Marca: O Conceito STRATEGOS e o Princípio de GAUSE da Exclusão Competitiva
Por Fred Tavares
22/08/2007
O que é uma Coca-Cola? É um refrigerante, sabor cola, de cor escura e
gaseificada. Além dos seus dotes de produto, ela também possui
características lingüísticas e psicológicas, que formam a composição
simbólica da marca e a diferencia das demais. Tudo é focalizado, construído
e posicionado na mente do mercado.
Só que Coca-Cola enquanto produto não representa a marca como um todo. As
marcas não são apenas físicas, mas, fundamentalmente, são psicolingüísticas,
e expressam uma promessa na mente dos consumidores. De valor agregado a
valor percebido, as marcas conquistam o mercado como entidades físicas e
perceptuais, funcionando como resposta psíquica aos desejos, e as fantasias
de um inconsciente coletivo.
“Uma marca é uma promessa e, no final, você tem de cumprí-la. Um produto é a
materialização da verdade de uma promessa. A Coca promete refrescar.”
(Dearlove; Crainer, 2000: XVIII).
A concepção da marca traz um conteúdo psíquico que Randazzo (1996) procura
relacionar através da idéia de que a marca “existe num espaço psicológico,
na mente do consumidor (...). A publicidade é o meio que nos permite ter
acesso à mente do consumidor” (Randazzo, 1996: 27). Para Randazzo (1996), a
marca funciona como um espelho de valores, refletindo o público e o seu
estilo de vida. Ela é uma portadora de projeções, facilitada por um
inventário perceptual de imagens, símbolos e sensações, que é criado pela
própria comunicação.
Dearlove e Crainer (2000) ratificam o conceito da idéia que a marca é
percepção e o que ela simboliza e representa na mente do mercado, é o seu
sentido “real'. “O tônico cerebral de John Pemberton é o produto, mas a
marca – Coca-Cola – representa muito mais” (Dearlove; Crainer, 2000: XVI).
“Coca-Cola é a coisa verdadeira”, diz o slogan da marca em 1970 ( ibid.:
24).
Em meio a uma infinidade de indústrias orientadas ao consumidor, as marcas
são um instrumento importante de diferenciar e de ganhar vantagem
competitiva. Uma marca para conquistar a confiança e ter sucesso precisa ser
fiel à sua estratégia. Não dá para mudar a marca, porque não se pode mudar o
seu posicionamento. A não ser que a empresa desista da marca.
Uma boa pista para entender esse olhar é através do conceito estratégico. A
palavra estratégia origina-se do grego strategos; general no comando das
tropas ou a “arte do general”. A empresa é como o general. Define uma
direção, um comando para atingir o seu objetivo. O alvo é o consumidor. Para
se lançar à guerra das marcas é preciso ir ao front primeiro para
investigar. O general hábil – a empresa competente - faz primeiro uma
análise estratégica para decidir o melhor foco a ser adotado. Pontos fortes
e fracos e oportunidades e ameaças precisam ser conhecidos antes de se
entrar na batalha.
Sun Tzu (Clavell, 2001) foi teleológico:
Um exército pode marchar grandes distâncias sem perigo, se o faz por uma
região onde o inimigo não esteja. Você poderá ter certeza do sucesso dos
seus ataques se executá-los apenas em lugares não defendidos. Poderá ter
certeza da segurança de suas defesas se mantiver posições que não possam ser
atacadas. Este general é capaz de ataques que o inimigo não saberá como
evitar; e capaz também na defesa, cujo oponente não saberá como atacar.
(Clavell, 2001: 38)
Dessa forma, a empresa deve construir uma marca que se diferencie das
demais, evite ataques diretos e não sofra flanqueamentos. Para isso, ele
deve sustentar-se na “filosofia do strategos” e na “arte do general Sun
Tzu”, a fim de conquistar a mente do cliente e vencer os concorrentes.
Um outro princípio pode ajudar-nos a refletir melhor sobre o papel das
marcas no mercado e na mente dos consumidores: o Princípio de Gause da
Exclusão Competitiva. Henderson (Montgomery; Porter, 1998: 3) sintetiza o
princípio: “duas espécies que conseguem seu sustento de maneira idêntica não
podem coexistir”.
