Miopia em Marketing
Theodore Levitt
Julho/1960
Todo setor de atividade importante já foi em alguma ocasião um “setor de rápida expansão”. Alguns setores que agora atravessam uma onda de entusiasmo expansionista estão, contudo, sob a ameaça da decadência. Outros, tidos como setores de rápida expansão em fase de amadurecimento, na realidade pararam de crescer. Em todos os casos, a razão pela qual o desenvolvimento é ameaçado, retardado ou detido não é porque o mercado está saturado. É porque houve uma falha administrativa.
PROPÓSITOS FATÍDICOS
A falha está na cúpula. Os diretores responsáveis por ela são, em última análise, aqueles que se ocupam das metas e diretrizes de maior amplitude. Assim:
• As estradas de
ferro não pararam de desenvolver-se
porque se reduziu a necessidade de
transporte de passageiros e carga. Isso
aumentou. As ferrovias estão
presentemente em dificuldades não porque
essa necessidade passou a ser atendida
por outros (automóveis, caminhões,
aviões e até telefones), mas sim porque
não foi atendida pelas próprias estradas
de ferro. Elas deixaram que outros lhes
tirassem seus clientes por se
considerarem empresas ferroviárias, em
vez de companhias de transporte. A razão
pela qual erraram na definição de seu
ramo foi estarem com o espírito voltado
para o setor ferroviário e não para o
setor de transportes; preocupavam-se com
o produto em vez de se preocuparem com o
cliente.
• Hollywood por pouco não foi totalmente
arrasada pela televisão. Todas as
antigas empresas cinematográficas
tiveram que passar por drástica
reorganização. Algumas simplesmente
desapareceram. Todas ficaram em
dificuldades não por causa da invasão da
TV, mas devido à sua própria miopia.
Como no caso das ferrovias, Hollywood
não soube definir corretamente seu ramo
de negócio. Julgava estar no setor
cinematográfico, quando na realidade seu
setor era o de entretenimento. “Cinema”
implicava um produto específico,
limitado. Isto produzia uma satisfação
ilusória, que desde o início levou os
produtores de filmes a encarar a
televisão como uma ameaça.
Hollywood desdenhou da televisão e
rejeitou-a, quando deveria tê-la
acolhido com agrado, como uma nova
oportunidade uma oportunidade de
expandir o setor do entretenimento.
Hoje a televisão representa um negócio
maior do que foi, em qualquer época, a
indústria cinematográfica, tacanhamente
definida. Se Hollywood se tivesse
preocupado com o cliente (fornecendo
entretenimento) e não com um produto
(fazendo filmes). Teria passado pelas
dificuldades financeiras pelas quais
passou? Duvido. O que no fim salvou
Hollywood e determinou seu recente
renascimento foi a onda de novos e
jovens roteiristas, produtores e
diretores, cujo êxito obtido
anteriormente na televisão liquidou as
velhas empresas cinematográficas e
derrubou seus grandes nomes.
Há outros exemplos menos patentes de
negócios que arriscaram ou arriscam
agora seu futuro por definirem
impropriamente seus objetivos. Mais
adiante discutirei detalhadamente alguns
deles e analisarei as diretrizes que
causaram os problemas. Por ora talvez
seja interessante mostrar o que uma
administração com o espírito totalmente
voltado para o cliente pode fazer para
manter em desenvolvimento um setor de
rápida expansão, mesmo depois de
esgotadas as oportunidades óbvias,
mediante a apresentação de dois exemplos
há muito conhecidos. São eles o nylon e
o vidro, representados especificamente
por E. I. DuPont de Nemours & Company e
Corning Glass Works.
Ambas as companhias são dotadas de
grande capacidade técnica. Sua
orientação para o produto é
indiscutível. Mas isto por si só não
explica seu sucesso. Afinal, quem é que,
orgulhosamente, tinha o espírito mais
voltado para o produto e com ele mais se
preocupava do que as antigas indústrias
têxteis da Nova Inglaterra, que foram
tão completamente massacradas? As
DuPonts e as Cornings foram bem
sucedidas sobretudo não por causa de sua
orientação para o produto e as pesquisas
mas porque também se preocuparam
intensamente com o cliente. É um
constante estado de alerta para
oportunidades de aplicar seu Know-how
técnico, na criação de usos capazes de
satisfazer às necessidades do cliente,
que explica a quantidade prodigiosa de
novos produtos que colocam com êxito no
mercado. Não fosse uma observação aguda
do cliente, estaria errada a escolha da
maior parte desses produtos, e nada
adiantando seus métodos de venda.
O alumínio também continua sendo um
setor de rápida expansão, graças aos
esforços envidados por duas companhias
fundadas no tempo da guerra e que se
lançaram, deliberadamente, à criação de
nos usos que satisfizessem às
necessidades do cliente. Sem a Kaiser
Aluminium & Chemical Corporation e a
Reynolds Metals Company, a atual demanda
de alumínio seria muitíssimo menor do
que é.
ERRO DE ANÁLISE
Alguns poderiam argumentar que é tolice
comparar o caso das estradas de ferro
com o alumínio ou o do cinema com o do
vidro. O alumínio e o vidro não são por
natureza tão versáteis que suas
respectivas indústrias têm forçosamente
de ter mais oportunidades de expansão do
que as estradas de ferro e o cinema?
Este ponto de vista leva exatamente ao
erro de que tenho falado. Ele define uma
indústria ou um produto ou uma soma de
conhecimento de forma tão tacanha que
acaba determinando seu envelhecimento
prematuro. Quando falamos de “estradas
de ferro” devemos estar certos de que na
verdade nos referimos a “transportes”.
Como transportadoras, as ferrovias ainda
têm muita possibilidade de substancial
desenvolvimento. Não ficam assim
limitadas ao setor ferroviário (muito
embora, em minha opinião, o trem seja
potencialmente, um meio de transporte
muito mais importante do que em geral se
acredita).
O que falta às estradas de ferro não é
oportunidade, mas sim um pouco de
engenhosidade e audácia administrativa
que as engrandeceram. Até um amador como
Jacques Barzum é capaz de ver o que está
faltando!
“Dói-me ver a organização material e
social mais avançada do século passado
afundar em ignominioso desprestígio por
falta de ampla imaginação que a
construiu. O que está faltando é a
vontade das companhias de sobreviver e
de atender ao público com engenhosidade
e habilidade.”
AMEAÇA DE OBSOLESCÊNCIA
É impossível mencionar-se um único setor
industrial de importância que em alguma
época não tenha merecido a designação
mágica de “setor de rápida expansão”. Em
todos os casos, a força de que o setor
estava dotado residia na superioridade
inigualável de seu produto. Parecia nada
haver que o substituísse efetivamente.
