Fundamentos de Marketing
Eleitoral
Por Cid Pacheco
01/05/2007
Um dos mais relevantes fatos da política contemporânea
pode ser considerado, paradoxalmente, um fato
não-político: o advento do marketing eleitoral.
De fato, marketing é uma concepção que vem "de fora da
política". Sua origem e natureza concertam-se com o
mercado e a economia modernos -- seu habitat natural.
É no Mercado -- e para o Mercado -- que as sociedades
industrializadas e de consumo do século XX -- ditas de
"massa"-- criam o Marketing como técnica ad hoc para
gerir as suas novas realidades macrodimensionadas.
Produção e consumo, metropolização e mídia -- tudo nelas
é grande e complexo e exige novas formas degestão de
escala.
Os eleitorados massivos, em tais sociedades -- por
imperativo de analogia -- vão exigir o mesmo
instrumental para serem operacionalizados.
É assim que o Marketing se associa à Política para
atender a uma necessidade histórico-social. A chamado,
não por intromissão.
MARKETING ELEITORAL OU MARKETING POLÍTICO?
Convém discernir entre marketing político, que é uma
expressão controvertida, e marketing eleitoral.
Admitimos que a expressão marketing político possa
suscitar algumas discussões. Marketing eleitoral, não: a
expressão é exata. Ela se aplica integralmente à
eleição, e é sobre isso que nós vimos falar aqui: a
aplicação do marketing às técnicas eleitorais.
A maior parte das dúvidas em torno do assunto resultam
do desconhecimento do processo eleitoral e das
diferenças que o separam do processo político. Confundir
e misturar esses dois processos não ajuda a
compreendê-los.
A manipulação da qual tanto se acusa o Marketing
consiste exatamente em influenciar a vontade do outro
através de técnicas que ele desconhece. Mas se o outro
conhecer essas técnicas, deixa de haver manipulação para
haver, no mínimo, cumplicidade. Divulgar as técnicas de
Marketing aplicadas ao processo eleitoral é, portanto,
um ato democrático, porque propicia a compreensão dessas
técnicas depersuasão, o que equivale a reduzir ou
neutralizar seus efeitos.
A partir disso, é mais importante discutir a eleição do
que a política. Entendendo por que os eleitores votam,
entenderemos melhor por que nós mesmos votamos. Sabendo,
portanto, por que se vota neste ou naquele candidato,
talvez nós consigamos, no futuro, votar melhor.
O QUE O MARKETING ELEITORAL PODE E O QUE NÃO PODE.
O Marketing político-eleitoral é uma ilha de
controvérsias cercada de exageros por todos os lados.
Por muita gente, ele é considerado um artifício
onipotente, que anula os fatores políticos e reduz a
quase nada a personalidade do eleitor; quem vota é
sempre imaginado como um ser absolutamente frágil e
indefeso. No extremo oposto do exagero, o Marketing é
considerado técnica científica neutra, gravitando em
torno de um eleitor absolutamente inconstante e
todo-poderoso. A realidade se encontra no meio dessas
duas posições. O Marketing eleitoral introduz uma
parcela de racionalidade na administração dos processos
político-eleitorais. Trata-se de uma técnica com
possibilidades reais e com muitas limitações - ele pode
uma porção de coisas e não pode outras tantas.
O Marketing não contradiz nem substitui de forma alguma
a essência política do processo-eleitoral. Ele também
não tem a força de impor ao indivíduo nada queele
rejeite. Lazarsfeld define Marketing Eleitoral como um
"mecanismo de ativação de tendências latentes" e usa
duas analogias interessantes. Uma delas é a da
fotografia: quando revelamos um filme, a imagem só
aparece porque já estava lá, no momento da foto. O
Marketing também revela o que pré-existe. Outra analogia
é a da criança que põe um papel em cima de uma moeda e
depois o decalca.
O desenho da moeda aparece porque a estrutura
pré-existe. Independentemente da nossa opinião sobre o
Marketing, o processo político contemporâneo é marcado
pela sua presença.
Outro equívoco a evitar é a idéia da sua onipotência.
Devemos afastar essa idéia completamente. Marketing não
é uma técnica de manipulação. Ele é, isto sim, uma arte
de ajustamentos. Nós somos, a rigor, Engenheiros do
Consentimento, como disse Ed. Bernays. Posso esclarecer
esse conceito com uma expressão minha que o sumariza: "à
revelia da predisposição, nenhuma manipulação
prevalece." A dis- cussão da manipulação é generalizada
mas, na realidade, nós trabalhamos em cima de
predisposições. É isso o que o Marketing faz.
No Marketing, onde o produto prevalece, diz-se que "o
primado é do Produto". Por analogia, na Eleição o
primado é do Candidato. Lembremos que o candidato,
quando chega à arena, já traz em si as condições
intrínsecas de vitória e derrota. Nenhum marketing é
capaz de construir artificialmente candidatos sem
capacita- ção. É o candidato e a sua política que
predefinem, de um certo modo, o destino da sua campanha.
MARKETING E METRÓPOLE: UMA CIRCUNSTÂNCIA BÁSICA.
O marketing se aplica, sobretudo, aos grandes centros
urbanos, macrodimensionados. Nas pequenas eleições, nas
pequenas cidades, onde a política ainda funcionaem
estado "puro", o marketing influencia menos. É
exatamente nas macropopulações das grandes áreas
metropolitanas que o marketing melhor se aplica. Tudo o
que for dito aqui diz respeito a essa condição
metropolitana. Com respaldo teórico em Tonnies, Weber e
outros, pode-se dizer que o marketing eleitoral melhor
se aplica e produz resultados em sociedades nas quais
predomine o Gesellschaft, do que em comunidades menores
onde predomine o Gemeinschaft.
MARKETING E PROPAGANDA:
UMA CONFUSÃO QUE CONVÉM EVITAR.
Uma das confusões lamentáveis que se faz é a sinonímia
entre marketing e propaganda.
"Propaganda é parte de um todo chamado marketing", como
estatuiu Caio Aurélio Domingues. Ela é apenas uma das
funções do marketing. O marketing é um conjunto
holístico de funções e uma delas chama-se propaganda.
Portanto, estamos falando da aplicação de técnicas
complexas, entre as quais a propaganda, mas não somente
ela. A expressão marketing político-eleitoral é mais
cautelosa porque limita a generalidade do campo político
ao seu momento especificamente eleitoral.
CANDIDATO E PARTIDO: O HOMEM E A INSTITUIÇÃO.
Outra coisa a não esquecermos é a ação
político-eleitoral, a instituição atrás do candidato, o
partido, o grupamento. Portanto, a diade organização e
propaganda é fundamental. Nós, seres humanos,
indivíduos, somos feitos de corpo e espírito.