Lembremos o Princípio de Gause: os competidores que conseguem seu sustento
de maneira idêntica não podem coexistir - a teoria se aplica tanto aos
negócios quanto à natureza. Cada marca precisa ser diferente o bastante para
possuir uma vantagem única. Ela deve ser singular na percepção do público.
A existência indefinida de uma variedade de competidores é uma demonstração
em si mesma de que as vantagens de cada um sobre os demais são mutuamente
exclusivas. Podem até parecer, mas no fundo são de espécies diferentes,
segundo Henderson.
Henderson (Montgomery; Porter, 1998) ainda salienta que a competição é tão
intensa que a rivalidade aproxima tanto os concorentes, que apenas a
percepção que sentem de um produto acaba sendo valiosa. E comenta: “Sem
dúvida alguma, a percepção é freqüentemente a única base de comparação entre
alternativas semelhantes. É por isso que a propaganda pode ser valiosa”
(ibid.: 5).
Para se manter uma estratégia robusta, o escopo da cadeia de valor deve ser
trabalhado de forma tão distinto, que pode ser uma base de vantagens
competitivas difícil de ser copiado, e assim sustentar a estratégia. “Seus
competidores mais perigosos são os que mais se parecem com você. As
diferenças entre você e seus competidores são a base da sua vantagem”
(ibid.: 5).
A estratégia deve estar formulada na diferenciação, conforme expusemos ao
longo deste trabalho. Uma marca deve ser concebida, construída e
posicionada, olhando inicialmente o mercado (e as mentes com as quais se irá
trabalhar) com o objetivo de definir um foco diferenciado e estreito para
ter chances de ser percebido com singularidade.
Assim, poderíamos dizer que, segundo o Princípio de Gause da Exclusão
Competitiva, duas marcas com o mesmo posicionamento estratégico não podem
ocupar o mesmo espaço na mente do cliente em perspectiva. Uma delas não vai
“sobreviver”. É difícil para uma segunda marca no mercado, que tenha adotado
o mesmo foco da primeira (que já está posicionada na mente do mercado)
ocupar uma posição destacada na lembrança do cliente e alcançar a liderança
no mercado.
Ries (1993) recomenda que as marcas sigam à risca os “espíritos de Gause e
do strategos” a fim de alcançarem o sucesso na sua jornada pelo mercado: as
leis de marketing, os princípios axiomáticos, que em muito se parecem com a
teoria de Gause sobre a Exclusão Competitiva, além do conceito strategos
como vimos.
LEIS DE MARKETING AFINADAS COM O CONCEITO STRATEGOS E O PRINCÍPIO DE GAUSE
Leis da Liderança É melhor ser o primeiro que ser o melhor.
Lei da Categoria Se não puder ser o primeiro em uma categoria, estabeleça
uma nova categoria em que seja o primeiro.
Lei da Mente É melhor ser o primeiro na mente do que o primeiro no mercado.
Lei da Percepção O marketing não é uma batalha de produtos, é uma batalha de
percepção.
Lei do Foco Em marketing, o mais poderoso conceito é representar uma palavra
na mente.
Lei da Exclusividade Duas empresas não podem representar a mesma palavra na
mente.
Lei da Singularidade Em cada situação, apenas um único movimento produz
resultados substanciais.
Lei da Extensão de Linha Há uma pressão irresistível para estender o
patrimônio líquido da marca.
Lei do Sacrifício A fim de conquistar alguma coisa é preciso desistir de
alguma coisa (trade-off).
Lei da Imprevisibilidade Sem prever os planos do concorrente, é impossível
prever o futuro.
Fonte: RIES, Al. As 22 consagradas leis do marketing. São Paulo: Makron
Books, 1993.
As leis da liderança, da categoria, da mente, da percepção, do foco, da
exclusividade, da singularidade, da extensão de linha, do sacrifício, da
imprevisibilidade, são as que melhor representam o conceito strategos e o
Princípio de Gause da Exclusão Competitiva. Elas reforçam as teorias de
posicionamento estratégico de mercado e a de cadeia de valor, salientadas
por Porter (1999), e, ao mesmo tempo, ressaltam a importância da mente do
público-alvo no jogo estratégico e tático.
