A educação como elemento
transformador do talento
Por Ademir Simão
12/02/2008
Terminada a maior manifestação cultural de nosso povo, o
carnaval, me pergunto por que não conseguimos fazer a
mesma coisa com nossas reivindicações populares, de
direito legítimo. Deveríamos ter a “Agremiação Unidos da
Saúde”, “Unidos do Transporte”, “Unidos da Educação”,
etc. Não estou falando que o carnaval não faça sentido,
pelo contrário, ele serve principalmente como lição de
que podemos nos unir para cobrar. Para isto, só teríamos
que usar nossas fantasias da realidade. E que realidade!
Veja só! O trabalho das escolas de samba é maravilhoso.
Há muita pesquisa, muito suor traduzido em um desfile de
pouco mais de uma hora. Se conseguíssemos nos ater à
mensagem como um todo e não só nas popozudas (e como
chamam a atenção!) o carnaval teria um lado lúdico muito
bonito.
Mas para nos divertimos a valer, temos que entender a
mensagem transmitida. Veja a Vai-Vai campeã deste ano do
carnaval de S. Paulo, defendendo a educação como saída
para o Brasil com o tema “Acorda Brasil”. Que ecoem o
grito desta escola e do empresário Antonio Ermírio de
Moraes cujo tema saiu de uma de suas obras pelos quatro
cantos deste país. É realmente inebriante, não tenho
dúvidas, porém, a quarta de cinzas, a semana de cinzas,
o mês de cinzas e o ano de cinzas vêm aí. O que esperar?
Ou vamos como diz o Zeca Pagodinho: ...”deixar a vida
nos levar”... “tá ruim, mas tá bom eu tenho fé que a
vida vai melhorar”. Ação é o nome do jogo. Fé sem obras
é morta.
Temos que ser um país festeiro sim, mas temos que saber
comemorar. Para isto temos que mudar esta letargia
insana pelo escárnio que estão fazendo com o nosso povo
há séculos.
Estamos com uma falsa sensação de melhoria imediata. Tem
muita coisa ainda a ser feita. Principalmente com
relação ao nosso sentimento patriótico e de orgulho
nacional. Temos que ter um povo educado em todos os
sentidos que esta palavra propicie. É inadmissível que
29% dos alunos de 2º série do ensino público não sabem o
que lêem, estes alunos têm dificuldades, para vocês
terem idéia, até para entender o contexto de uma
história em quadrinhos. É mole ou quer mais? E não é só
na 2º série não!
O panorama não é uma quimera. Em uma sala de aula onde
deveria segundo a UNESCO ter no máximo 25 pessoas, hoje
tem 45, o Sindicato dos Profissionais de Ensino em
Educação Municipal de São Paulo diz que o máximo tem que
ser entre 30 e 35. Quem aprende desta forma? E olha que
o processo de alfabetização do seu filho, do meu filho
se conclui ao longo das primeiras quatro séries.
Alunos que chegam ao final deste período sem conseguir
uma boa alfabetização, são simplesmente abandonados. O
que temos daí em diante? 9 milhões de jovens entre 18 a
29 anos sem escolaridade básica, outros quase 1 milhão
de analfabetos e outros 8 milhões que desistiram do
sistema de aprendizado antes de completar as primeiras
séries de alfabetização. 20% de todas as crianças fora
da escola e 46% dos adultos analfabetos na América
Latina estão no Brasil. Somente 12,4% ou 4,5 milhões de
jovens conseguem chegar à faculdade. Não estou colocando
nesta conta os chamados excluídos, tais como indígenas,
deficientes físicos, regiões precárias e carentes. Estas
estatísticas gritantes não param por aí. Temos 104
milhões de eleitores sem o ensino médio completo, dos
quais 28 milhões são analfabetos e 72 milhões sem o
ensino fundamental.
Como disse o professor José de Souza Martins da USP:
“... Estamos construindo uma sociedade mutilada...
Candidatos certos à Bolsa Família do Futuro... os heróis
do atraso social”. Temos que parar de produzir
ignorantes.