Reproduzimo-nos fazendo filhos. O corpo das instituições
não é a sede física delas, é a sua organização, a sua
hierarquia. E o espírito delas, o que é? A sua idéia
central, a sua ideologia, a sua "Weltanschauung", que
cumpre propagar. O Partido cresce e se reproduz
propagando as suas idéias. A Propaganda é o semen da
Instituição. Assim, a organização que apóia o candidato
é tão ou mais importante do que o próprio. Por mais
carismático que ele seja, não terá sucesso se não tiver
o apoio adequado de uma instituição que o respalde.
A UNIVERSALIDADE DO MARKETING ELEITORAL.
O processo do Marketing eleitoral tem uma universalidade
parecida com a de alguns produtos de massa. As eleições
são mais ou menos iguais em todo o mundo. Esse aspecto
ficou patente no seminário que a Associação Brasileira
de Propaganda fez em 1982, com a presença de alguns dos
mais ilustres consultores de Marketing eleitoral do
mundo. O Marketing é pouco alterado pelo poder
aquisitivo dos países, pela educação política, pelo
nível de cultura. As regras do Marketing político são
mais ou menos as mesmas em qualquer sociedade. Ele diz
respeito mais à natureza do homem do que à sua
circunstância.
ELEIÇÕES E CAOS.
A moderna Teoria dos Sistemas designa de caóticos os
processos cujas macrodimensões e alta complexidade
implicam em instabilidade intríseca e acarretam elevada
imprevisibilidade.
A meteorologia é paradigma: múltiplos fatores, em
complexa e dinâmica interação, resultam na anedótica
precariedade da previsão do tempo.
Pequenas causas produzindo efeitos remotos e
desproporcionalmente grandes: a borboleta que bate asas
no Amazonas como causa do tornado nos EEUU. -- na famosa
e poética metáfora de Edward Lorenz.
Por sua instabilidade, os processos altamente caóticos
também são chamados de sistemas catastróficos, i.é, de
instabilidade máxima.
Pois bem: eleições são, em princípio, sistemas caóticos,
intrinsecamente instáveis e de previsibilidade precária
-- não raro, "catastróficos".
O Marketing Eleitoral -- tal como no mercado -- é
recurso fundamental e necessário para administrar a
natureza caótica do sistema eleitoral. Sem chegar ao
ponto de garantir controle nem certezas absolutas, o
Marketing é um valioso redutor da escala caótica do
processo.
UM POUCO DE HISTÓRIA DO MARKETING ELEITORAL.
Em 1940, na eleição Roosevelt x Wilkie, uma equipe da
Universidade de Columbia, comandada por Lazarsfeld,
realizou no condado de Erie, Ohio, uma pesquisa que
mudou em profundidade as concepções sobre o processo
eleitoral. O livro respectivo, The People's Choice, veio
demonstrar que os fatores predominantes na decisão do
voto eram sócio-econômicos, culturais e, só
secundariamente, políticos. Estabeleceu-se o que se
poderia chamar de "primeira lei do Marketing eleitoral":
são as características sociais do eleitor -- não as
políticas -- que determinam as decisões eleitorais.
A pesquisa, reiterada em 1948 (Truman x Dewey), em
Elmira, NY, consolidou aquelas conclusões: provou em
estatísticas conclusivas que a classe social, a
religião, a inserção geográfico-ocupacional etc. eram os
fatores decisivos na hora do voto. O discurso político
"entrava por um ouvido e saia pelo outro", decidia pouco
ou nada. A partir daí, o processo eleitoral moderno
sofreu modificaçõessubstanciais. Por isso, não acredito
na possibilidade de uma política moderna sem Marketing.
Em 1954, o Brasil realizou a sua primeira eleição
marketing-orientada. Foi a elei- ção de Celso Azevedo
para a prefeitura de Belo Horizonte,executada pelo
publici- tário João Moacir Medeiros, da JMM. Celso
Azevedo era um estreante sem respaldo político. Foi
orientado por uma agência de propaganda, sob ótica
mercadológica, e só por isso venceu Amintas de Barros,
um político profissional e de tradi-ção, com uma sólida
biografia. O nosso Marketing tem crescido muito desde
en-tão, e já começa inclusive a ser exportado. A
pesquisa brasileira também já atingiu um nível alto.
MARKETING ELEITORAL:
A ADMINISTRAÇÃO DA INDIFERENÇA.
O estudo da comunicação política deriva do estudo da
opinião pública. E a característica essencial da opinião
pública é a sua inconstância. Ela é sempre mutante e,
sendo mutante, pode ser mutável. O estudo da opinião
pública procura os mecanismos dessa mudança. Ao longo da
década de 50, os Departamentos de Opinião Pública de
algumas importantes universidades norte-americanas
passaram a chamar-se de Opinion Changing Department
(Departamento de Mudança de Opinião). O objeto do
Marketing eleitoral, portanto, nunca é o eleitor
politizado: ele pertence à política, não está no nosso
campo de estudo. O objeto do Marketing eleitoral é o
eleitor indefinido, indeciso ou neutro -- o indiferente
à política -- que pode ser mu- dado, e muda, e que
constitui a maioria do eleitorado. Por isso, gosto de
definir o Marketing político-eleitoral como uma técnica
de administração da indiferença.
OS TRÊS ESTADOS DO ELEITOR.
Trabalhamos sobre o eleitor e não sobre o voto. O voto é
uma decorrência da posição do eleitor. Lazarsfeld
constata três estados do eleitor: o cristalizado, o
flutuante e o retardatário. O eleitor cristalizado é
minoritário. O Marketing eleitoral não perde tempo com
ele, que é resistente à mudança porque já tem uma
posição definida. O Marketing centra-se nos eleitores
que podem mudar de idéia: os flutuantes e os
retardatários. São esses que decidem as eleições. O
cristalizado, mais politizado, é sempre minoritário, não
tem poder estatístico de predominar na urna.
Com o cristalizado, não perca tempo. Os 15% históricos
de Brizola, os 15% históricos de Lula, são deles, não
perca tempo em convertê-los. Não diga nada contra eles
porque o eleitor cristalizado não vai acreditar.
Cristalizado não decide eleição. Propaganda se faz para
os flutuantes e retardatários, e com uma dosagem tal que
permita dar o máximo de intensidade nos últimos dias. É
preciso reservar as verbas e as energias para os 45 dias
finais, quando realmente a eleição se decide em cima dos
flutuantes e, se os retardatários forem muitos, então a
eleição só vai se decidir realmente nas últimas 48 ou
mesmo 24 horas.
A ELEIÇÃO É UM PROCESSO OLIGOPOLÍTICO.
Podemos dizer que a eleição é um processo oligopolítico.
Ela não é alheia à política, apenas é fracamente
política. A política é uma vertente menor no momento da
eleição. Daí a aparição do marketing eleitoral no ponto
oportuno.