Ele mesmo era um substituto bem superior
do produto cujo lugar no mercado havia
vitoriosamente ocupado. Contudo, uma
após outra, todas essa famosas
indústrias passaram a ser alvo de uma
ameaça. Examinemos rapidamente algumas
delas escolhendo desta vez exemplos que
até o momento têm recebido pouca
atenção:
• Lavagem a seco : Foi outrora um setor
de rápida expansão que oferecia as mais
animadoras perspectivas. Numa época em
que se usava muita roupa de lã, imagine
o que foi a possibilidade de, afinal,
lavá-la com segurança a facilidade. Foi
um verdadeiro “estouro”. No entanto,
passados trinta anos desse “estouro”, a
indústria da lavagem a seco se encontra
em dificuldade. De onde veia a
concorrência? De um método de lavagem
melhor? Não. Veio das fibras sintéticas
e dos aditivos químicos, que fizeram
diminuir a necessidade de se recorrer à
lavagem a seco. Mas não é só isso. Uma
mágica poderosa “o ultrassom” espreita
os acontecimentos, pronta para tornar a
lavagem química a seco totalmente
obsoleta.
• Energia elétrica: É outro produto
supostamente “sem sucedâneo” coloca num
pedestal de irresistível expansão.
Quando apareceu a lâmpada incandescente,
acabaram os lampiões a querosene. Depois
a roda de água e a máquina a vapor foram
reduzidas a trapos pela flexibilidade,
eficiência, simplicidade e a própria
facilidade de se construírem motores
elétricos. As empresas de energia
elétrica continuam nadando em
prosperidade, enquanto os lares se
transformam em verdadeiros museus de
engenhocas movidas a eletricidade. Como
se pode errar investindo nessas
empresas, que não têm pela frente
concorrência nem nada, a não ser sua
própria expansão? Mas, examinando-se
melhor a situação, a impressão que se
tem não é tão agradável. Cerca de vinte
companhias de natureza diversa estão bem
adiantadas na construção de uma potente
pilha química, que poderia ficar num
armário escondido em cada casa, emitindo
silenciosamente energia elétrica. Os
fios elétricos que tornam vulgares
tantas partes da cidade serão
eliminados. Como o serão também os
intermináveis esburacamentos das ruas e
as faltas de luz quando há tempestades.
Assoma igualmente no horizonte a energia
solar, campo que da mesma forma vem
sendo desbravado por empresas diversas
daquelas que atualmente fornecem energia
elétrica.
Quem diz que as companhias de luz e
força não têm concorrências? Talvez
representem hoje monopólios naturais;
mas amanhã talvez sofram morte natural.
Para evitar que isto aconteça, elas
também terão de criar pilhas e meios de
aproveitar a energia solar e outras
fontes de energia. Para poderem
sobreviver, elas próprias terão de
tramar a obsolescência daquilo que agora
é seu ganha pão.
• Mercearias: Muita gente acha difícil
acreditar que já houve um negócio
florescente conhecido pelo nome de
“armazém da esquina”. O supermercado
tomou seu lugar com poderosa eficiência.
Contudo, as grandes cadeias de
mercearias da década de 1930 escaparam
por um triz de serem completamente
destruídas pela expansão agressiva dos
supermercados autônomos. O primeiro
supermercado autêntico foi inaugurado em
1930 na localidade de Jamaica, em Long
Island (subúrbio de Nova York). Já em
1933 os supermercados floresciam na
Califórnia. Ohio e Pensilvânia. As
antigas cadeias de mercearias, porém,
arrogantemente os ignoravam. Quando
decidiram tomar conhecimento deles,
fizeram-no com expressões de escárnio,
tais como “mixaria”, “coisas do tempo do
onça”, “vendinhas do interior” e
“oportunistas sem ética”.
O diretor de uma das grandes cadeias
declarou, em certa ocasião, que achava
“difícil acreditar que as pessoas
percorram quilômetros em seus automóveis
para comprar gêneros alimentícios,
sacrificando o serviço pessoal que as
cadeias aperfeiçoaram e aos quais a Sra.
Consumidora estava acostumada”. Em 1936,
os participantes da Convenção Nacional
de Atacadistas de Secos e Molhados e a
Associação de Merceeiros de Nova Jersey
ainda afirmavam que nada havia a temer.
Disseram então que o apelo mesquinho dos
supermercados ao comprador interessado
no preço limitava a expansão do seu
mercado. Eles tinham de ir procurar seus
fregueses num raio de vários quilômetros
em torno de suas lojas. Quando
aparecessem os imitadores, haveria
liquidações por atacado, à medida que
caísse o movimento. O grande volume de
vendas dos supermercados era atribuído
em parte à novidade que representavam.
Basicamente, o povo queria mercearias
localizadas a pequenas distâncias. Se as
lojas do bairro “cooperassem com seus
fornecedores prestassem atenção às
despesas e melhorassem o serviço”,
teriam sido capazes de agüentar a
concorrência até que ela desaparecesse.
Não desapareceu nunca. As cadeias
descobriram que para sobreviver tinham
de entrar no negócio de supermercados.
Isso significa a destruição em massa de
seus enormes investimentos em pontos de
esquina e dos sistemas adotados de
distribuição e comercialização. As
empresas com “a coragem de suas
convicções” mantiveram resolutamente a
filosofia da mercearia da esquina.
Ficaram com seu orgulho, mas perderam a
camisa.
CICLO AUTO-ILUSÓRIO
Mas a memória é curta. Para as pessoas
que hoje, confiantemente, saúdam os
messias gêmeos da eletrônica e da
indústria química, é difícil, por
exemplo, imaginar que esses dois setores
de desenvolvimento “galopante” poderão
ir mal. Provavelmente tampouco poderiam
imaginar como um homem de negócios
razoavelmente sensato poderia ter sido
tão míope como foi o famoso milionário
de Boston que, inadvertidamente, há
cinqüenta anos, condenou seus herdeiros
à pobreza ao determinar que todo o seu
dinheiro fosse sempre aplicado
exclusivamente em títulos das companhias
de bondes elétricos. Sua afirmação
póstuma de que “sempre haverá uma grande
demanda para transportes urbanos
eficientes” não serve de consolo para
seus herdeiros, que ganham a vida
enchendo tanques de gasolina em postos
de serviço.
Não obstante, em rápido levantamento que
fiz recentemente num grupo de
inteligentes empresários, quase a metade
deles expressou a opinião de que seria
difícil prejudicar seus herdeiros
vinculando seus bens permanentemente à
indústria eletrônica. Quando lhes
apresentei o exemplo dos bondes de
Boston, todos disseram em coro: “É
diferente!” Mas é mesmo? Basicamente, as
duas situações não são iguais?
Acredito que na verdade não exista o que
se chama de setor de rápida expansão. Há
apenas companhias organizadas e
dirigidas de forma a aproveitar as
oportunidades de expansão. As indústrias
que acreditam estar subindo pela escada
rolante automática da expansão
invariavelmente descem para a
estagnação. A história de todos os
negócios “de rápida expansão”, mortos ou
moribundos, revela um ciclo
auto-ilusório de grande ascensão e queda
despercebida. Há quatro condições que em
geral provocam este ciclo:
1. A crença de que o desenvolvimento é
assegurado por uma população em
crescimento e mais opulenta;
2. A crença de que não há substituto que possa concorrer com o principal produto da indústria;
3. Fé exagerada na produção em massa e nas vantagens na queda rápida dos custos unitários, à medida que aumenta a produção;
4. A preocupação com um produto que se presta à experimentação científica cuidadosamente controlada, ao aperfeiçoamento e à redução dos custos de fabricação.
