O Desafio da Interdependência no
Marketing
Por Paulo Vieira de Castro
28/10/2008
O principal esforço de quem se movimenta na área do
Marketing será o de desafiar para inspirar a
transformação positiva. Mais do que seguir o mercado,
deveremos ter o propósito ético de o educar, aprendendo
com ele todos os dias.
Longe de qualquer juízo de grandeza moral, coloquei a
mim mesmo uma questão: o que poderão os marketeers
aprender com os mais pobres, aqueles que vivem
literalmente na rua? Qual a motivação de quem os ajuda,
qual é o estado de espírito propício para se dar? Como é
que isso poderá inspirar a liderança nas organizações?
Para os budistas ninguém é vítima do mundo, mas sim da
forma como o percebe. Nas organizações passa-se
exatamente o mesmo. Se eu tiver vinte e cinco milhões de
dólares, o modo como os uso determina o seu verdadeiro
valor. Qual é o autêntico valor do dinheiro para quem
vive na rua? Empiricamente estimo que um dólar possa
valer duas a três vezes mais para um sem teto que para
uma pessoa da classe média.
Para o bem e para o mal, o pobre nada sabe sobre
acumulação de capitais, de mais-valia, percepcionando o
dinheiro apenas do ponto de vista funcional da troca,
dia após dia, fazendo ele mesmo de analista, de
executivo e de controller da sua própria atividade.
Você vive do que recebe, mas constrói a vida com o que
dá
Na rua a economia de parceria parece não resultar, isto
ao contrário do conceito de interdependência. Acredito
que no futuro o sucesso das grandes corporações
dependerá desse entendimento. Aliás, a internet é já um
bom exemplo disso, nos casos em que prova ser possível
divergir dos princípios meramente capitalistas, onde
existe exclusivamente uma partilha de meios, mas
raramente de fins. Assim como na rua, nos negócios esta
idéia implica que todos são, contemporaneamente, a um
mesmo momento, provedores e tomadores, clientes e
fornecedores. Isto é o que já acontece com alguns
negócios na internet.
Esta visão de futuro para as relações empresariais
antecipa o aparecimento de um novo conceito de marketing
relacional: o marketing interdependente. Nas estratégias
solidárias é isso mesmo que acontece: aqui também se dá
e recebe o maior dos bens, o afeto inclusivo, a
confiança mútua, afetuosa e permanente, a segurança
capaz de granjear a paz interior. O aspecto
verdadeiramente inovador do marketing interdependente é
que todos ganham nesta relação, e não exclusivamente os
diretamente envolvidos. A matemática, a química, a
física há muitas décadas conseguiram provar que na
natureza tudo está interligado; interdependente. Como
poderiam as relações humanas escapar a esta realidade?
Para a gestão de marketing isto significará a passagem
de um marketing relacional com enfoque em parcerias
estratégicas para a fundação de um marketing de
comunidades, onde cada um contribui individualmente, não
competindo, não cooperando, mas sim interdependendo. A
interdependência por si só poderá significar o desafio
de uma vida para muitos dos gestores empresariais.
Por onde começar a transformação? – perguntará.
Acreditar é o primeiro passo, depois acreditar que você
é sempre parte da solução, acreditar, ainda, que você é
também parte do problema. O resto você já sabe. A este
respeito Max Planck, um dos pais da física quântica,
afirmou que à entrada dos portões do templo da ciência
estão escritas as palavras: “tens de ter fé”. Mas, ter
fé talvez não seja crer no que não vemos, mas sim criar
o que não vemos. Ao contrário da idéia avançada pela
sociedade do conhecimento, onde se mostrava central
conhecer, a proposta agora será a de auto-realizar. Por
exemplo, não será suficiente conhecer a responsabilidade
como caminho para um mundo mais justo, é necessário
cumpri-lo. Lembre-se que conhecer o caminho não é a
mesma coisa que trilhá-lo até ao seu termo. Garanto-lhe
que há alguém muito especial que o espera no final do
caminho: você!
