E Se Maslow Estiver Enganado?
Por Paulo Vieira de Castro
18/01/2008
Schopenhauer lançou o primeiro aviso ao afirmar que o
homem pode, é certo, fazer o que quer, mas não pode
querer o que quer. Também o neuromarketing nos alerta
para a possibilidade de existir um novo horizonte do
arbítrio humano, levantando-se a possibilidade dos
segredos das decisões de consumo poderem estar
associados ao sistema primário da motivação
inconsciente. Assim, longe da expressão do exclusivo
interesse racional do ser humano, ou do campo emocional,
torna-se prioritário estudar a emancipação das regiões
mais primitivas do cérebro.
Alguns dos mecanismos de tomada de decisão em ambientes
de comportamento motivado estão já catalogados pelas
neurociências, sendo muitas as empresas que se debruçam
sobre um dos mais complexos paradigmas do comportamento
humano contemporâneo; o consumo. Esta investigação é
suportada, desde há vários anos, por modernas
tecnologias psicológicas e por máquinas de uso
convencional na medicina, como a tomografia ou a
ressonância magnética. Ligar indivíduos a máquinas de
scanner cerebral, ao mesmo tempo que estes observam
marcas, videoclipes publicitários, discursos políticos,
trailers cinematográficos, etc., é um procedimento que
permite aos pesquisadores observar a excitação que
ocorre ao nível dos circuitos cerebrais. Um dos
objetivos destas experiências passa pela tentativa de
descodificar os mecanismos de fidelização de grupos de
consumidores alvo.
Logicamente, qualquer um será capaz de deduzir que não é
prudente viajar de automóvel ao dobro da velocidade
aconselhada por lei; contudo, há muita gente a fazê-lo
sob pena de colocar várias vidas em perigo. O mesmo
poderemos dizer quanto às decisões de consumo. Quantas
são tomadas de forma inexplicável? Estes exemplos
remetem-nos para a necessária existência de outros
campos cerebrais para além do racional quando pensamos
no consumo.
Grande parte das motivações que levam à compra partem do
inconsciente, assim, num futuro próximo, os métodos
tradicionais de estudo do comportamento do consumidor
serão substituídos pelo scanner da mente, permitindo
para além disso, do ponto de vista da aplicação
neuroeconômica, investigar questões como a satisfação, a
ganância, o altruísmo, a raiva ou o medo. No futuro,
muitas das maiores organizações terão um departamento de
neurociências, cuja importância será determinante na
investigação mercadológica, tornando-se uma importante
ferramenta de suporte para o processo de decisão
estratégica, destacando-se como uma potente técnica de
inquérito. Compreender parte das emoções vividas durante
as experiências de consumo, só foi possível colocando as
neurociências ao serviço de organizações multinacionais,
surgindo deste encontro o neuromarketing, que nada mais
é do que o estudo neurológico do estado mental dos
indivíduos, quando expostos a mensagens relacionadas com
experiências de consumo.
Desde o ano de 2001 que o scanner da mente tem vindo a
ser utilizado um pouco por todo o mundo. O processo, na
prática, é muito simples de entender, pretendendo-se que
os investigadores possam identificar as partes do
cérebro que são estimuladas durante as experiências de
consumo, descodificando padrões de comportamento
inconscientes. Observar os campos elétricos do cérebro
torna-se mais credível que o processamento estatístico,
realizado em torno de questionários tipo ou de
entrevistas de grupo.
As limitações do neurobusiness são evidentes, já que
este não consegue prever as mudanças de comportamento,
assim como não lhe é possível mudar as convicções dos
consumidores. Dado que se trata de uma técnica
descritiva, não destrutiva, pensada para analisar o
comportamento do cérebro, não pode induzir
comportamentos nos consumidores. O neuromarketing mapeia
o processo mental em torno dos benefícios que poderão
levar o cliente a comprar uma determinada marca;
todavia, não o pode obrigar a consumir.
A razão que fundamenta esta moderna e potente ferramenta
de análise relaciona-se com a ideia que a linguagem se
desenvolve a partir de si mesma, ou seja, o que eu falo
funciona, tantas vezes, ao revés do que penso. As
dúvidas que se levantam para os analistas de marketing
prendem-se com a possibilidade de as respostas aos
questionários não serem sinceras, ou mesmo, com a
hipótese de em sessões de grupo existir a probabilidade
de um, ou mais, de entre os entrevistados, tentarem
influenciar a restante amostra.