A compreensão dessa natureza do fenômeno levou à corrida
aos profissionais de marketing que trouxeram aquelas
técnicas aplicadas ao consumo de produtos para esse
"produto" específico que se chama candidato, em uma
"venda" específica que se chama eleição. Venda e produto
entram aí, evidentemente, como metáforas. Nem o
candidato é um produto, nem a eleição é uma venda, mas
guarda-se uma certa analogia, um sentido metafórico
nisso.
Por que o marketing eleitoral se diferencia da política?
Porque, para o político, tudo começa e acaba na
política. Para nós, profissionais de marketing, tudo
começa e acaba no eleitor. Não estamos interessados no
candidato nem na política. Assim como o homem do
marketing de produtos está interessado no consumidor --
tudo começa e acaba no consumidor, ele é o centro do
sistema --, quando trago o marketing à eleição,
centro-me no eleitor e não no candidato. Não me
interessa a opinião do candidato, interessa-me a opinião
do eleitor. O candidato tem que se ajustar a ela, porque
o eleitor não vai se ajustar ao candidato.
Um dos axiomas do Marketing eleitoral é que se vota em
pessoas e não em partidos ou idéias. Os interesses
predominantes do eleitor são concretos e pragmáticos:
custo de vida, emprego, residência, transporte, escola,
assistência médico-hospitalar etc.. Em 30 anos de
pesquisa, nunca vi nenhum resultado que demonstrasse
qualquer interesse significativo por valores políticos
abstratos, como cidadania, representatividade ou
sistemas de governo.
O eleitor de massa não é politizado. Para ele, o fato
político está quase sempre situado abaixo dos 5% de
interesse. Esse eleitor maciço, popular e majoritário
tem da classe política o mais baixo conceito. Em
qualquer pesquisa sobre a visão des- sas pessoas, o
político sempre ocupa o último grau de consideração
pública. Grande parte do eleitorado ignora os partidos e
os programas, mistura as siglas e não identifica os
políticos com os partidos respectivos.
O MAIOR INIMIGO DO CANDIDATO É O POLÍTICO.
Em uma coisa, todas as pesquisas coincidem de forma
extraordinária: políticos são a classe mais
desacreditada, mais desprestigiada e mais desprezada
pelo povo brasileiro. Conotou com político, está "a
perigo"numa eleição. Trouxe aqui uma pesquisa recente em
que, numa série de categorias profissionais e sociais, a
mais baixa é o político. Noventa por cento da população
não confiam no político, "nem para chegar perto".
Portanto, o maior inimigo de um candidato é o político.
No mesmo sentido figurado em que se diz que "o maior
inimigo do empresário é o negociante". Claro que ele é
político, claro que ele atua como político, que ele es-
tá no jogo político; mas durante a eleição convém
minimizar esta condição.
Vimos em 1989 o sucesso "mercadológico" de Fernando
Collor, que fez exata- mente isso. Neto de político,
filho de político, cresceu numa família política, mas
sempre evitou salientar essa condição diante do
eleitorado. Afastou-se dos debates exatamente para isso:
porque quando ele comparece ao debate com os outros, ele
se torna igual a eles. Manteve-se afastado: eles lá e eu
aqui, ou seja, "eles, os políticos, eu não me misturo
com eles, não sou como eles".
É oportuno registrar que, depois de eleito, Collor
continuou a agir mercadológica e não politicamente. Esse
posicionamento equivocado levou-o ao desastre. Como
presidente, ele continuou (desnecessariamente)
candidato, o que confirma o aforismo.
FELIZ NA POLÍTICA, INFELIZ NA ELEIÇÃO.
Por tudo isso, as pessoas muito envolvidas na política,
ou altamente politizadas, nem sempre são as mais
capacitadas para entender os mecanismos do
processoeleitoral.
O homem de Marketing, com mais frieza e treinamento, vê
a eleição como ela realmente é -- um fato que não chega
a ser apolítico, mas que é só parcialmente político. Há
diferenças substanciais entre o processo político e o
processo eleitoral. Um político de sucesso pode ser um
fracasso eleitoral. Houve um exemplo disso na eleição
presidencial de 1989. Mário Covas foi advertido por sua
agên- cia, porque tinha caído do primeiro para o segundo
lugar nas pesquisas e estava indo para o terceiro.
Indignado, ele rebateu: "- As pesquisas estão erra-das!
Eu sou a maior liderança política do estado de São
Paulo!" Covas tinha razão política, mas não eleitoral.
Fato patético aconteceu com Ulysses Guimarães. Ele era
um líder incontestável, mas na mesma eleição de 89 teve
uma votação apenas um pouco maior do que a do Enéas.
Isso parece uma injustiça política, mas é de uma lógica
eleitoral coerente. Juracy Magalhães, Amaral Peixoto e
Negrão de Lima são exemplos de brasileiros que ocuparam
vários cargos de poder político relevante: foram
ministros, governadores e embaixadores em Washington,
mas tiveram atuação eleitoral bissexta e discreta.
Portanto, o político não depende tanto assim do
eleitoral. Podem ser campos relativamente separados.
ELEIÇÕES SÃO AS FÉRIAS DA POLÍTICA.
Façamos, agora, uma analogia entre a carreira política e
a de uma outra atividade profissional qualquer.
Na vida profissional, ao longo de 350 dias no ano,
trabalha-se um fato depois do outro, a fim de que esses
fatos cumulativos resultem em sucesso profissional. Nos
últimos 15 dias, tiramos férias. Não queremos, então,
nem pensar na nossa profissão. O político também exerce,
ao longo da sua vida política, os fatos políticos. Ele
acumula os fatos políticos, construindo a sua carreira.
Num certo momento dessa carreira -- a cada dois ou
quatro anos -- acontece uma eleição. Essa eleição, tal
como as férias, é o momento de não pensar em política.
Assim como tiram-se férias da profissão, também o
político tira férias da política. Eleições são as férias
da política. É o momento em que o candidato deve
"esquecer" a política, porque os interesses políticos
são, como veremos, minoritários na sociedade. As pessoas
interessam-se pouco pelo fato político.
Elysio Pires define: "- Política é tudo aquilo que você
faz entre duas eleições".
PERFIL DA ELEIÇÃO BRASILEIRA:
URBANA E POPULISTA.
É preciso conhecer preliminarmente a equação eleitoral
brasileira, que não é uma equação feliz. Temos 80% da
população em áreas metropolitanas altamente urbanizadas,
e apenas 20% ainda em áreas rurais. Temos, infelizmente,
uma população muito pobre. Os segmentos A e B
representam menos de 20% e todos os demais segmentos (C,
D e E) representam 80%, ou seja, a maioria da população
urbanizada é composta pelas camadas mais pobres. Essa
equação é matemática: a eleição majoritária no Brasil
resulta urbana e populista. A expressão populista tem um
significado específico na ciência política; melhor
chamá-la aquí de popular. O voto dos segmentos mais
baixos e mais pobres da população é que decide, porque
eles são os mais numerosos. Portanto, ou você agrada a
esses segmentos de baixo ou perde a eleição.