Para entender de forma completa a idéia da
interdependência nos negócios terá de voltar à fonte, ao
sopro vital, ou seja à auto-realização. A realidade que
se vive na rua fez-me perspectivar, ainda, o próximo
passo, uma nova doutrina econômica aparentada a um
entrepreneurial capitalism elevado ao seu expoente
máximo de responsabilidade inclusiva, onde assim como na
natureza, também na economia assistiremos ao retorno à
natural evolução criativa, em que encontraremos “todos”
que são maiores do que a soma das suas partes. Para além
de jogarmos com idéia de interdependência, passaremos a
reconhecer no fator impermanência uma variável
estratégica de oportunidade, cabendo à gestão de topo
potenciá-la, ao invés de a tentar isolar, como se de uma
bactéria nociva se tratasse.
A nova lógica do dar
Sob a perspectiva de uma nova economia solidária, no seu
último livro “DAR”, Bill Clinton reformula o sentido do
ato, através de um olhar inspirador na forma como cada
um de nós poderá mudar o mundo. Antes disso, Jorge Luís
Borges pediu que se lançassem pérolas a porcos, porque o
que importa é dar. Muito embora reconheça um quê de
liberdade poética nesta proposta há algo que eu
confirmei na rua; tudo o que dei é meu, tudo o que dei
contínua comigo. Assim, no final tudo o que restará será
o que compartilhei. Manterei este mesmo sentimento
relativamente ao que simplesmente comprei ou vendi? Para
que isso aconteça talvez seja necessário às empresas uma
nova transparência de propósitos, novos valores, um novo
enfoque relacional. Refiro-me à criação de comunidades
de proximidade real.
Madre Teresa afirmava que quanto menos temos mais temos
para dar. Na rua vemos isso claramente. Parece um
contra-senso, mas não o será se repensarmos o sentido do
que é verdadeiramente importante para a vida humana.
Bastará ver como a satisfação em torno do consumo é
fugaz, temporária, para entender o valor real de um
sorriso, ou de um abraço sincero.
Apesar de se tratar de uma visão meramente pessoal,
acredito que todos teremos a agradecer o fato de poder
dar o melhor de nós próprios. Mas, quantos de nós
estamos dispostos a isso?! Uma nova consciência para o
mundo dos negócios terá, necessariamente, que passar
pela responsabilidade de, como diria Ghandi, sermos o
exemplo que queremos ver nos outros. Mais uma vez dar,
neste caso dar o exemplo.
Aceitar a dádiva como forma de participar na construção
de um mundo onde todos tenham lugar é um sentimento que
está em qualquer de nós, independentemente do credo que
escolhemos. Para os judeus a caridade é uma
responsabilidade da comunidade. Para os católicos toda a
humanidade tem direito ao usufruto dos bens. O mundo
islâmico dá o exemplo através do zakah, entregando 2,5%
do lucro aos mais pobres, ainda para os muçulmanos só a
caridade purifica o lucro obtido. Para os hindus o Homem
veio ao mundo de mãos vazias, regressando sempre de mãos
vazias, dar é para estes a única forma de purificação,
pelo que só as ações filantrópicas darão bom karma.
Igualmente, o desapego aos bens materiais da filosofia
budista faz com que qualquer ação tenha como intenção
gerar felicidade aos outros e a si próprio.
Todos pretendemos vencer. Para os que estão na rua isso
significará sempre, quanto a mim, a vitória sobre si
mesmo. Este é, igualmente, um desafio para o qual muitos
dos nossos administradores de empresas não estão, ainda,
preparados.
Será previsível um crescimento de mercado no que à
solidariedade diz respeito. Para além de assegurar a
sobrevivência básica dos mais necessitados, surgirão
novas responsabilidades. Desde logo dar a si mesmo, ou à
sua fonte de inspiração, abrindo caminho a um maior
compromisso com a espiritualidade, na senda de modelos
de aplicação não periférica à responsabilidade de se ser
humano, passando a cumprir compromissos estratégicos
baseados em valores essenciais à solidariedade, à
responsabilidade inclusiva, à compaixão, à
espiritualidade, ao estar grato, à paz interior. Esta
será a oportunidade que faltava para o surgimento de uma
nova economia.
