Ensinando a Ousar
Por Tom Coelho
03/06/2003
“O que quer que você seja capaz de fazer, ou imagina ser
capaz, comece.
Ousadia contém gênio, poder e magia”. (Goethe)
A cada minuto de nossas vidas estamos sempre assumindo
dois papéis: o de professor e o de aluno. Dependendo do
momento, do tema, do interlocutor, colocamos um ou outro
véu. E num diálogo realmente edificante, chegamos mesmo
a utilizar simultaneamente os dois.
Porém, lamentavelmente somos, via de regra, maus
professores. Maus porque pregamos a mediocridade,
inibimos a audácia, coibimos o risco, desestimulamos a
galhardia. Ser medíocre é ser comum, mediano, modesto,
despretensioso. Ser medíocre é estar seguro, ainda que
não se esteja bem. Ser medíocre é fruto natural de nossa
cultura ibérica e de nossa tradição católica.
Empregados sem Empregos
Nossas escolas de ensino fundamental privilegiam uma
alfabetização metódica, padronizada, enquadrando nossas
crianças num plano bidimensional. São ao menos oito anos
de estudos sem estímulo à criatividade e à ousadia.
Depois, quem pode gasta uma soma considerável num
terapeuta ou num curso de especialização para instruir
aquele garoto a traçar linhas curvas e não apenas retas,
a misturar cores quentes e frias, a experimentar outras
formas geométricas, a unir nove pontos alinhados três a
três com apenas quatro retas.
O ensino médio, por sua vez, produz exércitos dotados de
baionetas com as quais assinalarão “x” dentre cinco
alternativas possíveis para, aí sim, ingressando no
chamado ensino superior, compor uma legião de empregados
para um mundo sem empregos. A própria estrutura de
ensino incentiva a subserviência, seja por intermédio do
método expositivo de aulas, seja através do respeito
incólume às hierarquias, seja por meio dos trabalhos de
conclusão ou estágios supervisionados, sempre
focalizados em grandes empresas e com conteúdo
discutível.
Nosso modelo de ensino não instiga o pensar. História é
para ser decorada, e não entendida. Matemática é para se
aprender por tentativa e erro, e não por tentativa e
acerto. Português tem muitas regras, não se sabe para
quê, não é mano?
Abolimos as aulas de Educação Moral e Cívica porque eram
uma herança dos tempos da ditadura, ao invés de
modernizarmos seu conteúdo. O resultado é que hoje não
se sabe mais cantar o Hino Nacional, o qual só é ouvido
em jogos de futebol ou quando somos agraciados com
alguma façanha de Guga ou outros esportistas. Foi-se
embora o culto ao patriotismo e ao amor ao
verde-amarelo. Foi-se também a oportunidade de se
ministrar um pouco de ética e responsabilidade social.
Mediocridade Ensinada
Nossa mediocridade ensinada acaba permeada em nossas
vidas sem que nos apercebamos disso. Nossas empresas
tornam-se medíocres porque não têm o gene do
empreendedorismo, especialmente o empreendedorismo de
oportunidade, aquele que agrega valor, que produz
riqueza, que gera empregos, qualificados e de forma
sustentada. Falta-nos a ousadia para adotar novas
práticas, da remuneração variável ao horário flexível,
da gestão compartilhada à participação nos resultados.
Nossa mediocridade ensinada congela nossos ímpetos
corporativos, impedem-nos de investir em nossas próprias
idéias, de acreditar em nossos mais castos ou ambiciosos
sonhos. O risco, palavra derivada do italiano antigo
risicare e que significa nada menos do que “ousar”,
deixa de ser uma opção, deixa de ser um destino.
Nossa mediocridade ensinada se mostra presente em nossas
vidas pessoais, exacerbando nossa timidez, trazendo
consigo a hesitação por uma palavra, por um beijo, por
uma conquista mútua. Tempera relações sem usar sal ou
pimenta, adota a monotonia e culpa a rotina. Observe
como nunca somos medíocres no início de um namoro, da
troca de olhares ao flerte, do perfume das flores ao
sabor dos bombons. Tudo isso até o primeiro beijo, o
único realmente verdadeiro, pois dele deriva muitos
outros até os meramente, e finalmente, protocolares,
como a nota cinco necessária para se passar de ano.
Pílula Azul ou Vermelha?
Vivemos numa nação na qual, mesmo após 500 anos, a terra
ainda devolve com fartura tudo o que nela se planta. Não
somos vitimados por catástrofes naturais. Somos dotados
de grande simpatia e predisposição ao trabalho. Então,
por quê sermos medíocres?
O que nos impede de reproduzir em larga escala a
criatividade de nossa publicidade, a inteligência de
nosso design, a beleza de nossa moda, a eficiência de
nossa agroindústria de soja, a ousadia de milhões de
pessoas que teimam em manter-se vivas com um punhado de
reais ao longo de todo um mês?
Ou a vida é uma aventura ousada, ou não é nada. Do
contrário, não vivemos, apenas vegetamos. À luz de um
ícone criado em “Matrix”, podemos tomar a pílula
vermelha, esquecer tudo isso, e tratar o ensino com
objetivo exclusivo de satisfazer estatísticas,
empenhados em reduzir índices de evasão e elevar taxas
de escolaridade. Mas podemos optar pela pílula azul, e
incentivar a escola democrática, substituir a forma
desinteressante e desatrelada da realidade de educar
pelo estímulo à curiosidade, encorajar o aprendizado ao
invés do ensino porque ousadia é uma forma de ser e não
de saber.
Tom Coelho, com graduação em Economia pela FEA/USP,
Publicidade pela ESPM/SP e especialização em Marketing
pela MMS/SP, é empresário, consultor, escritor e
palestrante, Diretor da Infinity Consulting, Diretor do
Simb/Abrinq e Membro Executivo do NJE/Fiesp.