E agora Sr. Maslow?
Por Paulo Vieira de Castro
21/03/2007
Perante o moderno comportamento dos consumidores talvez
seja útil refletir em torno da hipótese de uma nova
hierarquia de necessidades humanas, acreditando nós que
muitas das que são de ordem psicológica/emocional se
assumem, na atualidade, como necessidades básicas.
Na segunda metade dos anos 50, Maslow assumiu que as
necessidades humanas estão organizadas numa hierarquia
de importância, representada graficamente na forma duma
pirâmide, cuja base é preenchida pelas necessidades
fisiológicas e de sobrevivência e o topo por
necessidades de status e auto-realização. Evidencia-se
deste modo a crença segundo a qual se poderá reduzir o
Homem a leis meramente racionais, quando pensamos no
concretizar das suas próprias necessidades, defendendo
ainda este importante autor que poucos ou nenhuns
procurarão o reconhecimento pessoal, ou o status, se as
suas necessidades básicas não estiverem satisfeitas.
Mas, será que a tão famosa pirâmide das necessidades de
Maslow continua atual? Pensamos que não.
É claro que qualquer necessidade continua a ser
traduzida por um processo primário, configurado em torno
da tensão fisiológica e psicológica, entre a satisfação
e a frustração. Aquilo que parece ter-se modificado no
Homem foi a capacidade de fantasiar em torno deste mesmo
processo. Mas o que é que mudou? Desde logo, o
entronizar da ilusão do poder pelo consumo, ou seja o
consumo transformou-se no mais importante ideal de
afirmação social, econômico, status, etc. A este
propósito salientamos ainda o fato da identidade social
do indivíduo, agora massificado, já não o remeter, como
outrora, para a família de referência ou para a função
(profissão) desempenhada, mas, cada vez mais, para o seu
estilo de consumo. Assim, entre as variáveis de
segmentação de mercado é cada vez mais usada a
caracterização da amostra partindo do seu estilo de
consumo, ou seja, a forma como os seus elementos se
comportam perante a compra, desvalorizando-se a divisão
clássica em torno dos indicadores demográficos,
econômicos, sociais, etc. Numa sociedade onde tudo
parece ser ato de consumo, coloca-se a possibilidade de
assistimos a mudanças no ciclo motivacional,
esbatendo-se o controlo sobre os impulsos oniomaníacos,
contribuindo largamente para isso a desenfreada oferta
de crédito ao consumo e a comunicação empresarial. Tal
representa, quanto a nós, a fragmentação da teoria da
motivação de Maslow, já que perante um mundo
crescentemente reduzido às relações de consumo e aos
seus atributos de status, o Homem se vê agora submetido
a uma exaltada e inevitável influência psicológica /
íntima, suportada por modernas técnicas de comunicação.
Afinal, se tudo mudou, porque não se adaptaria o Homem a
esse novo mundo, quando pensamos na forma de lidar com
as suas necessidades, de lidar consigo próprio? O
Marketing atual limita-se, unicamente, a seguir o Homem
nesse devir.
Ao aceitarmos que a motivação se encontra no intervalo
entre o estado real e o desejado, ou seja entre as
forças e os conflitos, os estados psicológicos e os
desejos apreendidos, onde o ser humano titubeia face ao
impulso biológico e à estimulação social, então como
entender a mudança de que falamos? Para além do poder
pelo consumo, acreditamos existirem três tópicos
centrais a este respeito: por um lado a Neofilia, ou
seja, o efeito encantatório provocado pela novidade
(inovação como pressão no mercado); por outro, a
Oniomania, palavra grega que significa a febre das
compras e por fim a explosão do crédito ao consumo. Se a
estes juntarmos o fato de estarmos constantemente
expostos a uma comunicação empresarial (promoções,
publicidade, tele marketing, directmail,etc.) cada vez
mais agressiva, então poderemos entender a razão pela
qual o ciclo motivacional de Maslow terá sofrido
alterações profundas. Para tudo isto muito terá
contribuído o ideal neoliberal ao assombrar-nos com a
concepção que o mundo vai por si mesmo. O mercado
torna-se, deste modo, uma entidade não controlável,
afetando irremediavelmente o comportamento do Homem
moderno, transformando-se a exaltação do consumo de tal
modo presente no individuo que a Organização Mundial da
Saúde se vê forçada a atribuir à Oniomania a referência
IM-10 da classificação internacional das doenças,
sendo-lhe, ainda, atribuída a menção DSM-IV na
Statistical Manual of Mental Disorder.
Mas poderá esta mudança comportamental radicar-se,
unicamente, no fato das necessidades fisiológicas
referidas por Maslow estarem agora naturalmente
asseguradas na sociedade da abundância e, talvez por
isso, todos os indivíduos serem motivados pelas
necessidades anímicas? Quantos de nós poderão ter isso
como certo? Talvez seja demasiado cedo para darmos uma
resposta cabal em relação a tudo isto. Contudo, exige-se
que se reflita a propósito da influência da sociedade de
consumo no que diz respeito à provável desconstrução das
teorias motivacionais clássicas. E agora Sr. Maslow?!
Paulo Vieira de Castro é mentor do modelo “Marketing de
Proximidade Real”, consultor de empresas, Diretor do
Centro de Estudos Aplicados em Marketing do Instituto
Superior de Administração e Gestão do Porto – Portugal.
E-mail geral@paulovieiradecastro.com