A Contemporaneidade da Teoria
Crítica no Estudo da Comunicação
Por Carlos Moreno
02/05/2007
Se a atitude dos teóricos críticos pode ser identificada
na tentativa de fundir o comportamento nos confrontos
com a ciência e a cultura com a proposta política de uma
reorganização da sociedade (WOLF, 1995: 73), é
pertinente situar tal projeto intelectual no campo da
esquerda. No entanto, terminada a Guerra Fria e em meio
ao galope da globalização, outras categorias, mesmo que
ainda não tenham sido explicitadas, seriam consideradas
mais adequadas para caracterizar as partes envolvidas no
jogo da política do que a consagrada díade
direita-esquerda. Para iniciar a demonstração da
validade atual da teoria crítica também como um
pensamento de esquerda, há aqui o recurso ao seguinte
argumento de Norberto Bobbio:
Se, para nos consolarmos, passamos a dizer que nesta
parte do mundo, na Europa Ocidental, demos vida à
sociedade dos dois terços, não podemos fechar os olhos
para a maior parte dos países onde a sociedade dos dois
terços (ou mesmo dos quatro quintos ou dos nove décimos)
não é a da abundância, mas a da miséria.
Diante desta realidade, a distinção entre direita e
esquerda, para a qual o ideal de igualdade sempre foi a
estrela polar a ser contemplada e seguida, é claríssima.
Se desviarmos os olhos da questão social no interior dos
Estados singulares - da qual nasceu a esquerda no século
passado - para a questão social internacional,
constatamos que a esquerda não só não completou seu
caminho como, a rigor, mal o começou. (2001: 140)
Segundo Bobbio, a pessoa de esquerda é "aquela que
considera mais o que os homens têm em comum do que os
divide" (Ibidem, 23). Para tal pessoa, a igualdade seria
a regra, e a desigualdade, exceção. Portanto, para ela,
qualquer forma de desigualdade precisaria ser de algum
modo justificada. Salvo exceções, a regra seria a
inclusão.
A esquerda, esclarece Bobbio, é igualitária. Por isso,
tenderia "a reduzir as desigualdades sociais e a tornar
menos penosas as desigualdades naturais" (Ibidem, 116).
Buscando atenuar as diferenças, o igualitário teria a
convicção "de que a maior parte das desigualdades que o
indignam, e que gostaria de fazer desaparecer, são
sociais e, enquanto tal, elimináveis" (Ibidem, 123).
Embora se diga fiel, como intelectual, ao ecletismo,
"que significa 'olhar um problema por todos os lados'"
(Ibidem, 33), Bobbio revela: "Sempre me considerei um
homem de esquerda e, portanto, sempre atribuí ao termo
'esquerda' uma conotação positiva" (Ibidem, 140). Mesmo
sem esse testemunho, seria possível detectar o ponto de
vista de Bobbio na contundência de um de seus
comentários sobre o tema da desigualdade:
O fato de que a distinção entre ricos e pobres,
introduzida e perpetuada pela persistência do direito
tido como inalienável à propriedade individual, seja
considerada a principal causa da desigualdade, não
exclui o reconhecimento de outras razões de
discriminação, como a discriminação entre homens e
mulheres, trabalho manual e trabalho intelectual, povos
superiores e povos inferiores. (Ibidem, 139)
Neste texto é destacada a constatação de que os teóricos
críticos, como pensadores de esquerda, vêm tratando
justamente das desigualdades da vida moderna, marcada
por relações sociais estruturadas em maneiras
sistematicamente assimétricas (Cf. THOMPSON: 1995).
O ponto de partida da teoria crítica teria sido "a
dialética da economia política fundada no materialismo
marxista, ou seja, a crítica à sociedade de mercado na
qual se dá a alienação dos indivíduos em relação à
sociedade como resultante histórica da divisão de
classes" (SANTAELLA, 2001: 38). A principal contribuição
da fase inicial da teoria crítica foi a criação, por
Horkheimer e Adorno, em texto publicado em 1947, do
conceito de indústria cultural, à luz do qual a produção
dos bens culturais estaria "inserida no movimento global
da produção da cultura como mercadoria":
Segundo a lógica de indústria cultural, todo e qualquer
produto cultural - um filme, um programa de rádio ou
televisão, um artigo em revista etc. - não passa de uma
mercadoria submetida às mesmas leis de produção
capitalista que incidem sobre quaisquer produtos
industrializados: um sabonete, um sapato ou quaisquer
outros objetos de uso. Diferentemente destes, os
produtos da indústria cultural são simbólicos,
produzindo nos indivíduos efeitos psíquicos de que os
objetos utilitários estão isentos. Entretanto, todos
ilustram igualmente a mesma racionalidade técnica, o
mesmo esquema de organização e de planejamento
administrativo que levam à uniformização e à
padronização. Em função disso, a ubiqüidade, a
repetitividade e a estandardização da indústria cultural
fazem da moderna cultura de massa um meio de controle
psicológico inaudito. (Ibid., 39)
O termo indústria cultural viria a substituir a
expressão cultura de massa, que sugere impropriamente
uma cultura nascida espontaneamente das próprias massas
ou uma forma contemporânea de arte popular (WOLF, 1995:
75). Corresponde a um sistema de difusão de mensagens
aparentemente destinadas ao mero divertimento, mas que
são estruturadas, em um nível mais profundo, como uma
estratégia de manipulação e dominação do público.