IDEOLOGIA, POLÍTICA E ELEIÇÃO.
TRÊS PROCESSOS DISTINTOS INTEGRADOS NUM SÓ.
É difícil compreender o Marketing eleitoral sem antes
perceber que nele coexistem três processos
diferenciados. O primeiro é o processo ideológico, campo
das idéias políticas subjetivas e com alto grau de
abstração. É conduzido principalmente por minorias
intelectualizadas, e por isso se diz que "ideologia não
rende voto". O segundo processo é o político, território
das ações objetivas, da luta pelo poder real, da troca
das vantagens efetivas. É um campo pragmático, muito
propí-cio ao desenvolvimento do clientelismo, da
fisiologia etc.. O terceiro processo é o eleitoral, que
é o campo da grande massa desinteressada pela política e
pela própria eleição. Ela só vota porque é obrigada; se
não o fosse, nem se daria ao trabalho de ir às urnas.
Os três processos, embora ocorram em superposição, são
intrinsecamente diferentes entre si. Portanto, convém
analisar um de cada vez: ideologia, política e eleição.
1. O PROCESSO IDEOLÓGICO.
O processo ideológico é o menos significativo do ponto
de vista eleitoral. Ele ocupa um espaço muito pequeno. O
que caracterizaria o processo ideológico? Ele é
eminentemente subjetivo, idealizado, se passa na mente.
É naturalmente intelectualizado, forçosamente elitizado,
necessariamente minoritário. Ou seja, ideologia tem uma
importância pequena na eleição, embora possa ser
importante na política.
A proposta ideológica se restringe aos segmentos mais
intelectualizados da sociedade. Ela tem um discurso
nítido para a elite. Para esse homem "ideologizado",
eleição é mudar o mundo, independentemente de que o
mundo queira ou não ser mudado, nem como.
Frequentemente, o processo ideológico apresenta
componentes autoritários.
2. O PROCESSO POLÍTICO.
O processo político propriamente dito é de extensão
social muito mais ampla. O que o caracteriza? Ele é
objetivo e não subjetivo, trata de coisas concretas.
Ele, portanto, é realista. Estamos falando da real
politik, da "política real". Ele é pragmático,
clientelista, fisiológico, ou seja, um processo de
trocas. Toda eleição é uma troca, uma troca material
simplória: "toma essa grana aí, vou fazer uma ponte para
você, botar uma bica na favela"; ou então trocas
maiores: "vou trabalhar pela melhoria salarial e
funcional dos professores", ou "vou garantir a
felicidade dos casais mal casados, através do divórcio",
como fez Nelson Carneiro. Ou seja, eu prometo algo e
recebo o voto em troca. Portanto, é um processo de
trocas, um tanto semelhante ao do marketing. O
consagrado "modelo"Philip Kotler constitui o paradigma
da categoria.
O processo político confunde-se com o fato político em
sí: há negociações, troca de interesses pessoais ou
corporativos, relativos à concretitude. É por isso que a
política propriamente dita é o habitat natural do
político profissional. Se para o "ideologizado" a
eleição é mudar o mundo, para o político eleição é
interesse -- a lei de Gérson em estado puro: -- que
vantagem eu levo nisso?
3. O PROCESSO ELEITORAL.
Num país como o nosso, onde o voto é obrigatório, o
processo eleitoral passa a ser o mais importante de
todos, já que quaisquer que sejam as suas idéias
políticas, por melhores que sejam suas intenções de
reformar o mundo e produzir a felicidade dos outros,
você nada consegue se não chegar ao poder. Em um país
democrático chega-se ao poder pela contagem inapelável,
aritmética, da urna: quem tem mais votos,quem tem menos
votos. Na urna cessam todas as discussões subjetivas.
Contam-se os votos: quem tiver mais é quem ganha e é
quem vai assumir o poder. O que caracteriza o processo
eleitoral? Ele se passa em nível simbólico, utilizando
palavras-chave, sinais etc. Ele é impulsivo, francamente
irracional, e atinge, freqüentemente, o nível do lúdico.
Portanto, se assemelha bastante ao processo de consumo.
Paradigma desse enfoque é a "fórmula Seguéla" para as
eleições presidenciais: "-- Um gesto, um sonho, uma
luta". O resto é supérfluo.
A IMPORTÂNCIA RELATIVA
DE CADA UM DOS TRÊS PROCESSOS
NO RESULTADO FINAL DAS URNAS.
As pesquisas mostram que, em média universal, o eleitor
ideologicamente condicionado contribui com 15% dos votos
na eleição típica. Alguns especialistas acham que este
número deve ficar abaixo dos 10%. O eleitor
politicamente orientado representa 35% dos votos. Assim,
podemos dizer que os votos com motivação
político-ideológica contribuem apenas com metade dos
votos na urna. A outra metade é trazida pela propaganda
eleitoral pura e "oligopolitizada".
Esses 50%, que são obrigados a ir à urna porque a lei
dita o voto obrigatório, vo-tam da maneira mais leviana
e apolítica possível. É aí que entra o marketing. Nós
atuamos mais nessa segunda metade do que na primeira.
Daí a impropriedade da expressão marketing político e a
absoluta propriedade de marketing eleitoral ,porque nós
priorizamos a faceta eleitoral do processo político, que
é uma faceta de fraca politização.
AS TRÊS "LEIS" FUNDAMENTAIS
DO PROCESSO ELEITORAL.
Se dermos aquí, à palavra "lei" um sentido relativo de
"alta frequência", mas não o sentido absoluto das leis
da física ou da matemática, podemos dizer que o processo
eleitoral é regido por três leis básicas:
- Da Indiferença;
- Da Procrastinação ou Adiamento Máximo;
- Da Efemeridade.
Vejamô-las, uma por vez.
1. "LEI" DA INDIFERENÇA.
A dez meses de qualquer eleição, mais ou menos 70% do
eleitorado está indiferente ao fato político.
Faltando 48 horas para uma eleição, esses indiferentes
ainda podem estar em torno de até 20%. Portanto, nós
vamos lidar sobretudo com os indiferentes. Ou seja,
administrar uma eleição é administrar o indiferente. O
marketing eleitoral é a administração da indiferença.
Os ingênuos e amadores podem dizer: "Mas é preciso
conscientizar o povo!". Podem explicar o que quiserem,
que o "povo" vai desligar a televisão, porque
sim-plesmente não está interessado no assunto. Educar o
eleitor é uma outra tarefa, muito mais complexa e que
demandaria longos prazos históricos. Trata-se de um
problema do chamado Marketing Social e não do Marketing
Eleitoral.