Eu gostaria de
começar a examinar com algum detalhe
cada uma dessas condições. A fim de
argumentar de forma mais ousada
possível, usarei como ilustração três
setores: petróleo, automóveis e
eletrônica. Falarei particularmente do
petróleo porque abrange um número maior
de anos e porque passou por mais
vicissitudes. Não somente esses três
setores gozam de excelente reputação
entre o público em geral e também são
alvo da confiança dos investidores
sofisticados, como ainda seus
administradores se tornaram conhecidos
devido à sua mentalidade progressista em
diversos campos, tais como os de
controle financeiro, pesquisas de
produtos e treinamento de dirigentes. Se
a obsolescência é capaz de paralisar até
essas indústrias, então pode ocorrer em
qualquer outra.
O MITO DA POPULAÇÃO
A crença de que os lucros são
assegurados por uma população em
crescimento e mais opulenta é profunda
em todos os setores. Ela alivia as
apreensões que todos temos,
compreensivamente, com respeito ao
futuro. Se os consumidores se estão
multiplicando e também usando mais nosso
produto ou serviço, podemos encarar o
futuro com muito maior sossego do que se
o mercado se estivesse reduzindo. Um
mercado em expansão evita que o
fabricante tenha de se preocupar muito
ou usar sua imaginação. Se o raciocínio
é a reação intelectual a um problema,
então a ausência de problemas conduz à
ausência de raciocínio. Se nosso produto
conta com mercado em expansão
automática, não nos precisamos preocupar
muito com a maneira de expandi-lo.
Um dos exemplos mais interessantes com
referência a este fato é o da indústria
do petróleo.
Provavelmente, nosso mais antigo setor
de rápida expansão tem uma história
invejável. Conquanto haja alguma
apreensão, presentemente, com respeito
ao seu ritmo de desenvolvimento, à
indústria mesma tende a ser otimista.
Acredito, porém, que se possa demonstrar
que ela está sofrendo uma mudança
fundamental, embora típica. Não somente
está deixando de ser um negócio de
rápida expansão como pode até ser um
setor em decadência, relativamente a
outros. Embora haja ampla consciência do
fato, creio que dentro de 25 anos a
indústria do petróleo talvez venha a
encontrar-se na mesma situação de um
passado de glórias, em que estão agora
as estradas de ferro. Apesar de suas
atividades pioneiras no desenvolvimento
e aplicação do método de valor atual de
avaliação de investimentos, em relação
com os empregados e no trabalho em
países atrasados, o setor do petróleo
constitui um exemplo contristador de
como a fatuidade e a obstinação podem
transformar uma boa oportunidade em
quase uma catástrofe. Uma das
características deste e de outros
setores que muito acreditaram nas
conseqüências benéficas de uma população
em crescimento, sendo ao mesmo tempo
empreendimentos com um produto genérico
para o qual parecia não haver
concorrente, é que cada companhia tem
procurado sobrepor-se aos seus
competidores aperfeiçoando o que já está
fazendo. Isto tem lógica, é claro,
quando se parte do princípio de que as
vendas estão ligadas a setores da
população do país, pois os clientes só
podem comparar produtos tomando
característica por característica.
Acredito ser significativo, por exemplo,
que, desde que John D. Rockefeller
enviou lampiões a querosene
gratuitamente para a China, a indústria
do petróleo nada tenha feito de
realmente extraordinário para criar um
mercado para seu produto. As grandes
contribuições feitas pela própria
indústria limitam-se à tecnologia da
prospecção, produção e refino de
petróleo.
PROCURANDO ENCRENCA
Em outras palavras, esse setor tem
concentrado seus esforços na melhora da
eficiência na obtenção e fabricação de
seu produto e não verdadeiramente no
aperfeiçoamento de seu produto genérico
ou sua comercialização. Mais ainda seu
principal produto tem sido continuamente
definido com a expressão mais acanhada
possível, isto é, gasolina, em lugar de
energia, combustível ou transporte. Esta
atitude tem contribuído para que:
• Os principais aperfeiçoamentos na
qualidade da gasolina tendam a não ter
origem na indústria do petróleo. Da
mesma forma, o desenvolvimento de
sucedâneos de qualidade superior é feito
fora da indústria do petróleo, como
mostrarei mais adiante.
• As principais inovações no setor de
Marketing de combustíveis para
automóveis surjam em companhias de
petróleo pequenas e novas, cuja
preocupação primordial não é a produção
ou refino.
Estas são as companhias responsáveis
pelos postos de gasolina com várias
bombas, que se multiplicam rapidamente,
com sua ênfase bem sucedida em áreas
grandes e bem divididas, serviço rápido
e eficiente e gasolina de boa qualidade
a preços baixos.
Assim sendo, a indústria do petróleo
está procurando encrenca, que virá de
fora. Mais cedo ou mais tarde, nesta
terra de ávidos inventores e
empresários, aparecerá com certeza uma
ameaça. As possibilidades de isto
acontecer se tornarão mais evidentes
quando passarmos à seguinte crença
perigosa de muitos administradores. Para
que haja continuidade, já que esta
segunda da crença está estreitamente
ligada à primeira, manterei o mesmo
exemplo.
INDISPENSABILIDADE
A indústria do petróleo está
perfeitamente convencida de que não há
substituto que possa concorrer com seu
principal produto, a gasolina; ou, se
houver, que continuará sendo um derivado
do óleo cru, tal como é o óleo diesel ou
o querosene para jatos.
Há uma grande dose de otimismo forçado
nesta remissa. O problema é que a
maioria das companhias e refinação
possuem enormes reservas de óleo cru. E
estas só têm valor se houver um mercado
para os produtos em que pode ser
transformado o petróleo. Daí a crença
obstinada na permanência da
superioridade competitiva dos
combustíveis para automóveis, extraídos
do óleo cru.
Esta idéia persiste, a despeito de todas
as provas históricas em contrário. Essas
provas mostram não somente que o
petróleo nunca foi um produto de
qualidade superior para qualquer fim
durante muito tempo como também que o
respectivo setor nunca foi realmente um
negócio de rápida expansão. Foi uma
sucessão de negócios diversos que
atravessaram os habituais ciclos
históricos de crescimento, maturidade e
decadência. Sua sobrevivência geral se
deve a uma série de felizes
coincidências, escapando milagrosamente
da completa obsolescência ou, no último
momento e por um fator inesperado, da
ruína total.
OS PERIGOS DO PETRÓLEO
Relatarei de forma sucinta apenas os
principais episódios:
- Primeiro, o óleo cru era sobretudo um
medicamento popular. Mas antes mesmo de
passar essa “onda”, a procura aumentou
grandemente com uso de óleo cru nos
lampiões a querosene. A perspectiva de
alimentar os lampiões de todo o mundo
deu origem a uma exagerada promessa de
desenvolvimento. As perspectivas eram
semelhantes às que existem agora no
setor com relação à gasolina em outras
partes do mundo. Mal pode esperar que
nas nações subdesenvolvidas passe a
haver um carro em cada garagem.
