O Mundo é mesmo Paradoxal
Por Sidney Coldibelli
21/04/2002

É tênue o limite que separa o amor do ódio, assim como também é tênue a linha que separa a perseverança da teimosia e por aí vai. Neste artigo, quero tratar sobre um assunto que, ao meu ver, é o mais paradoxal que conheço, para não dizer que chega a beirar o surrealismo.

O ATENDIMENTO AO CLIENTE

Durante estes últimos anos, estamos ouvindo "gurus" pregarem a excelência no atendimento e vendo muitas "empresas seguidoras" acompanharem seus conselhos e montarem verdadeiros aparatos para melhorar o atendimento ao cliente. Porém, existe um paradoxo que ainda não foi resolvido dentro das estruturas empresariais (e quanto maior a estrutura, mais paradoxal fica).

De um lado temos a empresa, que se prepara durante anos para padronizar seus processos e fazer com que tudo ande dentro de normas e procedimentos (vide ISO 9000 e quetais), evitando possíveis surpresas.

Do outro, temos clientes (leia-se pessoas), que têm anseios e necessidades diferentes e que, na maioria das vezes, não se enquadram dentro das normas e procedimentos rotineiros das empresas. Visto, que, atualmente, nossas empresas foram moldadas para deixar o processo mais seguro e fácil de administrar.

É aí que se instala o paradoxo. A empresa está disposta a atender muito bem seus clientes, desde que eles se enquadrem dentro das normas e procedimentos da empresa (o que na minha opinião não é um atendimento eficiente).

Temos milhares de exemplos de pessoas que são maravilhosamente bem atendidas pelas empresas, mas não têm seus problemas resolvidos ou até pior, em muitos casos o problema aumenta. Na minha modesta concepção, excelência no atendimento significa: resolver o problema do cliente, de preferência de bom humor e com um sorriso nos lábios. Mas não é o que acontece. Milhões de reais são gastos em propaganda para mostrar ao público o quanto somos bons e eficientes, quando na realidade somos medíocres. Querem ver ? Então vamos lá.

CASO 1 - CRÉDITO PRÉ-APROVADO

Minha filha comprou um carro através de um financiamento de um conhecido banco., quando faltava um mês para quitar o débito, recebeu uma correspondência do dito banco, oferecendo-lhe um novo financiamento, pré-aprovado. Como ela está, temporariamente, trabalhando fora de São Paulo, pediu-me que fizesse a troca do veículo.

Fui a uma agência de carros, escolhi um e pronto !!! Pronto nada, a agência, ao encaminhar a papelada para o tal banco, recebeu uma negativa no crédito pré-aprovado da minha filha. Motivos: ela mudou de endereço (está morando, temporariamente, em São Luís do Maranhão) e mudou do emprego (está ganhado o dobro do que ganhava há dois anos atrás). E não houve argumento que fizesse o tal gerente entender que as mudanças que houveram não a tornavam uma potencial inadimplente, pelo contrário, há um limite de crédito disponível em sua conta para utilização imediata de R$ 10.000, mais do que ela solicitava como financiamento. Mas, a norma do banco, diz que as condições para o crédito automático têm que permanecer inalteradas. É pedir que o cliente fique inalterado por dois anos para que possa ter direitos. E não é só. Ainda não conformada minha filha entrou no site do Itaú e na seção fale conosco, registrou seu espanto com o fato. Sabem o que aconteceu ? Nada. Nem uma resposta. Absolutamente ignoraram o cliente. Ah ! Me esqueci de um detalhe. Tudo foi feito na mais absoluta educação.

CASO 2 - ASSISTÊNCIA TÉCNICA

Troquei meu aparelho de telefone celular há algumas semanas. Uma semana após a troca meu aparelho apresentou um defeito (desligava sozinho). Ao passar em frente à mesma loja onde comprei o aparelho, parei e procurei ajuda da operadora para tentar resolver o problema de um aparelho praticamente zero quilômetro. Entrei na loja, fui até o balcão e expliquei o meu problema. A mocinha, com um grande sorriso nos lábios, pediu a nota fiscal de compra que, obviamente, não estava comigo, pois eu não a carrego no bolso todos os dias. Mas eu ainda tentei retrucar, dizendo que eu havia feito a compra naquela loja e que seria fácil resgatar o número da nota na própria loja. Ele respondeu, sorridente: " a norma diz que eu tenho que levar a nota fiscal". Não bastava só as minhas informações e não houve Cristo que a fizesse procurar um jeito de resolver o problema, sem que a tal da nota fiscal estivesse presente.

Resultado, o meu telefone continua desligando sozinho. Então, se, por acaso, você me ligar e estiver na caixa postal, já sabe o porquê.

CASO 3 - MATERIAL DE CONSTRUÇÃO

Recentemente, minha namorada tomou conhecimento através de uma intensa campanha de publicidade, que uma nova loja de materiais para construção havia sido inaugurada nas imediações com promoções, atendimento e condições de pagamento imbatíveis.

Como ela está reformando o apartamento resolveu ir lá num domingo à tarde. Para começar, já houve um problema danado para encontrar alguém disponível para atender-nos, pois a loja estava lotada (o país está em crise, lembra-se?) e o número de funcionários subdimensionado. Depois de algum tempo conseguimos ser atendidos por um rapaz muito sorridente e realizamos a compra (R$ 800,00). Na hora de pagar, algumas opções de pagamento foram oferecidas. Uma delas de "x" vezes sem juros que nos atraiu. Aí começou o martírio, pois para aprovação deste crédito seriam necessárias 2 horas. Tentamos argumentar, mas, sabe como é, é uma norma da empresa. Já muito aborrecida, minha namorada disse que desistiria da compra e recebeu como resposta um sonoro: "A senhora que sabe". E foi o que ela fez. Desistiu da compra e foi ao concorrente, onde teve o seu problema resolvido.