Pioneira, sinônimo de cola, tornou-se até uma marca genérica por ser tão
conhecida, emprestando seu nome à própria categoria. Arrebatou mentes,
usando com emoção o seu apelo de marca, desde o início, para persuadir
(“Beba Coca-Cola”), transformar-se em algo inimitável (the real thing) e
chegar a ser eterna (“Sempre Coca-Cola”). Na mente, nos desejos e nas
fantasias de todo o mundo. O seu slogan, no Brasil, atualmente, “Curta
Coca-Cola: Gostoso é viver”, reflete muito bem a sua brand strategy; pois
mantém-se coerente e constante. Resume que para sermos eternos, as nossas
vidas precisam do seu espírito de juventude, que refresca as nossas mentes,
e sublima as dores, as perdas em nossas almas. Dá esperança ... a essência
de viver. Porque Coca-Cola nos dá prazer de viver, hoje e sempre.
A humildade nunca foi uma preocupação da Coca-Cola. Um de seus folhetos
dizia: “um bilhão de anos atrás, a vida humana aparecia na Terra. Um bilhão
de minutos atrás, o cristianismo emergiu. Um bilhão de segundos atrás, os
Beatles se apresentaram no Ed Sullivan Show. Um bilhão de Coca-Colas atrás,
era ontem de manhã.” Não havia nenhuma ironia pós-moderna nisso. (Dearlove;
Crainer, 2000: 21)
No mundo ou fora dele, a presunção coletiva sempre foi a sua marca: “De
fato, mais tarde ela atingiu os céus – ao voltarem da Lua, os astronautas as
Apollo foram recebidos com um cartaz onde se lia “Bem-vindos à Terra, o lar
da Coca-Cola”. O planeta se curva a ela” (Dearlove; Crainer, 2000: 21).
A Coca-Cola é única (Princípio de Gause). Fiel ao seu foco (strategos),
incansável para assegurar o seu marketingmind brand positioning. Errou
quando tentou “copiar a Pepsi”; transgrediu a lei da percepção:
Alguns executivos dos refrigerantes acreditam que o marketing é uma batalha
de paladares. Bem, a New Coke é a no 1 em paladar. A Coca-Cola Company
realizou 200.000 testes de paladar que “provaram” ter a New Coke gosto
melhor do que a Pepsi-Cola e que a Pepsi é mais gostosa que a fórmula
original da Coca-Cola, agora chamada de Coca-Cola Classic. (Ries, 1993: 17)
Quem está vencendo a batalha? Coca-Cola (Classic), New Coke ou Pepsi?
Segundo Ries, a líder de sempre.
A New Coke, que a pesquisa mostrou ter o melhor sabor, está em terceiro
lugar. A Coca-Cola Classic, que a empresa mostrou ter o pior sabor, está em
primeiro lugar. As pessoas acreditam naquilo que querem acreditar (...) o
mercado de refrigerantes é uma batalha de percepções, não de sabor. (ibid.:
17)
Fábricas modernas, exemplos de produção, logística, caminhões, propaganda,
tudo é mágico “dentro” e “fora”. A marca é tudo isso. É um léxico de
contigüidade neural, como já mencionado.
Posicionamento estratégico, vantagens competitivas sustentáveis, escopo da
cadeia de valor, marketing, mente e marca são o conjunto que a empresa deve
administrar.
A Coca-Cola fará tudo para ser a no 1 na mente de todos. Essa é a sua
estratégia.
Concluindo, segundo Kotler (1999), Ries (2000) e Nobrega (2001), a marca
deve forjar a sua escolha estratégica orientada pelo marketingmind approach.
Isto é, tanto o seu posicionamento estratégico quanto as vantagens
competitivas sustentáveis devem ser administradas sob essa abordagem.
Identidade e imagem de marca precisam estar sincronizadas. Tanto “fora”
quanto “dentro”, a marca é uma só. A missão é a marca; a marca é a missão.
A decisão de um marketingmind brand positioning (posicionamento da marca na
mente e no mercado), depende da análise que se faz do léxico: estratégia,
marketing, marca e mente dentro de um cenário competitivo. É uma opção que
não se pode mudar, depois de fixada. Para vencer a competição, a marca deve
ser fiel à estratégia com muita criatividade.