Em situação normal, temos uma minoria pró, uma minoria
contra,e a grande massa indiferente. O processo começa
pela exacerbação desses prós e desses contras. A eleição
avança, uma parcela deles vai se ampliando e os
indiferentes vão diminuindo, através de um
escalonamento: da indiferença à indefinição,da
indefinição à indecisão, da indecisão à simpatia e,
finalmente, a algum tipo de adesão. Jamais a uma adesão
muito entusiasmada, mas moderada. O que manda é o centro
moderado, que decide as eleições, e não os extremos
estridentes.
Os extremos nos impressionam porque gritam muito. Mas
cuidado! Eles significam pouca coisa, além de "som e
fúria". A Opinião Pública está no centro e ela repre-
senta a maioria, que é silenciosa. Só a pesquisa a
acessa e mede.
INDIFERENÇA. A PALAVRA NÃO É FORTE DEMAIS?
Hesitei muitos anos em usar a expressão indiferente,
perguntando-me se não seria melhor utilizar
desinteressado, indeciso, indefinido. Depois, com
Baudrillard, Gary Mauser, Maffesoli, Bourdieu e outros
autores estrangeiros usando o termo indiferente, eu
assumi a expressão. Mesmo quando -- e ainda que --
interessada nos fatos políticos do quotidiano, a maioria
das pessoas tende a lhes ser relativamente indiferente
e, consequentemente, muito mais imune aos seus efeitos
do que -- nós, os politizados -- gostamos de crer. Muniz
Sodré nos adverte que o cidadão comum percebe a política
como uma esfera metafísica em relação aos seus
interesses do cotidiano: ele tende a não acreditar que
ela possa mudar a sua vida. Para Maffesoli a indiferença
é a atitude que torna esse cidadão imune ao discurso
persuasivo dos políticos.
UM EXEMPLO CLÁSSICO DA INDIFERENÇA.
A tradição norte-americana do voto facultativo evidencia
que o eleitor, legalmente desobrigado de ir à urna, não
se interessa em votar (cerca de 50%). Até 1824, a
eleição americana não foi popular e, nem por isso, menos
democrática. Estamos falando de um dos berços da
Democracia moderna, onde se dispensou o voto univer-
sal, direto e obrigatório. Na infância desse sistema, o
voto foi seletivo e para sempre facultativo: apenas 6%
da população eram qualificados como eleitores e só 3%
compareciam às urnas. Para a Presidência ele continua
indireto até hoje.
O voto popular só veio em 1828. Antes disso, em vários
estados não podiam votar católicos, judeus e negros
libertos. Só anglo-saxões protestantes -- e
proprietários de, no mínimo (conforme o estado), 50
acres de terra, ou 25 acres, com casa construída de 12
pés quadrados, ou bens no valor de 40 libras etc. Não se
tratava de discriminação social, mas da defesa de um
conceito de democracia: o de que só tinha direito a voto
o cidadão com "evidente interesse pela comunidade". As
mulheres, essas tiveram que esperar pelo Século XIX para
poder ir às urnas (1869) e o Século XX para a primeira
delas ser eleita (1916).
Quando começou o voto popular americano, só 3,4% da
população votavam. As décadas foram passando e a
participação foi crescendo, mas mantendo-se em torno dos
50% do eleitorado: o récorde absoluto pertenceu à
eleição Kennedy x Nixon, em 1960: 62,8%. Já em 1996, na
eleição de Clinton, voltou a 49%.
Como o voto nos Estados Unidos nunca foi obrigatório,
metade do eleitorado não comparece às urnas por
indiferença ao processo. São os nossos 50%. Como aqui
esses 50% são legalmente obrigados a comparecer,
simplesmente temos que atuar sobre eles com recursos
mercadológicos. Estão compreendendo como o marketing
chega à eleição de uma forma lógica e como é relativa a
expressão manipulação? Cesse-se o voto obrigatório e, aí
sim, cairemos num tipo de eleição mais politizada e o
marketing terá sua importância reavaliada.
INDIFERENÇA NA ELEIÇÃO. ALGUNS EXEMPLOS TÍPICOS NO
BRASIL.
EXEMPLO 1: PRINCIPAIS PROBLEMAS DA POPULAÇÃO.
Na sua opinião, quais os problemas que mais o afligem
nesse momento? Pois saibam que, de acordo com o IBOPE, a
população aponta: desemprego, 71%; segurança, 57%;
saúde, 40%; alimentação, 37%; instrução, 16%; limpeza
pública, 15,6%; transporte, 11%; poluição, 10%; esgoto,
8,8%; iluminação pública, 7%; água, 3,8%; lazer, 3,6%,
já estamos em 3,6%. Onde está a democracia? Onde está a
liberdade? Onde estão os direitos humanos? Onde está a
cidadania? Onde estão os valores políticos que nós,
privilegiados, tanto prezamos e aos quais damos tanta
importância? Estão presentes na alma popular? Não. O
povo tem um baixo interesse por essas abstrações.
EXEMPLO 2: A ABERTURA E O FIM DOS GOVERNOS MILITARES.
Quinze de outubro de 1981. O momento em que os governos
militares cessam o regime fechado e vem a grande
abertura. Como nós, politizados,ficamos felizes com
isso, como vibramos, como entendemos que a nação tinha
chegado a um grande momento político. É? Vejamos: a
favor da abertura política, 52%; contra, 7%; os de- mais
41% "nunca ouviram falar" em abertura, tanto fazia se
abrisse ou fechasse.
Se eu tenho ônibus na esquina, o meu salário em dia, a
comidinha garantida e a criança na escola, eu quero que
a abertura ou o fechamento se danem, literalmente. Claro
que se nos projetamos nas classes socioeconômicas, as
coisas ganham outro sentido. Mesmo assim, na classe A,
5% "nunca ouviram falar" em abertura. Na classe B, esse
índice aumenta para 21%; na classe C, 34%; na D, 62%; e
na E, 81%. Estão sentindo porque a eleição brasileira é
urbana e populista? Porque lá embaixo os fatores
políticos influenciam pouco.
EXEMPLO 3: CONSTITUINTE E OUTROS TEMAS.
Jornal do Brasil, uma pesquisa Gerp. Constituinte. Nunca
ouviram falar em Constituinte, 29,8%; pacto político,
59%; eleição em dois turnos, 65%. Qualquer um desses
assuntos nos entusiasmou. Qualquer um desses assuntos
nos fez vibrar, mas pouco disse à massa da população.
Nós, aqui reunidos, não somos uma amostra representativa
do Brasil. Não somos representativos da massa
brasileira. Somos uma elite. Vocês todos, sobretudo
alunos, têm que ter consciência de que são elite, elite,
elite, elite. O que vocês pensam, sentem e vêem, não é o
que o povo brasileiro pensa, sente e vê. Esse realismo
específico do homem de marketing tem um certo componente
chocante.
