O uso do marketing viral no processo de gestão de marcas: Estudo
de caso do vídeo "Touch of Gold" da Nike
Henrique de Avellar Vieira França e Lilian Brandão Carvalho
03/04/2008
RESUMO
Apresenta uma reflexão sobre o uso de estratégias de comunicação
alternativas como o marketing de guerrilha e o marketing viral por
parte das empresas como ferramentas no processo de fortalecimento da
imagem e gestão das marcas. Discorre sobre as mudanças na maneira de
se pensar a comunicação e a publicidade com o declínio dos meios de
comunicação de massa, o uso da internet como veículo e suas
potencialidades. Adota como estudo de caso a empresa americana de
artigos esportivos Nike, utilizando como objeto de pesquisa a ação
de marketing viral com o vídeo "Touch of Gold", estrelado pelo
jogador brasileiro Ronaldinho Gaúcho, visto por milhões de pessoas e
disseminado em diversos sites de compartilhamento de vídeos e que
gerou grande mídia espontânea, sendo exibido em programas esportivos
e jornalísticos em todo o mundo. Utiliza como metodologia
entrevistas em profundidade na pesquisa dos efeitos e percepção do
público com relação ao vídeo e conseqüente associação à marca Nike.
PALAVRAS CHAVE
Marketing de guerrilha, viral, branding, Nike
1 INTRODUÇÃO
A eficiência da publicidade através dos meios de comunicação de
massa tem sido bastante discutida nos últimos anos por muitos
profissionais de comunicação e marketing, comunidade acadêmica e
diversos autores, que apontam um declínio dos mesmos, como é o caso
de Al Ries (2002). Os consumidores estão cada vez menos receptivos
aos anúncios veiculados por estes meios, seja pelo excesso de
mensagens publicitárias a que as pessoas são submetidas diariamente,
pela perda da credibilidade ou pelas mudanças de hábito de consumo
dos meios de comunicação de massa. Soma-se a este contexto a
segmentação de mercado e a conseqüente pulverização dos veículos,
fazendo com que as audiências sejam cada vez menores, bem como o
poder de persuasão das mensagens diante de um consumidor cada vez
menos influenciável.
Com a queda da audiência e os custos ainda altos de produção e
veiculação, as empresas têm buscado alternativas para se comunicarem
com seus consumidores e clientes potenciais. Uma série de tendências
estão despontando em todo o mundo e chegando também ao Brasil,
provocando verdadeiras revoluções na maneira como as pessoas têm
pensado a comunicação e a publicidade. A Internet e as mídias
digitais têm evoluído rapidamente, juntamente com o processo de
inclusão digital. Seu potencial ainda é pouco explorado,
principalmente se analisados os recursos que elas oferecem, tal como
a interatividade. Sites, comunicadores instantâneos, redes de
relacionamentos, sites de compartilhamento de vídeos e blogs ainda
são instrumentos de comunicação pouco explorados por grande parte
das empresas, que não sabem das possibilidades que estes oferecem ou
não sabem como aproveitá-las.
Mais do que simplesmente comunicar e publicizar seus produtos e
serviços, as empresas estão percebendo cada vez mais a importância
de gerir seu principal ativo intangível, aquilo que lhes confere seu
caráter único: a marca. A similaridade entre os produtos e a
facilidade de imitação de atributos como o preço tem feito com que
as empresas procurem estabelecer no mercado mais do que diferenciais
competitivos, mas uma relação emocional entre seus consumidores e
suas marcas, com o objetivo de fortalecer e construir uma imagem
positiva da mesma, de acordo com as estratégias mercadológicas. Como
defende Keller (2006), construir uma marca forte proporciona um
maior reconhecimento e lealdade do consumidor, permite uma
estratégia de preços mais elevados, possibilita um custo menor de
publicidade, aumenta o poder de barganha junto aos fornecedores,
dentre outros. Para alcançar esses objetivos, as empresas têm
procurado se posicionar na mente de seus consumidores de forma
única, proporcionando experiências positivas que transmitam seus
valores e conceitos. A questão é como alcançar estes objetivos,
quais os meios e instrumentos que permitem os melhores resultados e
como utilizá-los.