Num esforço semelhante ao dos primeiros teóricos
críticos, o sociólogo John B. Thompson procura explicar
por que comunicação de massa é muitas vezes considerada
"uma expressão infeliz" (1998: 30-32). A primeira
dificuldade estaria no termo massa, considerado enganoso
por evocar "a imagem de uma vasta audiência de muitos
milhares e até milhões de indivíduos", o que
dificilmente representaria as circunstâncias de muitos
produtos da mídia mesmo na atualidade. Algumas editoras
de livros e revistas, por exemplo, embora integrem o
conjunto da comunicação de massa, têm uma audiência
relativamente pequena e especializada. Ou seja, haveria
já uma impropriedade em usar o termo massa reduzindo-o a
uma questão de quantidade. Por outro lado, a utilização
de tal termo poderia também gerar equívoco ao sugerir
que o público da mídia se compõe "de um vasto mar de
passivos e indiferenciados indivíduos":
Devemos abandonar a idéia de que os destinatários dos
produtos da mídia são espectadores passivos cujos
sentidos foram permanentemente embotados pela contínua
recepção de imagens similares. Devemos também descartar
a suposição de que a recepção em si mesma seja um
processo sem problemas, acrítico, e que os produtos são
absorvidos pelos indivíduos como uma esponja absorve
água. Suposições deste tipo têm muito pouco a ver com o
verdadeiro caráter das atividades de recepção e com as
maneiras complexas pelas quais produtos da mídia são
recebidos pelos indivíduos, interpretados por eles e
incorporados em suas vidas. (ibid., 30)
A noção de massa seria igualmente de uso polêmico por
ter como contraponto sócio-político a noção de elite. A
observação é feita por Marilena Chaui (1989: 28-30),
para quem "esse contraponto tende a reduzir o social a
duas camadas, a 'baixa', formada pelo agregado amorfo de
indivíduos anônimos - a 'massa' -, e a 'alta', formada
por indivíduos que se distinguem dos demais pelas
capacidades extraordinárias - a 'elite', os melhores e
maiores". Isso implicaria ainda que a massa está
desprovida de saber, sendo considerada vazia, passiva,
inculta, ignorante e incompetente. Assim, ela teria de
ser guiada, dirigida e "educada", o que seria feito por
uma cultura de e para a massa, preparada pela elite.
Thompson argumenta que, embora a análise da indústria
cultural feita por Horkheimer e Adorno represente umas
das tentativas mais corajosas já realizadas por teóricos
sociais e políticos para a compreensão da natureza e das
conseqüências da comunicação de massa nas sociedades
modernas, ela é, em última instância, imperfeita (1995:
135). Os comentários críticos do sociólogo estão
dirigidos para três temas nos escritos dos primeiros
teóricos da Escola de Frankfurt: (1) sua caracterização
da indústria cultural; (2) sua teoria da natureza e do
papel da ideologia nas sociedades modernas; e (3) sua
concepção totalizante e, muitas vezes, pessimista das
sociedades modernas e do destino dos indivíduos dentro
delas (Ibidem). O uso do termo indústria cultural
corresponderia a "uma visão parcial da natureza da
cultura de massa e de seu impacto":
Dirige nossa atenção para certos aspectos da comunicação
de massa - aqueles que pertencem à mercantilização das
formas simbólicas pelas indústrias da mídia - e, mesmo
dentro desse enfoque restrito, analisa os processos de
desenvolvimento de uma maneira bastante abstrata,
sublinhando características gerais, como a padronização,
a repetição e a pseudopersonalização, mas deixando de
examinar, em detalhe, a organização social e as práticas
cotidianas das indústrias da mídia, ou as diferenças
entre um ramo da mídia e outro. (...) Seu enfoque é tão
fortemente condicionado pelos temas tradicionais da
racionalização, mercantilização e reificação, que eles
[Horkheimer e Adorno] não conseguem fazer justiça àquilo
que é novo e distintivo no referente ao desenvolvimento
da comunicação de massa, e, por isso, no referente à
midiação da cultura moderna. Horkheimer e Adorno
procuram aplicar à comunicação de massa a lógica do
desenvolvimento que tinha já invadido outras esferas da
sociedade moderna, mas, ao fazer isso, esquecem aquelas
características da comunicação de massa que são
distintivas e sem precedentes, e que conferem às
instituições da comunicação de massa nas sociedades um
papel singular e bi-facial. (Ibid.: 136)
O tema da concepção de Horkheimer e Adorno de sociedades
modernas (e da conseqüente noção da atrofia do
indivíduo) é também discutido por John B. Thompson
(Ibid., 140-143). Os criadores do conceito de indústria
cultural teriam exagerado o caráter integrado e
unificador das sociedades modernas:
Embora seja certamente verdade que as sociedades
modernas estão interligadas de muitas maneiras e em
diversos níveis, tanto nacional como internacionalmente,
é também verdade que existe um alto grau de diversidade,
desorganização, dissensão e resistência e provavelmente
isso continuará a existir dentro delas. (...)
