pouco e, quando
abrem a boca, o fazem de forma muito objetiva. Também
não escutam muito porque não têm paciência ou tempo para
ouvir. Na verdade, procuram ouvir apenas aquilo que lhes
convém, que lhes agrada, que atende aos seus interesses.
São pessoas mal humoradas que dificilmente esboçam um
sorriso porque um semblante feliz tem a peculiaridade de
desarmar a mais sólida das barreiras, o mais edificado
dos muros. E procuram não demonstrar simpatia, ainda que
adotando a verve de “parceiro”.
São também presunçosos e acreditam sempre estar a
serviço da verdade. E de fato estão: da verdade deles.
São prepotentes. Como deles deve partir a decisão de uma
operação de compra e venda, assumem uma postura quase
ditatorial, megalômana.
Vestem-se normalmente de forma simples, despojada.
Raramente você os encontrará trajando um terno ou com um
tailler bem cortado.
Embora tenham toda esta postura, trabalham em ambientes
pouco agradáveis, em salas apertadas, com mesas pequenas
e cadeiras nem sempre confortáveis. E habitam, quase que
via de regra, grandes corporações, porque não há como se
portar de forma tão inflexível e intransigente à frente
de uma pequena ou mesmo média empresa, pois nestas ainda
é possível considerar-se o aspecto humano e não apenas o
comercial de uma negociação.
Aliás, negociação é palavra que até transita pelo
vocabulário dos compradores seriais, mas apresenta outra
conotação. Não acreditam naquela fábula do “ganha-ganha”
porque são treinados a encarar o vendedor como inimigo
nº 1. E não têm limites em suas requisições. O limite é
aquele que o permita escorchar ao máximo seu fornecedor.
Nas grandes companhias, face ao peso do nome da empresa
em que atuam e do volume de compras que potencializam,
sentem-se onipotentes, referendados para expor suas
condições comerciais. É comum encontrá-los no segmento
supermercadista ou ainda no setor de autopeças. Talvez
eles saibam, talvez não, mas agem como verdadeiros
assassinos de empresas. Fazem compras na medida daquilo
que acreditam ser o necessário e alteram as regras do
jogo a seu bel prazer.
Impõem aos fornecedores a concessão de descontos os mais
diversos, travestidos sob a forma de bonificações,
cortesias, brindes, patrocínios, amostras, inserção em
tablóides ou demais campanhas publicitárias, diferença
de ICMS, crédito de ICMS ou IPI, indenização de encalhe,
promoções, lançamentos, cadastramento de item, enxoval,
reinauguração, datas comemorativas.
Impõem prazos de entrega estreitos, sempre que possível,
forçando jocosamente o fornecedor a arcar com ônus não
previstos com fretes e serviços adicionais processados
extraordinariamente.
Impõem prazos de pagamento paulatinamente mais
elásticos. E irreais. O que figura de uma forma no papel
e é exercido de outro, na prática. Faturamento para 30
dias não existe; 60 dias viram 90, 90 viram 150, e este
último pode se converter em devolução devido a um
eventual encalhe.
Impõem preços lastreados em sua força de barganhar por
conta dos volumes de compra e utilizam-se da chantagem
para fazer valer seus interesses. Cadastram em seus
computadores preços mais baixos para sensibilizar o
vendedor a conceder mais descontos. E procuram
desestabilizar os vendedores com exigências impossíveis,
ameaçando a todo instante romper a negociação, retirar o
produto de linha, diminuir a exposição do produto para o
consumidor final e até mesmo excluir a empresa do quadro
de fornecedores.
Os compradores seriais não entendem – ou são orientados
para não compreender – como funciona, de fato, uma
cadeia produtiva. Preferem esgarçar seus fornecedores
com a certeza plena de que sua morte suscitará o
nascimento de outra empresa. Outra talvez melhor, não
técnica ou qualitativamente, mas melhor porque
despreparada e desconhecedora das regras do jogo.
A vida de comprador também não é fácil, muito embora a
grande maioria não caminhe pelas ruas sob sol e chuva no
exercício do ofício, ainda que visitem esporadicamente
seus fornecedores para conhecer in loco sua
infra-estrutura e seu processo fabril – e descobrir
outras formas de se fazer novas exigências.
Trabalham por longas horas atrás de mesas e computadores
e são cobrados permanentemente por resultados. Mas isso
não deveria lhes tirar a sensibilidade.
Se você identificou e encontrou pelo seu caminho um
comprador serial, há dicas para lidar com ele.