O uso de mídias não-convencionais e ferramentas alternativas de
marketing e comunicação no processo de construção de valor e
fortalecimento das marcas tem sido visto como tendência em vários
países, mas o assunto ainda é pouco discutido no Brasil, apesar de
alguns sinais de mudança, em especial por parte das agências de
comunicação. A bibliografia existente é escassa e grande parte dos
textos sobre o tema se restringe a falar da importância das marcas e
da necessidade de construção de valor e posicionamento, sem entrar
no cerne da questão de como este processo ocorre ou quais
instrumentos podem ser utilizados, ou oferecem receitas de sucesso
generalistas que não dão conta das especificidades dos negócios,
identidade e valores de cada empresa.
Neste sentido, este trabalho tem como objetivo analisar como a
empresa norte-americana Nike tem utilizado as mídias
não-convencionais como parte de sua estratégia global de
posicionamento, fortalecimento de seus valores e de sua marca. Para
tanto, adotaremos como estudo de caso o vídeo "Touch of Gold" (toque
de ouro, em português), veiculado na Internet e que gerou grande
repercussão no mundo inteiro. Por meio de uma pesquisa qualitativa,
utilizando a metodologia de entrevista em profundidade, buscaremos
analisar os efeitos desse vídeo na percepção dos consumidores com
relação à marca.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 Meios de Comunicação de Massa
Historicamente, os meios de comunicação de massa são caracterizados
como aqueles capazes de atingir simultaneamente uma grande audiência
em um curto espaço de tempo, como é o caso da televisão, rádio,
jornais e revistas. Durante muitos anos, estes meios concentraram
quase toda a verba publicitária das empresas e agências, pelo seu
poder de persuasão e capacidade de levar a mensagem dos anunciantes
a milhares de lares e pessoas. A mensuração palpável da audiência
fortalecia os meios e seus principais veículos, que reinaram
absolutos como as únicas opções de se realizar campanhas
publicitárias. Diversas marcas tornaram-se conhecidas e alavancaram
seu sucesso graças aos comerciais de 30 segundos veiculados durante
o horário nobre da programação das emissoras de televisão e anúncios
de página dupla nas principais revistas.
Contudo, esta realidade tem mudado. Diversos fatores tem contribuido
para essa transformação, além da evolução natural dos mercados. O
certo é que:
(...) as formas de mídia tradicionais como a televisão, os jornais,
as revistas e o rádio não são mais tão eficazes em promover vendas
quanto o eram no passado, porque os mercados estão mudando e a mídia
precisa chegar aos melhores clientes potenciais do produto de
maneira muito mais seletiva. (SISSORS & BUMBA, 2001, p. 15).
Kotler (1999) ressalta a importância que as mídias tradicionais
ainda possuem, mas defende a mesma idéia da perda de sua força,
apontando a fragmentação do mercado e a consequente pulverização da
mídia como um dos fatores principais. A diminuição do poder de
persuasão e de atingir a mente dos consumidores também pode ser
medido em números: "Em 1965, nos EUA, 34% dos telespectadores
adultos podiam citar um ou mais comerciais que eles haviam visto num
break poucos instantes antes. Esse índice foi reduzido para 8% em
1990. (LONGO, 2005, p.120). A atenção das audiências está muito mais
disputada, tanto pela concorrência "interna" dos diversos veículos
quanto pela "externa" com outros meios como a Internet. As múltiplas
opções de canais por assinatura e o fenômeno do zapping (troca de
canais rápida) fazem com que os telespectadores e o público em geral
sejam menos receptivos à publicidade, muito devido ao seu caráter
invasivo: "É o intervalo comercial interrompendo o programa, o
anúncio na revista interrompendo o artigo, o spot interrompendo a
programação musical, e assim sucessivamente" (LONGO, 2005, p. 97).
Esse panorama foi consolidando uma resistência dos consumidores,
como defende Toscani:
Todas as pesquisas sociológicas referentes à mídia constatam a mesma
coisa: o consumidor está ficando com raiva dos anúncios, foge dos
comerciais, passa correndo as páginas publicitárias dos jornais, não
memoriza mais, a publicidade torna-se transparente (TOSCANI, 1996,
p. 28).
As recentes tecnologias TiVo e Replay, que permitem que sejam
suprimidos todos os comerciais das transmissões, os recursos de
disco rígido interno presente em alguns equipamentos - que permitem
a gravação em tempo real e pause ao vivo dos programas e
consequentemente o avanço dos intervalos - oferecidos por operadoras
de televisão fechada, aparelhos de TV e outros produtos, demonstram
a insatisfação dos consumidores com relação aos moldes da
publicidade, tanto no conteúdo quanto na forma, utilizando os meios
de comunicação de massa. Mesmo profissionais tradicionais no mercado
publicitário que pautaram suas carreiras com as mídias tradicionais,
como Nizan Guanaes, atual presidente da agência África, já
perceberam que o modelo de se pensar e de se fazer comunicação passa
por um período de mudanças. Em entrevista à Revista Pasta, do CCSP -
Clube de Criação de São Paulo em novembro de 2006 afirmou: que
"(...) o problema com a propaganda tradicional não é porque ela é
propaganda, é porque ela é tradicional".