Confrontados como estavam pela persistência de uma ordem
social que satisfaz a alguns mas deixa a grande maioria
insatisfeita, Horkheimer e Adorno tenderam a concluir,
de maneira errônea e prematura, penso eu, que as fontes
da instabilidade social tinham sido postas sob controle
e que todas as vozes de um dissenso sério tinham sido
abaladas. (Ibid., 141)
A segunda limitação apontada pelo sociólogo estaria na
explicação dada pelos teóricos da indústria cultural do
declínio do indivíduo. Do mesmo modo como teriam
projetado uma imagem consensual generalizada das
sociedades modernas, Adorno e Horkheimer também teriam
forjado uma concepção fortemente integrada do indivíduo
moderno:
É provável que imagens estereotipadas e padrões
repetitivos dos produtos culturais contribuam, até certo
ponto, para a socialização dos indivíduos e para a
formação de sua identidade. Mas também é provável que os
indivíduos nunca são totalmente moldados por esses e por
outros processos de socialização, e que eles são capazes
de manter ao menos certa distância, tanto intelectual
como emocionalmente, das formas simbólicas que são
construídas deles, para eles, e ao seu redor. (...)
Pressupor, como fazem Horkheimer e Adorno, que a
recepção e consumo de produtos culturais não são mais
que pregos no féretro do indivíduo, que ele está
praticamente condenado a um enterro simples devido às
tendências desenvolvidas nas sociedades modernas, é
exagerar o grau em que a individualidade é esmagada pela
indústria cultural (entre outras coisas), e simplificar
por demais os processos implicados na recepção e
apropriação dos produtos dessas indústrias. (Ibid., 143)
Na contemporaneidade, porém, Thompson julga possível
"descobrir outras razões mais sérias para duvidar da
visão social e política inerente ao projeto inicial da
teoria crítica" (Ibid., 424):
Falando de maneira mais geral, podemos duvidar se o
marco referencial teórico dentro do qual eles tentaram
sua análise das sociedades modernas era adequado para a
tarefa. Podemos suspeitar que a ênfase no capitalismo
industrial como a característica constitutiva essencial
das sociedades modernas fora um exagero que levou ao
obscurecimento do significado de outros processos de
desenvolvimento e de outras causas que originam a
dominação e desigualdade. (Ibid.)