Na época dos lampiões a querosene, as
companhias concorriam entre si e contra
o gás, procurando melhorar as
características do querosene com
respeito à iluminação. De repente, o
impossível aconteceu. Edison inventou
uma lâmpada que não dependia de forma
alguma do óleo cru. Não fosse o uso
crescente de querosene em aquecedores de
ambiente, a lâmpada incandescente teria
então acabado completamente com o
petróleo como setor de rápida expansão.
O petróleo teria servido para pouco mais
do que graxa para eixos.
- Depois vieram de novo a ruína e a
salvação. Ocorreram duas grandes
inovações, nenhuma das quais surgidas
dentro do setor do petróleo. O
desenvolvimento bastante bem sucedido
dos sistemas de calefação doméstica a
carvão tornou o aquecedor de ambiente
obsolescente.
Enquanto perdia o equilíbrio, o setor
recebeu seu maior impulso de todos os
tempos ( o motor de combustão interna,
também vindo de fora. E quando a
prodigiosa expansão do consumo de
gasolina finalmente começou a
estabilizar-se na década de 1920, surgiu
como que por milagre o aquecedor central
a óleo cru. Mais uma vez, a salvação
viera de uma invenção e de uma conquista
feitas por pessoas estranhas ao setor. E
quando o mercado começo o contrário.
ATRASO EM DETROIT
Isto pode parecer uma regra elementar do
comércio, mas não é por isso que deixa
de ser infringida constantemente. Com
toda certeza, é mais infringida do que
seguida. Tomemos, por exemplo, a
indústria automobilística:
Neste setor a produção em massa é mais
famosa, mais respeitada e causa o maior
impacto em toda a sociedade. Seu sucesso
está ligado à absolutamente
indispensável mudança anual de modelo,
política que torna a orientação para o
cliente uma premente necessidade. Em
conseqüência, as empresas
automobilísticas gastam anualmente
milhões de dólares em pesquisas junto
aos consumidores. Todavia, o fato de que
os novos carros compactos estão sendo
tão bem vendidos em seu primeiro ano de
produção mostra que as amplas pesquisas
de Detroit durante muito tempo deixaram
de revelar o que os fregueses realmente
desejavam. Detroit não ficou convencida
de que eles queriam algo diferente do
que lhes vinha sendo oferecido até que
perdeu milhões de fregueses para outros
fabricantes de carros pequenos.
Como pôde durar tanto este inacreditável
atraso no atendimento das necessidades
dos consumidores?
Por que as pesquisas não revelaram as
preferências dos consumidores antes que
as próprias decisões destes últimos por
ocasião de compra revelassem a
verdadeira situação? Não é para isso que
existem as pesquisas para descobrir o
que vai acontecer antes eu o fato
aconteça? A resposta é que, na verdade,
Detroit jamais pesquisou as necessidades
dos fregueses. Somente pesquisou suas
preferências entre as coisas que já
tinha decidido oferecer-lhes. Isso
porque Detroit tem seu espírito voltado
sobretudo para o produto e não para o
cliente. Admitindo o fato de que o
cliente tem necessidades que o
fabricante deve procurar atender,
Detroit em geral age como se a questão
pudesse ser completamente resolvida
mediante mudanças no produto. Uma vez ou
outra o financiamento também recebe
atenção, mas isso faz mais para vender
do que para possibilitar a compra pelo
freguês.
Quanto a atender outras necessidades do
cliente, o que está sendo feito não é
suficiente para se poder escrever a
respeito. As mais importantes das
necessidades não satisfeitas são
ignoradas ou quando muito são tratadas
como enteadas. Reterem-se essas
necessidades aos pontos de venda e aos
serviços de conserto e manutenção dos
veículos. Detroit considera de
importância secundária tais
necessidades. Isso é evidenciado pelo
fato de que as áreas de varejo e
manutenção da indústria automobilística
não pertencem, não são geridas nem são
controladas pelos fabricantes. Produzido
o automóvel, as coisas ficam em grande
parte nas mãos incapazes do revendedor.
Representativo da atitude distante de
Detroit é o fato de que embora a
manutenção gere excelentes oportunidades
de vendas e de lucros, somente 57 dos 7
mil revendedores Chevrolet têm
atendimento noturno.
Os proprietários de automóveis vêm
manifestando repetidamente sua
insatisfação com respeito à manutenção e
seu receio de comprar outros carros
dentro do atual sistema de venda. As
apreensões e problemas que sofrem por
ocasião da compra e na manutenção de seu
automóvel são provavelmente mais
intensos e mais comuns hoje do que eram
há trinta anos. No entanto, as
companhias automobilísticas não parecem
ouvir ou aceitar as sugestões dos
consumidores angustiados. Se por acaso
eles ouvem, deve ser através do filtro
de suas próprias preocupações com a
produção. As atividades de marketing
ainda são consideradas uma conseqüência
necessária do produto e não o contrário,
como deveria ser. Isto é herança da
produção em massa, com sua noção
estreita de que o lucro vem
essencialmente da produção a baixo
custo.
O QUE FORD PÔS EM PRIMEIRO LUGAR
Os atrativos em matéria de lucro
oferecidos pela produção em massa têm
evidentemente seu lugar nos planos e na
estratégia da administração de negócios,
mas deve sempre seguir-se a uma
preocupação pelo cliente. Esta é uma das
mais importantes lições que podemos
tirar do comportamento contraditório de
Henry Ford. De certa maneira, Ford foi
ao mesmo tempo o mais brilhante e o mais
insensato negociante da história dos
Estados Unidos. Foi insensato porque se
recusou a dar aos fregueses qualquer
coisa que não fosse um automóvel preto.
Foi brilhante porque idealizou um
sistema de produção destinado a atender
as necessidades do mercado. Em geral nós
o homenageamos por um motivo errado: seu
gênio em matéria de produção. Na
realidade, ele era um gênio em
marketing. Acreditamos que ele conseguiu
reduzir o preço de venda e assim vender
milhões de automóveis a 500 dólares cada
um graças à sua invenção da linha de
montagem de diminuía os custos. Na
realidade, ele inventou a linha de
montagem porque concluíra que, a 500
dólares por unidade, ele poderia vender
milhões de automóveis. A produção em
massa foi o resultado e não a causa dos
preços baixos.
Ford salientava constantemente este
ponto, mas uma nação de administradores
de empresas orientados para a produção
se recusa a aprender a lição que ele
deu. Eis sua política de ação, em
explicação sucinta dada por ele mesmo:
“Nossa política consiste em reduzir o
preço, ampliar as atividades e melhorar
o artigo. Note-se que a redução de preço
vem em primeiro lugar. Nunca
consideramos fixos quaisquer custos. Por
isso, primeiro reduzimos o preço até o
ponto em que acreditamos que haverá mais
vendas. Então tratamos de fixar esse
preço, sem nos importar com os custos. O
novo preço força os custos a baixar. O
procedimento mais comum é calcular os
custos e então determinar o preço.