1- Aprenda a jogar. Compradores seriais não têm dó de
vendedor. Eles jogam o “jogo dos maus” e estão sempre
prontos para abrir seus “sacos de maldades”. Cabe ao
vendedor aprender a jogar xadrez e cartas. O primeiro,
para desenvolver a capacidade de projetar o futuro, de
imaginar uma partida em sua amplitude a cada lance, a
cada movimento de cada peça. O segundo, porque é preciso
aprender a blefar. E o bom blefe não é fácil porque
envolve postura correta, firmeza no olhar, sorriso
autêntico e entonação de voz adequada. Compradores
gostam de blefar, usando argumentos falsos como melhor
oferta, maior giro e prazo oferecidos pelos
concorrentes. O bom blefe é tão bem realizado que até
quem o pratica acredita ser verdade. Não é preciso mudar
de estilo, mas apenas lapidar, afinar suas percepções e
a partir delas traçar estratégias.
2- Utilize rapport e outras técnicas de PNL (programação
neurolingüística). Analise o comprador. Perceba-o.
Obtenha o máximo de informações sobre sua personalidade.
Sendo ele introspectivo, tente quebrar o gelo apenas uma
vez, não uma segunda. Sorriso amarelo ou piadas infames
podem até prejudicar a credibilidade do relacionamento.
Trabalhe para descobrir seus pontos fracos. E seja
inteligente: finja-se de idiota.
3- Seja assertivo. Mostre quem você é, a empresa que
representa, o produto que está ofertando, suas
vantagens, seus benefícios. Demonstre a ele o que a
empresa vai ganhar. Coloque os atributos reais na mesa e
depois comece a lidar com atributos intangíveis.
4- Negocie com moderação. Apresente o preço em doses
homeopáticas e nunca ofereça com celeridade suas
melhores condições. Se na ânsia de obter o pedido e
aproveitar uma oportunidade você queimar todos os seus
cartuchos, poderá lograr êxito em uma única venda
apenas. É imprescindível manter margem de manobra. Seja
sempre subordinado a alguém, ainda que a empresa toda
esteja personificada em você. O comprador precisa crer
que você tem autonomia limitada. Não faça concessões sem
uma contrapartida. Se querem mais prazo, que aumentem o
lote a ser adquirido. Se querem menor preço, que
antecipem o pagamento. E lembre-se de que 84% dos
negócios são fechados a partir da 5ª etapa de
conversações. Por isso, seja seguro de si, combata o
medo de perder.
5- Mostre-me bem preparado. Os compradores abominam
tratar com vendedores organizados e esclarecidos.
Preferem os profissionais desinformados, que não
conhecem em profundidade a empresa e sua política
comercial. Apreciam os vendedores “antigos”, porque
acham que sabem tudo, e também os mais jovens, tidos
como inexperientes e inseguros. Desenvolva sua
capacidade de argumentação, seja pontual – ainda que
você recorrentemente aguarde na sala de espera ou tenha
sua reunião cancelada na última hora – e aprenda a fazer
contas utilizando uma calculadora financeira.
6- Cultive o respeito. Não o deixe pensar que é o único
e mais importante cliente. Trate-o como igual. Esteja
preparado para as diversas demandas que ela trará à
baila. O comprador serial barganhará desconto comercial,
desconto financeiro e até desconto tributário, nesta
ordem. E não se deixe abalar por frases como: “Você pode
fazer melhor do que isto”, ou ainda, “Vendo o que compro
e nem sempre compro o que vendo”.
7- Seja ético. Mas o faça de acordo com seus princípios
pessoais e os valores de sua companhia. Cuidado com as
propinas, os presentes e os pedidos de favorecimento. De
exceção, eles podem se tornar regra. E uma grande
armadilha. Mas esteja sempre no jogo.
O relacionamento vendedor-comprador pode ser um árduo
jogo de tênis ou uma agradável partida de frescobol.
Atingir o topo não é fácil e como bem pontuou Nietzsche,
“No alto da montanha é mais quente do que as pessoas do
vale imaginam que seja, especialmente no inverno”. De
fato há muito espaço disponível lá em cima, embora
jamais haja lugar para sentar...
(Artigo publicado originalmente na Revista Venda Mais.
Acesse www.vendamais.com.br).
Tom Coelho!, com formação em Economia pela FEA/USP,
Publicidade pela ESPM/SP, especialização em Marketing
pela MMS/SP e em Qualidade de Vida no Trabalho pela
FIA-FEA/USP, é empresário, consultor, professor
universitário, escritor e palestrante. Diretor da
Infinity Consulting e Diretor Estadual do NJE/Ciesp.
Contatos através do e-mail tomcoelho@tomcoelho.com.br.