A transformação é sempre individual, mas a revolução é
coletiva
“Does more money buy you more happiness? Esta é a
principal questão a que pretendeu dar resposta a análise
publicada pela Universidade de Navarra, Espanha. Uma das
conclusões deste estudo vai no sentido de declarar uma
notória impotência do dinheiro quando o colocamos em
contraponto com a felicidade.
Apesar do arrebatador avanço do marketing contra
intuitivo, em especial nas últimas duas décadas, haverá
na lógica do dar um envolvimento preferencial e
complementar com critérios que escapam ao entendimento
normativo, isto porque estamos perante variáveis
meramente auto-referentes. Refiro-me a recursos
infinitos de sentido, patrimônio de todos os homens e
mulheres. São valores como a bondade, a compaixão, a
intuição, a dimensão espiritual, a auto-realização, o
desapego, isto de entre outros ativos intangíveis, que
futuramente motivarão as relações de proximidade entre
agentes organizacionais. Face ao exposto, uma outra
mudança que parece irreversível é a que concerne à
medida da satisfação, passando esta a ser calculada na
economia interdependente, fundamentalmente, com base em
níveis de auto-realização das partes da relação.
Perante uma humanidade que se debate entre os anseios de
uma nova consciência nos negócios e uma busca individual
por um sentido mais amplo para a sua existência,
confrontamo-nos com novos ideais enraizados no mais
elevado patamar da ética empresarial, a espiritualidade.
Só esta parece ser capaz de despertar o princípio
organizador, totalizador, integrador de todas as
potencialidades humanas. Como poderia ser diferente nas
relações de consumo?
Tudo na vida é uma doce responsabilidade, não um mero
jogo de sorte ou azar. Este é um entendimento que, desde
meados dos anos oitenta, assiste à figura do Gestor
Servidor, também conhecido por Gestor ao Serviço. A
inspiração transformadora é o único recurso infinito na
Terra, pelo que a revolução organizacional dependerá da
assunção de todos os seus elementos enquanto agentes de
mobilização. Aristóteles, que nunca leu um livro de
administração de empresas, sabia que somos aquilo que
fazemos repetidamente. Por isso mesmo, a excelência não
é um ato, mas um hábito. O que falta então para romper
com algumas das nossas rotinas? Acreditar que, para além
de desejável, é possível. Seguindo a máxima de São
Francisco de Assis, deveremos começar por fazer o que é
necessário; depois fazer o possível; e, sem dar por
isso, estaremos fazendo o impossível. Parece simples!
Entre aqueles que vivem na rua, e da rua, muitos foram
os que já se aperceberam que os limites da sua atividade
obedecem, agora, a um novo paradigma e a novos públicos.
Da necessidade que um crescente número de pessoas tem em
ser solidária/interdependente/responsável, simplesmente
dando. Como resposta a esta oportunidade encontramos,
agora, formas mais criativas de enfrentar o mercado,
resultando desta constatação o atendimento a novas
propostas de valor. Esta nova vaga valoriza
essencialmente o dar responsável, com sentido, relegando
para um segundo plano a solidariedade meramente
material.
Uma moeda ou um sorriso
Cada vez precisamos mais de nos manter prósperos, mas ao
mesmo tempo prestativos, isto de forma inclusiva, sem
receios ou ressentimentos, pelo que daremos,
incondicionalmente a nossa inspiração, o nosso tempo, o
nosso talento, etc. O que parece estar mudando é a
relação entre dinheiro e felicidade. A onda criada com
movimentos como o “Free Hugs” (Abraços Grátis), ou o
Banco de Tempo (a simples troca de tempo por tempo),
vieram provar exatamente isso.
Está lançado o mais nobre desafio de sempre aos
marketeers: a gratuitidade. Santo Agostinho acreditava
que os milagres não acontecem em contradição com a
natureza, mas apenas em contradição com o que conhecemos
desta. Em conclusão, gostaria de afirmar a minha crença
que no futuro o marketing terá mais a aprender com a
natureza, ela própria interdependente, e menos com a
civilização.
Paulo Vieira de Castro é mentor do modelo “Marketing de
Proximidade Real”, consultor de empresas, Diretor do
Centro de Estudos Aplicados em Marketing do Instituto
Superior de Administração e Gestão do Porto – Portugal.
E-mail geral@paulovieiradecastro.com