EXEMPLO 4: A ANISTIA NO GOVERNO FIGUEIREDO.
Muito chocados? Vejam aqui, na nossa querida e famosa
anistia. No dia em que o presidente João Baptista
Figueiredo decretou a anistia tivemos a seguinte
configuração: não deve ser concedida -- os radicais com
8%; deve ser concedida de um modo amplo, total e
irrestrito -- outro tipo de radicais, do lado oposto,
com 18%; e concedida com restrições -- com relação a
atos de violência, morte e corrupção -- 62%. Ali está a
opinião pública. Moderada, cautelosa, mediana. O grande
centro dessa curva gaussiana: a famosa "maioria
silenciosa", omissa, que não se manifesta em voz alta.
"O meio fala baixo", disse Mitterrand. Esta opinião
pública só tem um instrumento para ser medida por nós
que atuamos na eleição: chama-se pesquisa.
A opinião pública está pouco presente nos veículos de
massa, que são representativos apenas da sua audiência
principal, necessariamente segmentada e, por isso,
restrita. Os mídia são projetivos da opinião própria
dessas audiências particulares. A opinião pública é
silenciosa, oculta -- só a pesquisa pode descobri-la.
EXEMPLO 5: FHC E JÂNIO DISPUTAM A PREFEITURA DE S.PAULO.
A eleição é a administração da indiferença e lhes dou
aqui um exemplo perfeito: Eleições de 85 para a
Prefeitura de São Paulo: Fernando Henrique Cardoso e
Jânio Quadros. Ambos aparecem lá em cima, empatados, em
torno de 30%. Quando uma eleição se configura com os
dois primeiros com 30%, ela se apresenta,
estatisticamente, no melhor estágio de leitura e
percepção dos seus mecanismos. Quando um contendor está
muito à frente, esses mecanismos ficam obscurecidos. Mas
quando é 30% a 30%, o processo se revela com nitidez nos
gráficos. Às vésperas da eleição, a diferença entre os
dois é pouco menos de 3%. Eduardo Suplicy vem subindo de
5%, atingindo até 16%. Entram, no dia 27 de outubro,
17,5% de indiferentes. Vejam que a diferença entre os
dois primeiros é de 3%, então existem 6 vezes mais
pessoas não resolvidas na véspera da eleição. Quem vai
resolver? Os 17%, que são os indiferentes. Estão
entendendo por que nós administramos as indiferenças? Aí
você acusa o instituto de pesquisa: "Ah, mas os
institutos erraram!" Eles não podem prever, isso é
imprevisível. Ninguém sabe para onde vão aqueles 17%.
Você só vai saber na boca-de-urna, na pesquisa feita
minutos antes de o eleitor depositar o voto, mas aí não
adianta mais nada. No que se refere a essa eleição, os
três institutos coincidem: o número de indiferentes é
sempre cinco a seis vezes maior que a diferença entre os
dois primeiros candidatos.
EXEMPLO 6: NUNCA SUBESTIME UMA ANEDOTA...
Etimologicamente, a palavra anedota vem do grego ana (de
baixo pra cima) e do latim doctu (sabedoria): a sabedoia
que vem de baixo, que vem do povo.
Um líder da maioria dos deputados na Assembléia
Legislativa do Rio de Janeiro me diz o seguinte: "Tenho
três níveis de politização do meu eleitorado: para o não
politizado, prometo consertar a calçada. Evidentemente
existe um nível superior, para quem eu prometo
pavimentar a rua. Acima deste está o francamente
politizado, e para esse eu ponho luz na rua. Agora, não
saia da rua dele que você vai perder voto". É claro que
isso é uma caricatura, mas diz uma verdade que J.Moacir
de Medeiros enuncia nesta escala: o eleitor primeiro
prioriza a casa dele, e depois a rua, o bairro, a cidade
e o estado. O país sempre é algo mais distante dele. Por
isso, considero que o Marketing eleitoral se traduz
exatamente nisso: na administração da indiferença.
Indiferença por tudo aquilo que não for mais concreto,
mais próximo, mais imediato.
INFLUÊNCIA PROVÁVEL DO VOTO FACULTATIVO E DO VOTO
DISTRITAL.
Por tudo isso, acredito que o voto facultativo será
fator relevante na mudança do papel do Marketing
eleitoral de hoje. Os publicitários não terão mais essa
mesma atual intervenção no processo eleitoral, que
considero civicamente duvidosa na medida em que se
dirige a um eleitor indiferente que é obrigado a votar.
O voto distrital seria um outro fator que aproximaria os
candidatos proporcionais do seu eleitorado. Como o
eleitorado seria limitado ao distrito, a propaganda
seria menos decisiva e o candidato teria que buscar seu
voto pessoalmente, face a face com o seu eleitor.
2. "LEI" DA PROCRASTINAÇÃO OU DO ADIAMENTO MÁXIMO.
Tudo o que é desagradável, a gente deixa para amanhã...
Quando é mesmo que a gente faz a matrícula? É um mês
antes ou na véspera? Quando é que a gente faz a loteria
esportiva? No dia. Quando é que a gente declara o
imposto de renda? Não no dia, porque a gente sabe que
vai ser prorrogado mesmo... É no último dia da
prorrogação. A eleição também está sujeita a isso.
Eleições são decididas na reta final, nos últimos 60 a
30 dias.
O interesse da massa pelo processo eleitoral só se
intensifica no período final. É por isso que a
boca-de-urna cresce cada vez mais de importância, na
medida em que as decisões tendem para os últimos dias. A
eleição de Erundina para a prefeitura de São Paulo em
1988 foi bem típica nesse particular: 22% dos seus votos
fo- ram obtidos nas últimas 48 horas.
A eleição de 82 para governador no Rio de Janeiro é
bastante característica. Sandra Cavalcanti abriu com
alta pontuação. No mês de junho, Leonel Brizola e
Moreira Franco estavam lá embaixo. Aqueles favoritos de
primeira hora despencaram completamente e a eleição
mesmo começou em julho, exatamente 60 dias antes. Meu
querido amigo Wagner Teixeira, que orientava Brizola, se
é que alguém orienta o engenheiro, procurou-o em março e
ele disse: "Quando faltarem dois meses você me procura,
que a gente discute esta campanha". Muito experiente,
ele sabia que era cedo para se preocupar com isso.
Um exemplo clássico brasileiro, de última hora, é a
eleição em que Negrão de Lima derrotou Flexa Ribeiro,
candidato de Carlos Lacerda. Negrão aparece 15 dias
antes e ganha a eleição com 15 dias apenas. Portanto, na
reta final, Flexa cai e Negrão ascende rapidamente.
Outro exemplo ilustrativo é a vitória de Quércia sobre
Ermírio, pelo governo de São Paulo, em 1986.
3. "LEI "DA EFEMERIDADE.