Embora esse método possa ser científico
num sentido restrito, não é científico
num sentido lato, pois de que serve
saber o custo se ele apenas lhe revela
que você não pode fabricar o artigo a um
preço ao qual possa ser vendido? Mais
importante, porém, é o fato de que,
embora se possa calcular um custo ¾ e é
claro que todos os nossos custos são
cuidadosamente calculados ¾, ninguém
sabe qual deveria ser esse custo. Uma
das formas de descobrir (¼) é
estabelecer um preço tão baixo que força
todos do lugar a chegar ao seu ponto
máximo de eficiência. O preço baixo faz
com que todo o mundo lute para conseguir
lucros. Fazemos mais descobertas,
relacionadas com a fabricação e venda,
usando este método forçado do que com
qualquer outro método de investigação
despreocupada.”
PROVINCIANISMO DE PRODUTO
As tentadoras possibilidades de lucro
através de baixos custos unitários de
produção talvez representem a mais séria
das atitudes auto-ilusórias de que pode
padecer uma companhia, particularmente
uma companhia “de rápida expansão”, na
qual um aumento da procura aparentemente
garantido já tende a solapar uma
preocupação adequada com a importância
do marketing e dos clientes.
A conseqüência habitual desta
preocupação estreita com as chamadas
questões concretas é que, ao invés de
crescer, o negócio piora. Em geral
significa que o produto não consegue
adaptar-se aos padrões constantemente
modificados das necessidades e gostos do
consumidor, aos novos e diferentes
processos e práticas de marketing ou aos
desenvolvimentos de produtos em setores
concorrentes ou complementares. O setor
em questão está com a atenção tão
concentrada em seu próprio produto
específico que não consegue ver como ele
se está tornando obsoleto.
O exemplo clássico é o da indústria de
chicotes para carruagens. Não haveria
aperfeiçoamento do produto que pudesse
salvá-lo da condenação à morte. Se,
entretanto, esse negócio se tivesse
definido como parte do setor de
transportes e não da indústria de
chicotes para carruagens, talvez tivesse
sobrevivido.
Teria feito aquilo que sempre acompanha
a sobrevivência, isto é, teria mudado.
Se tivesse pelo menos se definido como
parte do setor de estimulantes ou
catalisadores de uma fonte de energia,
talvez tivesse sobrevivido
transformando-se em fabricante de,
digamos, correias de ventilador ou
purificadores de ar.
O que poderá algum dia ser um exemplo
mais clássico é, voltando uma vez mais
ao assunto, a indústria do petróleo.
Tendo deixado que outros lhe
arrebatassem ótimas oportunidades (por
exemplo: gás natural, já mencionado,
combustíveis para mísseis e
lubrificantes para motores a jato),
esperar-se-ia que esse setor tomasse
providência para que isso jamais
voltasse a acontecer. Mas não é bem
assim. Está havendo no momento novas
conquistas em sistemas de combustíveis
destinados especificamente a automóveis.
Não somente essas conquistas estão sendo
feitas por firmas estranhas ao setor do
petróleo
como este vem, quase sistematicamente,
ignorando-as, plenamente satisfeito em
seu firme apego ao produto. É a história
do lampião a querosene contra a lâmpada
incandescente que se repete. A indústria
do petróleo está procurando melhorar os
combustíveis de hidrocarbonetos em vez
de criar quaisquer combustíveis que
melhor se adaptem às necessidades dos
usuários, produzidos ou não de maneira
diferente e com outras matérias-primas
que não sejam petróleo.
Eis algumas das atividades a que
companhias estranhas ao setor do
petróleo se vêm dedicando:
-Mais e uma dúzia de empresas já possuem
modelos avançados de sistemas de energia
que, ao serem aperfeiçoados,
substituirão o motor de combustão
interna e acabarão com a necessidade de
se usar gasolina. O mérito maior de cada
um desses sistemas é o fato de eliminar
as freqüentes paradas para
reabastecimento, que irritam e fazem
perder tempo. A maioria desses sistemas
consiste me pilhas idealizadas de forma
a gerar eletricidade diretamente de
produtos químicos, sem combustão. Em
geral usam produtos químicos não
derivados do petróleo ¾ quase sempre
hidrogênio e oxigênio.
-Várias outras companhias têm modelos de
baterias elétricas destinadas a acionar
automóveis. Uma delas é uma fábrica de
aviões, que vem trabalhando
conjuntamente com diversas empresas de
fornecimento de energia elétrica. Estas
últimas esperam poder usar sua
capacidade geradora das horas que não
sejam de pico para fornecer a
eletricidade necessária para regenerar
as baterias durante a noite, quando são
ligadas nas tomadas. Outra companhia,
também interessada em desenvolver
baterias, é uma firma de produtos
eletrônicos de tamanho médio, com larga
experiência em pequenas pilhas, que
criou em suas atividades ligadas a
aparelhos para ouvido.
Essa trabalha em colaboração com uma
indústria automobilística.
Aperfeiçoamentos recentes, surgidos da
necessidade de acumuladores
miniaturizados de alta potência para uso
em foguetes, tornam próximo o
aparecimento de uma bateria
relativamente pequena, capaz de suporta
grandes cargas ou elevações bruscas de
tensão. A aplicação de diodos de
germânio e as baterias que utilizam
chapas sinterizadas e técnicas
relacionadas com o níquel-cádmio
prometem uma revolução em nossas fontes
de energia.
-Os sistemas de conversão da energia
solar também vêm sendo alvo de atenção
cada vez maior.
Um dirigente de indústria
automobilística de Detroit geralmente
cauteloso em suas afirmações, aventou
recentemente a possibilidade de que até
1980 sejam comuns os carros movidos a
energia solar.
Quanto às companhias de petróleo, estão
mais ou menos “observando os
acontecimentos”, como me disse um
diretor de departamento de pesquisas.
Algumas estão fazendo um pouco de
pesquisas com pilhas, mas limitando-se
quase sempre a criar baterias
alimentadas por hidrocarbonetos. Nenhuma
se dedica com entusiasmo à pesquisa de
pilhas, baterias ou geradores solares.
Nenhuma aplica em pesquisas, nessas
áreas extremamente importantes, sequer
uma fração do que gasta em coisas
corriqueiras, tais como a redução de
depósitos na câmara de combustão dos
motores a gasolina. Uma importante
companhia de petróleo de funcionamento
integrado fez uma rápida análise da
questão das pilhas e concluiu que,
embora “as companhias que nela trabalham
ativamente manifestem sua crença no
sucesso final, a ocasião e a magnitude
de seu impacto estão por demais
distantes para justificar o
reconhecimento de seu valor em nossas
previsões”.