Vários estudos da área das neurociências confirmam o que
há muito se desconfiava relativamente à relação que
estabelecemos com o consumo. Este é, segundo Montagne,
do Baylor College of Medicine (EUA), tudo menos
racional. As experiências de Montagne tornaram-se
clássicos do neuromarketing, apontando as decisões de
consumo como ligadas ao comportamento meramente emotivo.
Ao realizar os já clássicos testes cegos com os
populares refrigerantes Coca-Cola e Pepsi, foi possível
evidenciar as zonas do cérebro que são responsáveis pela
influência inconsciente durante experiências de consumo.
Quando os voluntários sabiam que estavam bebendo
Coca-Cola, independentemente da sua preferência pela
marca, acendiam-se as zonas do cérebro onde se
movimentam as emoções e o afeto. Se este mesmo grupo de
indivíduos bebia Coca-Cola por copos não identificados,
as zonas do cérebro, anteriormente identificadas, não se
iluminavam.
Concluiu-se que neste caso a preferência da amostra
estava relacionada com a identificação da marca e não
com o sabor. A relação psicológica, emocional, cultural,
etc., que temos com os produtos, suplanta os valores que
nos são transmitidos através do gosto ou do aroma. Não é
o paladar que conta, mas a marca, ou a construção
inconsciente que dela temos. Um outro exemplo clássico
são as experiências realizadas nos EUA a propósito do 11
de Setembro. Analisaram-se os impulsos elétrico
cerebrais de republicanos e democratas quando
confrontados com imagens de terror relacionadas com os
atentados deste fatídico acontecimento. A área do
cérebro associada ao medo acendia-se mais vivamente nos
democratas convictos que nos republicanos.
O neuromarketing permite, igualmente, analisar decisões
de investimento. Clássicos são, igualmente, os estudos
que mediram a atividade cerebral de homens e mulheres
enquanto jogavam o Investiment Game. Curioso é observar
que a atividade cerebral dos homens é substancialmente
reduzida a partir do momento em que tomam a decisão, ao
contrário das mulheres, que demonstram uma atividade
cerebral contínua em três áreas distintas: uma, que
concentra a recompensa, outra que tem a ver com o
planejamento e a organização, e uma última área onde se
calcula e monitoriza as desordens
obsessivas-compulsivas.
O neurobusiness é freqüentemente confundido com outras
aplicações tecnológicas ao nível cerebral. Referimo-nos,
em especial, à e-terapy já usada no nosso país. Trata-se
de técnicas psicológicas, associadas a software
especializado, cujo principal objetivo passa por
reprogramar o cérebro humano de forma a fazê-lo esquecer
traumas, medos, dores crônicas, iludindo alguns dos
estados de espírito mais indesejáveis. Alguns críticos
estimam que, no futuro, estas tecnologias poderão ser
usadas para estimular a atividade em zonas do córtex
associadas a emoções ou, ainda, para aumentar ou
diminuir a tensão ao nível do impulso racional,
envolvendo o consumidor em estados emocionais propícios
a determinados hábitos de consumo. Uma outra
possibilidade de influência tecnicamente assistida do
comportamento humano, salientada pelos críticos do
neurobusiness, prende-se com os chips que são já
aplicados de forma promissora em cérebros de doentes com
Parkinson, ou com traumas ao nível obsessivo-compulsivo.
Seria eticamente reprovável que estas tecnologias fossem
utilizadas com outros propósitos que não os médicos.
Há muitos anos que algumas empresas de comunicação
começaram a desenvolver esforços no sentido de atingir a
mente dos consumidores através de programação dedicada
ao subconsciente. Talvez este motivo seja suficiente
para refletirmos a propósito das intenções que estão por
detrás de algumas mensagens publicitárias.
Será que é ao nível do velho cérebro que vamos encontrar
a mais antiga mistificação dos publicitários, aquilo a
que estes chamam de buy botton? Será aqui que poderemos
encontrar o que Jung relacionou com a herança histórica
de todas as civilizações. Assim, chegar ao cérebro
primitivo permitir-nos-á compreender os próprios
mecanismos de sobrevivência humana e conseqüentemente
avançar no conhecimento sobre a evolução da humanidade.
Talvez o ser humano não tenha nascido para consumir; no
entanto, será interessante estudar a possibilidade de
existir no Homem um impulso natural de poder, que o
empurre, em direcção ao consumo, isto como forma
manifesta de disputa do poder pela compra.
Paulo Vieira de Castro é mentor do modelo “Marketing de
Proximidade Real”, consultor de empresas, Diretor do
Centro de Estudos Aplicados em Marketing do Instituto
Superior de Administração e Gestão do Porto – Portugal.
E-mail geral@paulovieiradecastro.com