Ouvimos dizer o tempo todo que precisamos de mão-de-obra
qualificada, que existem vagas sobrando em determinados
setores. Mas é só isto mesmo? Ao passo que você está
lendo este artigo, com certeza novas cobranças no
mercado de trabalho estão sendo impostas. Temos que ter
qualidade, não somente de profissionais, mas também de
cidadãos. Então não adianta só se formarem para mexer em
máquinas, temos que ensinar para que as pessoas
raciocinem, pesquisem, mude de patamar o tempo todo.
Estamos em um mercado de competição, porém, podemos
também colaborar. E porque não?
Vou fazer um resumo de um artigo que o professor
Cristovam Buarque escreveu brilhantemente:
Sua conclusão é que um país que abandona a sua educação
à própria sorte, como fizemos, é um país facilmente
dominável. Os pontos abordados por ele:
Democracia: o povo sabe votar corretamente, independendo
do grau de instrução, mas, sem educação, não tem
alternativas de emprego ou renda, precisa de soluções
imediatas;
Corrupção: Sem qualificação o eleitor perde o direito de
cobrar de seu representante;
Economia: Não há futuro para a economia sem mão-de-obra
altamente qualificada. “Se toda a população jovem não
estiver bem educada para fornecer quadros competentes às
universidades, estas não desenvolverão o
capital-conhecimento com base na ciência e nas técnicas
de nível superior que o mundo moderno exige”;
Emprego: A economia está trocando operários por
operadores. Isso exige um bom segundo grau completo,
idiomas estrangeiros e inclusão digital;
Segurança: É possível que a maldade seja uma
característica mais comum entre os educados do que entre
os iletrados. Mas, sem alternativas de emprego, estes
últimos ficam sem renda para sobreviver e mais
facilmente caem na tentação de pequenos crimes.
Desigualdade: Uma parte nem deseja mudanças, outra
defende o voto dos analfabetos sem defender a
erradicação do analfabetismo. Defende que o capital do
patrão deve passar às mãos dos trabalhadores, mas não
defende que a escola do filho do operário seja tão boa
quanto à escola do filho do patrão.
Arrepia-me só de pensar, as empresas ajudando o governo
a fazer o que é sua obrigação constitucional. Portanto o
básico e o fundamental. É como se estivéssemos dando
mais dinheiro para a ineficiência pública. Mas se isto
pode agilizar nosso país na construção de novos cidadãos
e de um país reconhecido internacionalmente por sua
educação, tô dentro. Porém, tem que haver um
gerenciamento privado destes investimentos. Hoje entendo
que a preocupação com a educação em hipótese alguma pode
ficar apenas nas mãos dos governos.
Empresas podem e devem se engajar em projetos para
capacitação e inclusão de crianças e adolescentes e isto
é factível. Para que as escolas possam preparar nossos
jovens para um mundo em que o valor surge da iniciativa
e criatividade individual, temos que criar uma sociedade
que valorize e respeite seus professores, pague-os bem e
conceda-lhes autonomia para exercer o seu trabalho.
Temos que ter professores que formem talentos humanos.
Não podemos aceitar que o governo continue fazendo
bobagens do tipo reserva de cotas para estudantes negros
e egressos do ensino público. Isto tem a cara daqueles
empresários que cometeram uma série de transgressões ao
longo do tempo e vêem na filantropia uma forma de pagar
seus pecados. Dar dinheiro por dar dinheiro não resolve!
Não vai fazer ninguém entrar no céu. Tem que ser algo
mais. Desenvolver e participar de projetos com começo,
meio e fim. Cobrar resultados como todo investidor.