Poder-se-ia, é claro, perguntar: Por que
deveriam as companhias de petróleo agir
de maneira diferente? As pilhas
químicas, as baterias ou a energia solar
não acabariam com suas atuais linhas de
produtos? A resposta é que realmente
acabariam. E essa é exatamente a razão
por que as empresas de petróleo deveriam
construir essas unidades fornecedoras de
energia antes que seus concorrentes o
façam, para que não se transformem em
companhias pertencentes a um setor
inexistente.
Seus administradores tenderiam a fazer
aquilo que é necessário para sua própria
preservação se se considerassem como
parte do setor de energia. Mas nem isso
seria suficiente, se insistissem em
manter-se imobilizados pelas garras
apertadas de sua tacanha orientação para
o produto. Devem eles considerar sua
tarefa o atendimento das necessidades
dos clientes e não a prospecção, o
refino e mesmo a venda de petróleo. Uma
vez que a direção de uma empresa
considere verdadeiramente sua tarefa
atender às necessidades de transportes
do povo, ninguém poderá impedi-la de
criar sua própria expansão,
extraordinariamente lucrativa.
“DESTRUIÇÃO CRIATIVA”
Como as palavras custam pouco e as ações
muito, talvez convenha mostrar o que
implica e a que conduz este raciocínio.
Vamos iniciar pelo começo: o cliente.
Pode-se demonstrar que quem dirige
automóvel detesta o aborrecimento e a
perda de tempo que acarreta a
necessidade de comprar gasolina. Na
verdade não compramos gasolina. Não
podemos vê-la, nem prová-la, nem
senti-la no tato, nem avaliá-la, nem
experimentá-la realmente. O que
compramos é o direito de continuar a
dirigir nossos carros. O posto de
gasolina é como um coletor de impostos a
quem somo obrigados a pagar uma taxa
periódica para uso de nossos carros.
Isto torna o posto de gasolina uma
instituição essencialmente impopular.
Jamais poderá tornar-se popular ou
agradável, mas somente menos impopular,
menos desagradável.
Acabar completamente com sua
impopularidade significa eliminá-lo.
Ninguém gosta de coletor de impostos,
nem mesmo daquele que seja jovial e
simpático. Ninguém gosta de interromper
uma viagem para comprar um produto
fantasma, mesmo que quem o venda seja um
famoso Adônis ou uma Vênus sedutora.
Portanto, as companhias que vêm
trabalhando na descoberta de exóticos
combustíveis sucedâneos dos atuais estão
indo diretamente para os braços abertos
dos irritados motoristas. A consecução
de seu objetivo é inevitável, não porque
estejam criando algo que é
tecnologicamente superior ou mais
sofisticado, mas sim porque estão
atendendo a uma forte necessidade do
cliente. Também estão eliminando odores
prejudiciais e a poluição do ar.
Uma vez que reconheçam a lógica do
atendimento do cliente por outro sistema
de energia, as companhias e petróleo
verão que nada lhes resta senão
trabalhar na descoberta de um
combustível eficiente e de longa duração
(ou um meio de fornecer os atuais
combustíveis sem aborrecer os
motoristas), como as grandes cadeias de
mercearias tiveram de transformar-se em
supermercados e os fabricantes de
válvulas precisaram passar a fazer
semicondutores. Em seu próprio
benefício, as companhias de petróleo
terão de destruir seus próprios bens,
que lhes têm proporcionado lucros tão
elevados. Não há otimismo com respeito
ao futuro que as livre da necessidade de
praticar esta forma de “destruição
criativa”.
Saliento tanto esta necessidade por
acreditar que os administradores
precisam fazer um esforço muito grande
para libertar-se das formas
convencionais. Nos dias que correm, é
muito fácil para uma companhia ou um
setor de atividade deixar que seu senso
de objetivo seja dominado pela economia
da produção total, dando origem a uma
orientação para o produto perigosamente
desequilibrada. Em resumo, se os
administradores agem sem plena
consciência do que está acontecendo,
tendem invariavelmente a considerar-se
pessoas empenhadas em produzir bens e
serviços e não em atender clientes.
Conquanto não cheguem ao extremo de
dizer aos seus vendedores: “Vocês
coloquem a mercadoria; nós nos
preocupamos com os lucros”, podem, sem
saber, estar precisamente pondo em
prática um método de paulatina
decadência. O destino histórico de
muitos e muitos setores de rápida
expansão tem sido seu provincianismo
suicida em matéria de produto.
PESQUISAS E DESENVOLVIMENTO
Outro grande perigo para o
desenvolvimento constante de uma firma
surge quando a cúpula administrativa
fica totalmente paralisada pelas
possibilidades de lucro oferecidas pelas
pesquisas e desenvolvimento técnico.
Como ilustração, citarei primeiro uma
nova indústria , a eletrônica e depois
voltarei a falar uma vez mais das
companhias de petróleo. Comparando um
novo exemplo com outro já conhecido,
espero salientar a difusão e o caráter
insidioso de uma maneira perigosa de
pensar.
“MARKETING” FRAUDADO
No caso da eletrônica, o maior perigo
com que se defrontam as novas e
fascinantes companhias do setor não é o
fato de não darem bastante atenção às
atividades de pesquisa e
desenvolvimento, mas sim por lhes darem
atenção demais. E pouco importa, no caso
o fato de que as companhias eletrônicas
que se desenvolvem mais rapidamente
devem sua posição de destaque à muita
ênfase que dão às pesquisas técnicas.
Elas saltaram para uma situação de
abundância aproveitando a inesperada
onda de uma receptividade geral
singularmente forte a novas idéias
técnicas. Além disso, seu êxito
iniciou-se no mercado praticamente
garantido dos subsídios militares e
graças aos pedidos de origem militar,
que em muitos casos precedem mesmo a
existência de instalação para a
fabricação dos produtos. Sua expansão,
em outras palavras, realizou-se quase
sem nenhuma atividade de marketing.
Essas companhias vêm-se desenvolvendo,
assim, em condições perigosamente
próximas da ilusão de que um produto de
qualidade superior se venderá por si só.
Tendo criado uma companhia bem sucedida
pela fabricação de um produto superior,
não é de causar surpresa que seus
dirigentes continuem a ter o espírito
voltado mais para o produto do que para
as pessoas que o consomem. Surge assim a
filosofia de que o crescimento constante
é uma questão de contínua inovação e
aperfeiçoamento do produto.
Vários outros fatores contribuem para
fortalecer a manter essa crença:
1. Porque os produtos eletrônicos são
altamente complexos e sofisticados surge
um desequilíbrio entre a administração e
os engenheiros e cientistas. Isto dá
origem a uma predisposição em favor da
pesquisa e da produção, em detrimento
das atividades de marketing. A
organização tende a acreditar que sua
tarefa é fabricar coisas e não
satisfazer às necessidades dos clientes.
O marketing é tratado como uma atividade
residual, “outra coisa”, que precisa ser
feita depois de executada a função vital
de criação e fabricação do produto.