Mas, se dúvidas e reservas são apontadas pelo sociólogo
como razões suficientes para desconsiderar muita coisa
do projeto original da teoria crítica, elas não
obrigariam a abandonar a tarefa na qual os primeiros
teóricos críticos estavam interessados: a análise das
trajetórias de desenvolvimento específico das sociedades
modernas, a reflexão sobre as limitações dessas
sociedades e sobre as oportunidades possíveis de seu
desenvolvimento (Ibid.). Thompson manifesta um débito
para com o projeto da teoria crítica, mesmo esclarecendo
que tenha procurado, sob outros aspectos, distanciar-se
dele:
Sejam quais forem as limitações da obra dos teóricos
críticos, eles estavam corretos, no meu ponto de vista,
ao enfatizar a importância persistente da dominação no
mundo moderno; estavam certos ao realçar que os
indivíduos são agentes auto-reflexivos que podem
aprofundar a compreensão de si mesmos e de outros e que
podem, a partir desta compreensão, agir para mudar as
condições de suas vidas; e estavam corretos ao
considerar a análise crítica da ideologia como uma fase
na relação dinâmica entre dominação e ação, entre o
estabelecimento e reprodução das formas de dominação, de
um lado, e o processo de auto-reflexão crítica que pode
capacitar os indivíduos a questionar essas formas, de
outro. Estas são ênfases e perspectivas que se perderam
em alguns dos últimos debates na teoria social e
política. Alguns teóricos recentes começaram a
preocupar-se tanto com a diversidade e diferença, com a
variedade crescente e variabilidade das formas de vida,
que eles não conseguiram dar, suficientemente, conta do
fato de nas circunstâncias presentes das sociedades
modernas diversidade e diferença estão, geralmente,
inseridas nas relações sociais que estão estruturadas em
maneiras sistematicamente assimétricas. Não podemos nos
cegar pelo espetáculo da diversidade a tal ponto que
sejamos incapazes de ver as desigualdades estruturadas
da vida social. No enfoque aqui desenvolvido, a análise
crítica da ideologia retém seu valor como parte de uma
preocupação mais abrangente com a natureza da dominação
no mundo moderno, com os modos de sua reprodução e as
possibilidades de sua transformação. Isto não significa
que o conjunto de problemas ligados à análise da
ideologia e da dominação sejam os únicos dignos de
preocupação da teoria crítica hoje - não há necessidade
de adotar-se um enfoque tão restritivo. Mas sugerir que
nós podemos, agora, deixar estes problemas para trás,
tratá-los como um resíduo do pensamento do século XIX
que não tem mais vez no mundo moderno (ou "pós moderno")
seria, decididamente, prematuro. (Ibid., 426)
A atualidade da teoria crítica é igualmente abordada por
Lucia Santaella (2001). Ela aponta, por exemplo, a
extensa obra do filósofo alemão Jürgen Habermas como
herdeira de uma corrente de pensamento que permite seu
alinhamento à tradição estabelecida Adorno e Horkheimer.
A pesquisadora explica que, para Habermas, com "o
desenvolvimento das leis de mercado e com sua intrusão
na esfera da produção cultural, dá-se o declínio do
espaço público", caracterizado como "mediador entre
Estado e sociedade" (Ibidem, 40). Na sociedade de
mercado, esse espaço "passaria a ser substituído por
formas de comunicação cada vez mais inspiradas em
modelos comerciais de fabricação de opiniões" (ibid.).
Habermas teria buscado "uma alternativa para a
degenerescência política do Estado na restauração das
formas de comunicação num espaço público estendido ao
conjunto da sociedade"; daí a ênfase na comunicação como
uma tônica da sua obra (ibid., 41).
No horizonte da teoria crítica, cuja tradição teria
sustentado "sua crítica ao tomar como base uma teoria
geral da sociedade, a saber, a dialética da economia
política fundada no materialismo marxista" (ibid., 43),
também despontaria recentemente a obra do filósofo e
psicanalista esloveno Slavoj Zizek:
Mesmo sem trabalhar diretamente com a teoria da
comunicação, sua prática de uma sociologia
interpretativa de fenômenos estéticos, culturais e
midiáticos, que toma como base a psicanálise lacaniana,
tem fornecido elementos para aqueles que desejam
prosseguir nos caminhos de uma teoria crítica. (ibid.,
44)
Em recente entrevista (FOLHA DE S. PAULO, Mais!, 30 de
novembro de 2003), Zizek afirma crer, por exemplo, que
"a teoria lacaniana pode dar conta do paradoxo de nosso
universo simbólico":
A maneira lacaniana de definir o supereu funciona
perfeitamente para explicar como, nesta época
permissiva, temos injunções superegóicas ainda mais
fortes. (...) A injunção social diz hoje: "Goze de todas
as maneiras!" Goze sua sexualidade, realize seu eu,
encontre sua identidade sexual, alcance o sucesso ou,
mesmo, goze uma ascese espiritual. (...) Assim, o que o
torna culpado hoje não é o fato de transgredir alguma
proibição sexual, mas, ao contrário, o fato de você não
transgredi-la, de você não gozar. (...) Vale a pena
insistir nesse ponto. Contrariamente ao que acreditamos
hoje, não vivemos em uma sociedade hedonista. Você não é
absolutamente livre para gozar, até porque há sempre um
complemento contraditório e paradoxal que diz: "Goze de
todas as maneiras... mas de maneira segura". (...) O
resultado é que vivemos em um mundo de café sem cafeína,
carne sem gordura e de chocolates laxantes que dizem em
seus anúncios: "Se você tem constipações, coma mais
chocolate". Creio que a psicanálise pode ainda nos
auxiliar bastante na compreensão de tais paradoxos.