A nossa saudosa mestra Prof. Lucia Reis ensinava: "--
Eleitores são como criancinhas: hipervigis e
hipotenazes".
Nossa massa votante tende a se comportar como as
crianças pequeninas, que se interessam vivamente pelo
brinquedo novo, mas que se cansam muito depressa dele e
logo passam a interessar-se por outro. Portanto, os
políticos não devem esperar muita fidelidade do seu
eleitorado. Devem encarar a realidade de que seu
eleitorado tende à inconstância, à efemeridade e à
infidelização.
O grande vitorioso de uma eleição, com 60% dos votos,
pode ser um fracassado na eleição seguinte. A
preferência do eleitor médio tende a uma efemeridade
crescente. Por isso, o timing -- a consciência do tempo
oportuno -- é um fator essencial na estratégia
eleitoral.
Um notável exemplo brasileiro: o Plano Cruzado de
Sarney.
A popularidade de José Sarney, em maio de 85, estava em
13%. Em janeiro de 86, -36%; odiado, derrotado, ninguém
mais ama Sarney. Apenas três meses depois, em março de
86, o Plano Cruzado. Esse homem que contava com -36%,
passa a 68%. Em dezembro de 86, ele volta a ser odiado
com -22%. Em poucos meses foi do fundo do poço às
glórias e às alturas. O que determinou isto? Vamos pegar
a curva da inflação. O ponto de partida, com a inflação
em 7,8%, sua popularidade está em 13%. A inflação sobe e
atinge 17,8% e a popularidade dele cai a -36%. Com o
Plano Cruzado, a inflação cai a -1%, sua popularidade
sobe a 68%. O Plano Cruzado corresponde aos índices, a
inflação torna a subir para 7% e ele já cai a 22%.
Reparem a exatidão aritmética com que a inflação sobe e
a popularidade cai: a inflação cai e a popularidade
sobe. Vocês têm -- agora -- alguma dúvida da eficácia do
Plano Real? Estão entendendo a sofisticação eleitoral do
Plano Real? Ele teve fundamentação histórica. Sabemos
como a população se comporta no Plano Real, porque o
quadro se repete com exatidão, geração após geração:
economia estável, população contente, Presidente forte.
Trata-se de comportamentos huma- nos, acima de tudo, em
qualquer eleição, tempo e lugar.
UM EXEMPLO TÍPICO E CORRIQUEIRO:
CONVENÇÕES E ELEIÇÕES NOS ESTADOS UNIDOS.
A eleição Ronald Reagan x Jimmy Carter. Antes da
Convenção Republicana, Reagan está em baixo; entra a
Convenção Republicana, Reagan sobe e Carter cai. Vem a
Convenção Democrata. Carter sobe e Reagan cai. Portanto,
políticos não devem afligir-se com subidas e descidas. A
movimentação político-eleitoral é uma montanha-russa.
Não fiquem aflitos porque o candidato está decaindo, nem
fiquem muito eufóricos quando o candidato está subindo.
Eleição é isso mesmo, sobe e desce, sobe e desce.
ELEMENTOS DA TEORIA DOS CICLOS.
Candidatos, situações e temas são efêmeros, duram pouco.
Eles têm uma curva de crescimento, apogeu e decadência
muito rápida. Os ciclos de interesse não se superpõem:
em cada momento eleitoral há um ciclo dominante. Agora,
o assunto violência é o predominante. Emprego aparece um
pouco, saúde também, mas a violência domina e as pessoas
estão encantadas com a hipótese de intervenção do
Exército na favela, achando que essa é a solução. Cada
ciclo ocupa um momento. Só há um interesse dominante em
cada ciclo. Através da pesquisa, temos que informar ao
nosso candidato a posição em que se encontra o ciclo de
interesse, e ele tem que trabalhar naquele ciclo no
momento exato. Trabalhar num ciclo, num momento em que
não há interesse, é uma "furada". Estamos vendo agora:
as pessoas estão ciclicamente interessadas e confiantes
no Plano Real. Toda e qualquer manifestação contrária ao
plano será fatal. No momento, as pessoas acham que o
Plano Real é o maior. Se é ou não é, não nos cabe
discutir. O que interessa é que o sentimento
predominante no momento é esse.
Ciclos de interesse são autônomos, nascem por si mesmos.
Ninguém domina um ciclo de interesse. Eles são gerados
por circunstâncias sociais, econômicas e históricas.
Todos os candidatos vão prometer agora acabar com a
violência, em todos os níveis. É possível prever que,
até 15 de setembro, estará estabelecida, tal como nas
eleições anteriores, a redução da ansiedade em relação à
violência. Reduzida essa ansiedade, uma outra ansiedade
logo virá à tona: talvez saúde, talvez desemprego,
talvez uma outra coisa. Os candidatos devem ser bem
orientados, devem ingressar nesses ciclos nos momentos
em que estão em ascensão, abandoná-los antes que comecem
a decair e substituí-los logo pelo ciclo vindouro. De
pouco adianta você continuar falando num assunto para o
qual deixou de haver -- ou não há ainda -- receptividade
espontânea.
CONCEITO DE "ENCOMENDA SOCIAL".
Repito: à revelia da predisposição, nenhuma manipulação
prospera. Nós trabalhamos nas predisposições, nas
emergências do novo, ou seja, no ramo da "encomenda
social". A sociedade faz a sua "encomenda" de forma
inconsciente. As expectativas públicas se concentram
estatisticamente num fator dominante que nós medimos
pela pesquisa. E temos que atender àquele fator naquele
momento. Não atenda aos outros, porque os outros são
minoritários, as pessoas não estarão prestando atenção.
Os políticos sabem disso.
Vocês acham que teria cabimento lançar uma campanha
durante a Copa do Mundo? Claro que não. Porque o
interesse público estava concentrado na Copa do Mundo.
Os políticos, sabiamente, esperaram acabar a Copa para
entrar agora num novo ciclo de interesse eleitoral.
REJEIÇÃO E ANTI-VOTO
UM MODELO TÍPICO: REAGAN VS. CARTER.
É bom lembrar o antivoto ou voto negativo; não se vota
só a favor, vota-se contra também. Aí está de novo a
eleição Reagan/Carter. De cada 100 votos colocados na
urna com o nome de Reagan, apenas 46 foram dados por seu
mérito; 43 foram contra Carter. O mesmo ocorreu com
Carter. De cada 100 votos entregues a ele, 59 foram por
seus méritos, mas 34 foram contra Reagan. Em uma eleição
há sempre um tertius, e muita gente fica vaidosa quando
pensa que é esse tertius. Na realidade, ele é apenas o
homem para o qual confluem as rejeições aos outros dois.
No caso do Anderson, apenas 30% votaram nele por seus
méritos. Quem não gos- tava do Carter nem do Reagan,
votava no Anderson: 61%.