Quanto à reserva de cotas, a meu ver estamos produzindo
um “apartheid” educacional que poderá gerar efeitos
desastrosos à nossa sociedade gerando cicatrizes nos
participantes deste processo. Imaginem o vexame na
faculdade e à discriminação no mercado de trabalho. A
princípio o denominado assistencialismo do governo traz
no mínimo um desvio semântico. Se nossas escolas
públicas não conseguem gerar ensino de qualidade, como
podemos mandar jovens despreparados para as
universidades? E isto independe de raça, credo ou
situação econômica. Estamos ensinando que o esforço e a
busca por resultados nem sempre irão prevalecer. Pois o
governo pode estar pagando sua penitência em detrimento
do esforço pessoal de quem conseguiu nota para ingressar
na faculdade. Vejam a guerra anunciada na Universidade
Federal de Santa Catarina dentre outras que surgirão. O
procurador da república Davy Lincoln Rocha conseguiu uma
liminar na Justiça Federal suspendendo o sistema de
cotas, através da sustentação que a Constituição
estabelece a igualdade de direitos. Comunidades no Orkut
já estão sendo formadas com intuito de discriminação.
Vejam só dois trechos de atos produzidos pelo sistema de
cotas após a divulgação indevida da lista em comunidades
na internet:
“Agora que dá prá saber quem é cotista e quem não é, o
preconceito vai comer solto lá dentro.”
“Os negros não poderiam entrar na UFSC de cabeça erguida
tirando menos da metade da nota daquelas pessoas que
ficaram de fora por causa das cotas.”
É show de horror por todos os lados.
Assim como com nosso time de futebol do coração, em que
nos pegamos discutindo sobre o melhor jogador, os erros
dos técnicos, o urro da torcida pedindo por mudança,
enfim, com a convicção de que somos tão bons como
técnicos que poderíamos montar nossa seleção dos sonhos,
temos que fazer isto com time de políticos. A escalação
é nossa! Temos que saber quem será o treinador da nossa
seleção política. Pois são eles que irão colocar no
ataque da Educação, na zaga da Saúde, nas laterais do
Transporte e assim por diante, os profissionais que
farão nosso time ganhar ou perder o jogo. Temos que
acabar com a farra dos cargos públicos, em que políticos
sem experiência nenhuma em suas pastas, administram
órgãos importantes da administração pública e com verbas
milionárias e às vezes bilionárias sem qualquer preparo
para aquilo. É como se você desse o seu dinheiro para
que um borracheiro administrasse, fizesse aplicações na
bolsa de valores e no mercado futuro esperando sua
multiplicação. Se a formação e expertise dele não é
essa, vocês vão concordar comigo que será um desastre. É
jogar dinheiro fora. Isto é lúgubre! Mas é a realidade
de nosso país. Gente despreparada tocando assuntos
importantes. O que vemos é um determinado político que
não deu certo em determinada secretaria indo para outra
tentativa em outra secretaria e assim por diante. Velhos
problemas não resolvidos com velhos administradores que
não deram certo. Mas estamos em uma democracia graças a
Deus, e temos o poder do voto em nosso favor. Vamos ler
mais sobre os próximos candidatos. Não é hora de relaxar
e gozar. É hora de ir para o jogo, o jogo da mudança e
só depende de você. Vamos cobrar, vamos fazer de nossos
emails instrumentos de cobrança política. Vamos fazer de
nossas listas de discussões, pautas de resoluções
sociais, vamos fazer de nossas redes sociais,
engajadores para um mundo melhor, dos inconformados
sociais que querem um novo perfil de político, o
político-administrador, o realizador e que faça
acontecer.
Faça do seu voto uma vacina. Para isto, leia, estude, e
principalmente crie oportunidades para que as pessoas de
seu convívio façam o mesmo. No final todos nós queremos
a mesma coisa, viver em um mundo melhor não é?
Não podemos ter tolerância com aqueles que têm descaso e
abandonam a educação. Ou cobramos e insistimos para que
haja uma mudança de postura governamental ou estamos
relegados a não só ter o Brasil como um país de terceiro
mundo, mas termos um terceiro mundo dentro de nós.
Sucesso a todos!
Ademir Simão é Diretor de Novos Negócios da Agência
Blockworks Brazil – http://www.blockworks.com.br –
ademir@blockworks.com.br