A última palavra de Zizek, na referida entrevista, é a
de um retorno à economia política, justamente a
dialética que serve como ponto de partida da teoria
crítica (Cf. SANTAELLA, 2001: 38). O filósofo e
psicanalista afirma que não "há como negar que a
dinâmica do capitalismo global é a dinâmica do mundo
atual" e que todas "as outras lutas" - como o feminismo
ou o anti-racismo - ainda devem ser mediadas por tal
dinâmica: "E é aqui que o nosso futuro será decidido".
Vladimir Safatle, professor de Filosofia da USP, vê em
Zizek um "interlocutor maior nos debates sobre o destino
do pensamento político de esquerda", cuja via de
abordagem da cultura contemporânea seria justamente
marcada pelo encontro de um certo resgate da tradição
dialética hegeliana com uma inédita "clinica da cultura"
de orientação lacaniana:
Uma maneira de articular a psicanálise e a tradição
dialética que não deixava de remeter à estratégia,
inaugurada pela Escola de Frankfurt, de reintroduzir as
descobertas psicanalíticas no interior da história das
idéias e de fundar uma análise do vínculo social a
partir da teoria das pulsões. (2003: 179)
Sobre a originalidade do texto de Zizek, Safatle evoca
um estilo de curto-circuitos: prosa vertiginosa fundada
em cortes sucessivos de planos conceituais que permitem,
por exemplo, passar diretamente da discussão de impasses
filosóficos ao trabalho de cineastas contemporâneos
(Ibidem: 180). Tal estilo e tal valorização de um meio
como o cinema parecem extremamente pertinentes nesta
inclusão do pensamento de Zizek no campo dos estudos de
mídia.
Mesmo sendo visto como figura importante nas discussões
sobre uma alternativa à hegemonia neoliberal, Zizek não
deixa de criticar o que chama de "narcisismo da esquerda
atual" (2003: 70): "Com essa 'esquerda', quem precisa de
direita?" (Ibidem: 71). Entretanto, sua retórica de
teórico crítico é certamente indisfarçável. Para
concluir, então, vale considerar a seguinte observação
do filósofo e psicanalista esloveno sobre o reforço das
relações entre indústria cultural e governo
estadunidense a partir dos atentados de 11 de setembro:
E essa interação pareceu continuar em vigor: no início
de novembro de 2001 houve uma série de reuniões entre
conselheiros da Casa Branca e executivos de Hollywood
com o objetivo de coordenar o esforço de guerra e de
definir a forma como Hollywood poderia colaborar na
"guerra contra o terrorismo", ao enviar a mensagem
ideológica correta não apenas para os americanos, mas
também para o público hollywoodiano em todo o mundo - a
prova empírica definitiva de que Hollywood opera de fato
como um "aparelho ideológico do Estado". (Ibidem: 30)
Carlos Alexandre de Carvalho Moreno é é jornalista e
professor adjunto da Faculdade de Comunicação Social da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mestre em
Comunicação pela UFRJ e Doutor em Semiologia (Ciência da
Literatura) pela mesma instituição, publicou em 2000 o
livro Considerações semiológicas, uma coletânea de
artigos redigidos a partir dos resultados de suas
pesquisas de dissertação e de tese. Em 2003, participou
do livro Publicidade e Cia. (Editora Pioneira Thomson
Learning) com o capítulo "Publicidade e cômico".
Bibliografia
Bobbio, Norberto. Direita e esquerda. São Paulo: Unesp,
2001.
Chaui, Marilena. Conformismo e resistência: São Paulo:
Brasiliense, 1989.
THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna: Teoria
social crítica na
era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1995.
_____. A mídia e a modernidade: Uma teoria social da
mídia. Petrópolis,
RJ: Vozes, 1998.
SAFATLE, Vladimir. "A política do real de Slavoj Zizek".
In: ZIZEK, S.
Bem-vindo ao deserto do real! São Paulo: Boitempo, 2003.
(p. 179-191)
SANTAELLA. Comunicação e pesquisa. São Paulo: Hacker,
2001.
WOLF. Teorias da comunicação. Lisboa: Presença, 1995.
ZIZEK, Slavoj. Bem-vindo ao deserto do real! São Paulo:
Boitempo, 2003.
Fonte: GHREBH - http://revista.cisc.org.br