O PAPEL DO "TERTIUS": ROSS PEROT X OS OUTROS.
Nas eleições americanas de 94,12% votaram em Ross Perot
porque ele era coerente com seus objetivos; 24% porque
ele tinha condições de liderança; e 52% porque
detestavam todos os outros candidatos. Então, vejam que
os índices de rejeição têm uma importância crescente na
análise da pesquisa. Isto porque as pessoas, às vezes,
votam a favor de um candidato apenas para mostrar como
detestam o outro. Portanto, cuidado: não olhem apenas os
apoios. Um bom técnico se debruça muito nos índices de
rejeição e procura analisá-los profundamente.
A ELEIÇÃO, CADA VEZ MAIS, É UMA FESTA.
Há, hoje, elevada unanimidade empírica e teórica em que,
cada vez mais, as eleições integram-se no
entretenimento. As convenções partidárias
norte-americanas são o paradigma mais ilustrativo disso.
Autores renomados como DaMatta, Balandier e
Schwartzenberg têm discorrido sobre o tema.
Recentemente, Neal Gabler produziu um trabalho notável a
respeito. Kathleen H. Jamieson mostra "que sempre foi
assim" e nos dá 200 anos de exemplos históricos da
essência carnavalizante da eleição democrática.
A promoção eleitoral passa-se em nível análogo ao do
consumo de bens. Nela predominam o lúdico, o alegre, as
simpatias gratuitas, as rejeições intuitivas. A
propaganda eleitoral vende a idéia de que a eleição é
festa, "oba-oba".
(Cid Pacheco coloca a máscara do Super-Helinho e a
platéia ri). Vocês estão achando graça? Não achem graça,
eu não estou falando de uma brincadeira. Estou falando
de 1,3 milhões de votos. Como "Super-Helinho", Hélio
Ferraz teve a terceira colocação para senador do estado
do Rio. Seu programa básico era: "Ai como dói, neste
país, ser super-herói". Mais de um milhão de votos com
uma máscara e um slogan engraçado.
Cansei de ver em pesquisas qualitativas chefes de
família dizendo: "Vou votar no Super-Helinho, as
crianças lá em casa se amarram nele". Esse é um motivo
de voto. É dessse tipo de voto, que é majoritário, que
estamos falando aqui.
Isso me faz lembrar de outras figuras. (Cid coloca os
óculos coloridos da campanha de Fernando Collor à
presidência). Vocês acham graça? Milhares de eleitores
também acharam graça e votaram. O processo eleitoral é
isso: uma enorme brincadeira, uma festa, um "oba-oba",
pois é regido pelo princípio do prazer. Como a
propaganda comercial, propaganda eleitoral é bem
compreendida e bem realizada pelos publicitários dos
produtos de consumo. Mas geralmente é mal assimilada
pelo político tradicional e fracamente compreendida
pelos fortemente "ideologiza-dos".
EXEMPLOS E ADVERTÊNCIA: COMO UMA ELEIÇÃO DEMOCRÁTICA
PODE GERAR UMA DITADURA.
Eleições democráticas não são uma garantia de produção
de governos democráticos. Várias vezes, na História, o
voto livre e legítimo levou a regimes liberticidas. Ao
formular os princípios clássicos da Democracia, que
vieram a reger o exercício da Política na civilização
ocidental, Aristóteles já previra os desvios implícitos
da via democrática: a oligarquia, a demagogia -- e a
tirania.
Tiranos, demagogos, carismáticos, "iluminados" de vários
tipos, algumas vezes compreenderam, com acuidade, a
natureza essencial da eleição democrática e usaram-na
para a conquista eficaz do poder, derrotando oponentes
melhor intencionados mas incompetentes no jogo
eleitoral.
O Século XX, com as suas típicas e marcantes ditaduras
totalitárias, como tão bem Bertrand Russel o percebeu --
foi rico em exemplos de distorções do processo eleitoral
democrático. Do talento pervertido de Huey Long, nas
décadas de 20 e 30, na Louisiania, EE.UU., ao
caso-limite do gênio maligno de Adolf Hitler, a partir
da eleição democrática da República de Weimar, ficou
patente que a eleição moderna era "para profissionais".
A massificação dos eleitorados e da Mídia tornou as
eleições um processo de grande complexidade, exigindo o
domínio eficaz da nova "tecnologia eleitoral". Pesquisa,
análise, propaganda, logística etc. passaram a ser
campos de grande sofisticação, árduos para os leigos e
não-especialistas, e de baixa viabilidade para os que
neles pretendem entrar guiados apenas por pretendida
intuição "a sentimento".
São grandes, pois, os perigos inerentes aos processos
democráticos, quando, por falta de competência, não se
compreendem os mecanismos intrínsecos do processo
eleitoral. Portanto, a maior defesa da democracia, a
melhor defesa de nossas liberdades, é o que esta
Universidade faz, o que este seminário faz: a difusão
ampla das técnicas que regem esse tipo de procedimento.
Conhecendo-as é que estaremos de fato nos protegendo. Na
medida em que não as conhecemos, estaremos vulneráveis a
manipulações. Conhecendo-as, não. Saberemos
criticamente, exatamente, o que querem fazer conosco. E
vocês, juventude universitária, que têm a seu cargo o
futuro político do país, cada vez mais têm a obrigação
de conhecer estes mecanismos. Com coragem, com
maturidade. Papai Noel não existe; exceto, claro, para o
Albano Reis. E, evidentemente, não são as cegonhas que
trazem os bebês. Compreendendo essas duas realidades
elementares podemos, então, conversar sobre marketing
eleitoral. Como adultos maduros e realistas.
VOTO É MARKETING ... O RESTO É POLÍTICA.
Em 1992, para titular um livro editado por meu caro
amigo Rodolfo Grandi, criei este aforismo bem humorado,
que veio a ganhar notoriedade.
Mais tarde, minha amada e saudosa amiga Lucia Reis
acrescentou-lhe uma sábia interrogação: - Voto é
Marketing? -- que passou a designar a série de
seminários, de grande repercussão, realizados por ela
para o Numark, Núcleo de Marketing da ECO - Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
É por fatos como os aqui expostos que me inclino cada
vez mais a dar resposta à pergunta do nosso seminário.
No momento atual, acredito que sim, voto é Marketing.
Mas não pretendo impor nenhuma verdade definitiva.
Sempre que vejo alguém com alguma convicção muito
sólida, fico na dúvida se aquilo é sinal de elevado
caráter moral ou um sintoma incipiente de
arteroesclerose. Por isso, prefiro manter a pergunta:
voto é Marketing? A resposta será sempre dada pelo
eleitor. Nas urnas. O resto é política...
Fonte: Cid Pacheco e Marcelo Serpa - Consultores
Associados
Editores de www.cidpacheco.com.br e www.votohoje.com.br