2. A esta predisposição em favor da
pesquisa, desenvolvimento e fabricação
do produto acrescenta-se a predisposição
em favor das variáveis controláveis. Os
engenheiros e cientistas sentem-se “em
casa” no mundo de coisas concretas, tais
como máquinas, tubos de ensaio, linhas
de produção e mesmo balanços. As
abstrações para as quais se sentem
inclinados são aquelas que podem ser
postas à prova ou manipuladas no
laboratório; ou, se não puderem ser
submetidas a provas, que sejam
funcionais, como é o caso dos axiomas de
Euclides. Em resumo, os administradores
das novas e fascinantes companhias de
rápida expansão tendem a ter preferência
por essas atividades que se prestam a
cuidadoso estudo, experimentação e
controle, os quais representam a
realidade concreta e prática do
laboratório, da oficina, dos livros.
Ficam fraudadas as realidades do
mercado. Os consumidores são
imprevisíveis, variáveis, volúveis,
estúpidos, míopes, teimosos e em geral
maçantes. Não é isso o que dizem os
engenheiros-administradores, mas bem no
fundo é isso que eles pensam. E isso
explica o fato de eles se concentrarem
naquilo que sabem e que podem controlar,
ou seja, a pesquisa, engineering e
fabricação do produto. A ênfase na
produção se torna particularmente
atraente quando o produto pode ser
fabricado a custos unitários cada vez
menores. Não há forma mais convidativa
de ganhar dinheiro do que pelo
funcionamento da fábrica a todo vapor.
Presentemente, a orientação
desequilibrada com ênfase na ciência,
engenharia e produção de tantas
indústrias eletrônicas vêm funcionando
razoavelmente bem porque estão
explorando novas áreas nas quais as
Forças Armadas desbravaram mercados
praticamente garantidos. Essas empresas
se encontram na agradável situação de
precisar prover e não na de encontrar
mercados: de não precisar descobrir o
que o freguês necessita e quer, mas
atender às suas novas demandas
específicas, por ele reveladas
espontaneamente. Se uma equipe de
consultores tivesse sido incumbida
especificamente de idealizar uma
situação comercial calculada de forma a
evitar o aparecimento e desenvolvimento
de uma posição, em marketing, orientada
para o cliente, não poderia Ter
produzido nada melhor do que as
condições que acabo de descrever.
TRATAMENTO DE ENTEADO
A indústria do petróleo é um notável
exemplo de como ciência, a tecnologia e
a produção em massa podem desviar todo
um grupo de companhias de sua principal
tarefa. Admitindo-se que o consumidor
seja de qualquer forma estudado (o que
não é muito), o ponto central é sempre a
obtenção de informações destinadas a
ajudar as companhias e petróleo a
melhorar o que agora estão fazendo. Elas
procuram descobrir temas de publicidade
mais convincentes, campanhas de promoção
de vendas mais eficientes, qual a
participação no mercado das diversas
empresas, o de que o povo gosta ou não
gosta com respeito aos postos de serviço
e companhias de petróleo e assim por
diante. Ao procurar proporcionar
satisfação ao cliente, ninguém parece
estar tão interessado em aprofundar-se
no conhecimento das necessidades básicas
do homem que o setor poderia tentar
atender, quanto em aprofundar-se no
conhecimento das propriedades básicas da
matéria-prima com a qual trabalham as
companhias.
Raramente se fazem perguntas básicas
referentes a fregueses e mercados. Os
últimos têm condição de enteado.
Reconhece-se que existem, que precisam
ser cuidados, mas não que merecem muita
preocupação ou desvelada atenção.
Ninguém se impressiona tanto com os
fregueses que são seus vizinhos como com
o petróleo eu existe no Deserto do
Saara. Nada ilustra melhor a situação de
abandono do marketing do que o
tratamento que lhe tem sido dado nos
órgãos de divulgação do setor.
A edição do centenário da American
Petroleum Institute Quarterly em 1959
para comemorar a descoberta de petróleo
em Titusville, Estado da Pensilvânia,
continha 21 matérias que proclamavam a
grandeza do setor. Somente uma delas
falava das realizações no campo de
marketing e era apenas uma reportagem
ilustrada sobre a evolução da
arquitetura dos postos de serviço. A
edição continha também uma seção
especial sobre “Novos Horizontes”,
destinada a mostrar o papel magnífico
que o petróleo desempenharia no futuro
dos Estados Unidos. O tom era de
exuberante otimismo, não se dando a
entender uma vez sequer que o petróleo
poderia ter algum forte competidor. Até
mesmo a referência feita à energia
atômica era um animado relato de como o
petróleo colaboraria para que a energia
atômica tivesse êxito.
Não havia nenhuma preocupação de que a
opulência da indústria do petróleo
pudesse ser ameaçada ou qualquer indício
de que um dos “novos horizontes” poderia
conter novas e melhores formas de servir
os atuais fregueses do petróleo.
Mas o exemplo mais revelador do
tratamento de enteado, dado ao
marketing, era outra série especial de
pequenos artigos sobre “O Potencial
Revolucionário da Eletrônica”. Sob esse
título geral, aparecia no índice a
seguinte lista de artigos:
-“Na Prospecção de Petróleo”.
-“Nas Operações de Produção”.
-“Nos Processos de Refino”.
-“Nas Operações com Oleodutos”.
É significativo o fato de que estão
relacionadas todas as principais áreas
funcionais do setor, exceto a de
marketing. Por que? Ou se acredita que
na eletrônica não há potencial
revolucionário para o marketing de
petróleo (o que é obviamente errado) ou
os redatores se esqueceram de incluir
essa parte (o que é mais provável e
evidencia sua condição de enteado).
A ordem na qual são relacionadas as
quatro áreas funcionais também trai a
alienação da indústria relativamente ao
consumidor. Nela está implícito que suas
atividades começam com a prospecção de
petróleo e terminam com a distribuição a
partir da refinaria. A verdade, porém,
segundo me parece, é que essas
atividades começam com necessidade que o
consumidor tem de tais produtos. Dessa
posição fundamental deve-se retroceder
para áreas de importância cada vez
menor, até parar, finalmente, na
“prospecção de petróleo”.
COMEÇO E FIM
É de importância capital a compreensão
por todos os empresários de que um setor
de atividade representa um processo de
atendimento do cliente e não de produção
de bens. Qualquer indústria começa com o
freguês e suas necessidades; não como
uma patente, matéria-prima ou habilidade
para vender.
Partindo das necessidades do freguês, a
indústria se desenvolve de trás para
diante, preocupando-se primeiro com a
conversão física da satisfação do
cliente. Retrocede, depois, um pouco
mais, criando as coisas pelas quais essa
satisfação é em parte conseguida. A
maneira pela qual essas coisas são
criadas é indiferente para o freguês, de
onde se infere que a forma particular de
fabricação, industrialização ou o que
quer que seja não pode ser considerado
um aspecto vital do negócio. Finalmente,
retrocede-se ainda um pouco mais para
encontrar as matérias-primas necessárias
para a fabricação dos produtos.
O que há de irônico em algumas
indústrias orientadas para a pesquisa e
o desenvolvimento técnico é que os
cientistas que ocupam os altos cargos
executivos nada têm de científicos
quando definem as necessidades e
objetivos gerais de suas companhias.