Eu poderia ficar narrando uma infinidade de casos que aconteceram comigo, amigos e conhecidos, mas tenho a certeza de que com vocês já aconteceu coisa parecida ou pior. Por isso, eu acho que as empresas deveriam parar com essa hipocrisia de apregoar que o cliente tem sempre razão ou que o cliente é nossa razão de existir, se não estiverem preparadas para fazer isto com competência.

Em uma época que se fala em marketing "one-to-one" parece-me um contra-senso fazer todo mundo se adequar às mesmas normas. O melhor seria assumir que isto não é para nós e deixarmos de enganar o povo com promessas que não temos capacidade de cumprir.

Parece meio piegas, mas na Bíblia está escrito "Amai ao próximo como a ti mesmo." que, traduzindo, significa, "Faça aos outros aquilo que gostaria que te fizessem". Mas as pessoas parecem que se esqueceram que também são clientes e são mal tratados e, talvez por isso, encontram sempre uma forma de descontar esses mal tratos no próximo.

Por isso, se quiser fazer um bom atendimento ao cliente, use a INTELIGÊNCIA ou, então, pare com essas mentiras.

Até agora falamos dos paradoxos que existem entre a proposta e a realidade. E nosso foco caiu sobre o atendimento ao cliente.

Quero, agora, continuar a mostrar como os seres humanos são paradoxais e como tendem a não serem coerentes em suas posturas e opiniões e, consequentemente, como isto se reflete em suas ações, principalmente quando as emoções tomam conta.

Quero me prender a um fato recente. Ontem tivemos a primeira partida da final do campeonato brasileiro reunindo duas equipes que mais pontuaram durante o torneio e que foram "endeusadas" como as equipes mais eficientes por causa de uma única preocupação. A de jogarem no ataque. Ambos os times têm esta características o que faz com que seus jogos sejam emocionantes. Quem teve a oportunidade de assistir ao jogo de ontem, mesmo que não goste de futebol, não pode deixar de notar que a partida foi vibrante, cheias de alternativas, com jogadas de gol e todos os ingredientes de um espetáculo digno de ser chamado de final do campeonato brasileiro.

E os "comentaristas" e o povo, até então, eram unânimes em dizer que o caminho para a ressurreição do futebol brasileiro estava aberto.

Entretanto, há um fator muito importante: O RESULTADO. Sim, pois ao final de qualquer empreendimento (futebol também), existe a aferição dos resultados (alguns gostam de chamar de ROI - Return on Investiment). E, como não pode deixar de acontecer em uma partida de futebol alguém ganhou (às vezes empata). E o clube de Curitiba acabou logrando vantagem.

Na mesma noite, zapeando os canais de televisão, vi alguns comentários de comentaristas, os mesmos que "endeusaram" a maneira ofensiva do São Caetano jogar futebol e propiciar espetáculo para quem assiste, que diziam que o São Caetano deveria se preocupar mais com sua defesa e não jogar tão aberto assim, pois afinal, era a final do campeonato, etc, etc, etc.

Que paradoxal. Enquanto estava ganhando e agradando ao "cronistas" a tática do São Caetano era maravilhosa, a redenção do futebol brasileiro. Mas quando perdeu e viu suas chances de ser campeão diminuírem, a tática não poderia ser tão ofensiva assim.

O mestre Telê Santana também montou uma seleção para disputar a Copa de 82, suja característica era jogar um grande futebol, mas perdeu. Mas nunca o Telê foi culpado pelo povo por não ter ganho a copa. Quem o esculhambou foi a imprensa.

Mas o que isto tem a ver com o espirito do JOURNAL, que trata de assunto de marketing ? TUDO.

O futebol é um espetáculo e, por isto mesmo é feito para o público. Só que quem dá palpite e quem comanda o circo são os cronistas e os diretores (não necessariamente nesta ordem). Portanto, o cliente (POVO) não recebe a menor consideração, mesmo porque o fato de um time não ser campeão não o faz perder CLIENTES (torcida). Pelo contrário. O Corínthians Paulista ficou 22 anos sem ser campeão e sua torcida só cresceu.

Então onde está o foco do negócio ? Com certeza não no cliente. E o que ele quer. Espetáculo. Lances bonitos. Vibração. Encantamento. E não jogo feio, chutão pro mato, violência, retrancas e etc. No final, o resultado pesa, mas acaba não importando, pois a satisfação de ter assistido ou participado de um grande evento fica, para sempre.

Assim as empresas deveriam se comportar. Traçando suas estratégias agressivamente, jogando para o ataque, buscando ganhar mercado, sem se importar com os apagões, as Torres Gêmeas, a recessão americana, e outras coisas.

Certo que, de uma certa maneira, tudo está interligado, mas esta teia tende sempre a te puxar para baixo, para jogar na retranca, para dar chutão pro mato e tentar, de todas as maneiras, não perder o campeonato. Mas e o prazer de jogar ?

Será que é por isto que existe tanta gente desmotivada em nossas empresas ?

Sidney Coldibelli é presidente da Inteligência de Marketing Ltda