Eles violam as duas primeiras regras do
método científico de ação: Ter
consciência e definir os problemas de
suas companhias e, depois aventar
hipóteses verificáveis para sua solução.
Eles têm espírito científico somente
naquilo que for cômodo, tais como
experiências de laboratório e com
produtos. A razão pela qual o cliente
(e, com ele, o atendimento de suas mais
fortes necessidades) não é considerado
“o problema” não é por se acreditar que
tal problema não existe, mas sim porque
uma vida inteira de organização
condicionou os administradores a ficarem
sempre voltados para o outro lado. O
marketing é um enteado.
Não quero dizer que a parte de vendas é
ignorada. Longe disso. Mas vendas,
repito, não é marketing.
Conforme já assinalei, a parte de vendas
se preocupa com os truques e as técnicas
de fazer com que as pessoas troquem seu
dinheiro por um produto. Não se preocupa
com os valores aos quais diz respeito a
troca. E, ao contrário do que
invariavelmente faz o marketing, não vê
no conjunto das atividades comerciais um
esforço global para descobrir, criar,
suscitar e atender às necessidades dos
fregueses. O freguês é alguém que está
“lá adiante” e que, mediante um golpe
bem dado, pode abrir mão de seu
dinheirinho.
Na realidade, nem mesmo a parte de
vendas é alvo de muita atenção em
algumas firmas de espírito tecnológico.
Por haver um mercado praticamente
garantido para o escoamento abundante de
seus novos produtos, na verdade elas nem
sabem bem o que é um mercado. É como se
elas fizessem parte de uma economia
planejada, mandando seus produtos
rotineiramente da fábrica para o varejo.
A concentração de seus esforços nos
produtos, sempre bem sucedida, tende a
convencê-las do acerto de sua atitude,
sem conseguir ver que sobre o mercado
começam a formar-se nuvens negras.
CONCLUSÃO
Há menos de 75 anos, as estradas de
ferro americanas gozavam de uma profunda
lealdade de parte dos astutos
freqüentadores da Wall Street. Monarcas
europeus nelas investiam muito dinheiro.
Acreditava se que teriam eterna riqueza
todos aqueles que pudessem amealhar
alguns milhares de dólares para
aplicá-los em ações das ferrovias.
Nenhum outro meio de transporte poderia
competir com as estradas de ferro em
velocidade, flexibilidade, durabilidade,
economia e potencial de desenvolvimento.
Disse a respeito Jacques Barzun: “Na
passagem do século, era uma instituição,
uma imagem do homem, uma tradição, um
código de honra, uma fonte de poesia,
uma sementeira dos sonhos da infância,
um brinquedo sublime e a mais solene das
máquinas depois do carro fúnebre que
marcam as épocas da vida de um homem.”
Mesmo depois do advento dos automóveis,
caminhões e aviões, os magnatas das
estradas de ferro permaneciam
imperturbavelmente seguros de si. Se há
sessenta anos alguém lhe dissesse que no
prazo de trinta anos estariam
arruinados, sem um tostão no bolso,
implorando subvenções do governo,
pensariam estar falando com um louco
completo. Tal futuro simplesmente não
era considerado possível. Não era sequer
um assunto que se pudesse discutir, uma
pergunta que se pudesse fazer ou uma
questão que uma pessoa em são juízo
consideraria merecedora de especulação.
Só pensar nisso já era uma demonstração
de insanidade. Contudo, muitas idéias
loucas têm agora aceitação normal, como
por exemplo a de tubos de metal de 100
toneladas que se deslocam suavemente
pelo ar a 3.000 metros de altitude,
transportando cem cidadãos de juízo
perfeito, que se distraem bebendo
Martini. Idéias como essa representaram
rudes golpes contra as estradas de
ferro.
O que, especificamente, devem fazer
outras companhias para não ter esse fim?
Em que consiste a orientação para o
cliente? Estas perguntas foram
respondidas em parte pelos exemplos e
análise precedentes. Seria necessário
outro artigo para mostrar com detalhe o
que é necessário em setores específicos.
De qualquer maneira, é evidente que a
formação de uma companhia com eficiente
orientação para o cliente exige muito
mais do que boas intenções ou truques
promocionais; exige o conhecimento
profundo de questões de organização
humana e liderança. Por enquanto,
permitam-me dar apenas uma idéia de
alguns requisitos gerais.
SENSAÇÃO PROFUNDA DE GRANDEZA
Obviamente, a companhia precisa fazer o
que exige a necessidade de
sobrevivência. Precisa adaptar-se às
exigências do mercado e o mais cedo que
puder. Mas a mera sobrevivência é uma
aspiração medíocre. Qualquer um pode
sobreviver de uma forma ou de outra: até
mesmo um vagabundo das sarjetas.
A vantagem é sobreviver galantemente, é
sentir a emoção intensa da maestria
comercial; não sentir apenas o odor
agradável do sucesso, mas experimentar a
sensação profunda de grandeza
empresarial. Nenhuma organização pode
atingir a grandeza sem um líder vigoroso
que é impelido para a frente por sua
vibrante vontade de vencer. Ele deve ter
uma visão de grandiosidade, visão que
possa atrair ardentes seguidores em
enormes quantidades. No mundo dos
negócios, os seguidores são os clientes.
Para atrair esses clientes, toda a
empresa deve ser considerada um
organismo destinado a criar e atender a
clientela. A administração não deve
julgar que sua tarefa é fabricar
produtos, mas sim proporcionar as
satisfações que angariam cliente. Deve
propagar esta idéia (e tudo que ela
significa e exige) por todos os cantos
da organização. Deve fazer isto sem
parar, com vontade, de forma a excitar e
estimular as pessoas que nela se
encontram. Se assim não for feito, a
companhia não passará de uma série de
compartimentos, sem um fortalecedor
senso de objetivo e direção.
Em resumo, a organização precisa
aprender a considerar sua função, não a
produção de bens ou serviços, mas a
aquisição de clientes, a realização de
coisas que levarão as pessoas a querer
trabalhar com ela. Ao próprio dirigente
máximo cabe obrigatoriamente a
responsabilidade pela criação deste
ambiente, deste ponto de vista, desta
atitude, desta aspiração. Ele próprio
deve lançar o estilo da companhia, sua
orientação e suas metas. Isto significa
que ele precisa saber exatamente para
onde ele mesmo deseja ir, assegurando-se
de que a organização toda esteja
entusiasmadamente ciente disso. Este é
um dos primeiros requisitos da
liderança, pois, a menos que ele saiba
para onde está indo, qualquer caminho o
conduzirá a esse local.
Se servir qualquer caminho, então o
dirigente máximo da empresa pode muito
bem arrumar sua pasta e ir pescar. Se
uma organização não souber ou não tiver
interesse em saber para onde está indo,
não precisa fazer propaganda desse fato
com um chefe protocolar. Todos
perceberão depressa.
Fonte: Biblioteca da Universidade de
Harvard.
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