Muitas empresas não estão alheias a estas mudanças. Percebendo esta
tendência e a queda das mídias tradicionais, estão reduzindo seus
investimentos publicitários nos meios de comunicação de massa.
Levantamento feito pela publicação Advertising Age e pela TNS Media
Intelligence revelou que as 25 empresas que mais gastaram em
publicidade nos últimos 5 anos cortaram em US$ 767 milhões seus
gastos em mídia tradicional, somente no ano de 2006. (STORY, 2007)
2.2 Mídias Alternativas
As mídias alternativas são aquelas disponíveis para o uso de
mensagens publicitárias excetuando-se as chamadas mídias
tradicionais: televisão, rádio, revistas e jornais. Segundo
definição de Sissors e Bumba, mídia alternativa pode ser
classificada como:
Quase todo modo inovador de se transmitir mensagens publicitárias
aos consumidores. Costuma estar menos sujeita a interferências do
que a mídia convencional e funde mensagens publicitárias utilizando
recursos que normalmente não são chamados de mídia. A demanda se
baseia na necessidade de se encontrarem melhores maneiras de
alcançar consumidores que tenham alterado seus hábitos de vida ou
pertençam a categorias de marketing novas e diferentes das
tradicionais (SISSORS; BUMBA, 2001, p. 133).
Os norte-americanos passaram a chamá-las também de no media, "não
mídia", como uma negação às mídias convencionais de massa. Os
conceitos above the line e below the line também são utilizados por
alguns estudiosos, mas a definição de uma linha exata que
determinasse o que é tradicional e o que é alternativo gera
controvérsias, não sendo o objeto deste artigo.
As mídias alternativas surgiram como opções mais viáveis (geralmente
por envolverem custos menores) e mais interessantes no sentido de se
atingirem públicos-alvo específicos. Por terem uma abrangência
menor, seus custos são também menores, mas o que não significa perda
na eficácia dos objetivos de comunicação. As novas mídias têm se
encaixado justamente na tentativa de se atingir targets específicos
dentro de um contexto de público-alvo e produtos cada vez mais
segmentados no mercado, além de permitir maneiras inovadoras para
despertar a atenção do público. Os profissionais de mídia das
agências de publicidade contam com uma gama de opções muito maior e
podem auxiliar os diretores de criação e planejamento das agências
de publicidade no processo de criação, adequando conceitos às novas
mídias, principalmente as que estão presentes com mais intensidade
no dia-a-dia das pessoas. Tudo hoje pode ser utilizado como mídia,
desde escadas-rolantes a elevadores, basta o uso da criatividade:
A nova mídia tem ao menos dado aos planejadores mais opções do que
tinham no passado para alcançar audiências-alvo. Se a precisão
melhora e vai além dos segmentos sociais (para uma mistura de
segmentos, estilos de vida e grande potencial de vendas), então a
nova mídia é melhor do que a tradicional. Outro elemento da nova
mídia é que muitas vezes ela fornece os meios para fazer um
planejamento de mídia mais criativo. Algumas dessas técnicas são
inovadoras e mais interessantes do que a mídia tradicional e podem
ajudar a fazer uma mídia mais efetiva na distribuição de mensagens
dos anunciantes". (SISSORS, BUMBA, 2001, p.282).
Dentro do contexto do declínio das mídias tradicionais e mudança de
perfil e hábitos dos consumidores, as empresas e profissionais de
publicidade e marketing têm encontrado nas mídias alternativas
soluções para escapar do lugar-comum e dos clichês, sobretudo quando
se trata da conquista do envolvimento por parte dos consumidores, na
tentativa de "impulsionar esse sistema publicitário que anda em
círculos, incita a consumir cada vez mais e já não convence"
(TOSCANI, 2002, p.25). Diante da concorrência acirrada e semelhança
entre os produtos e serviços, conectar-se emocionalmente com o
público tem sido o diferencial de muitas marcas. As mídias
alternativas se encaixam neste contexto na medida em que permitem
uma maior interação com os públicos, sobretudo nas grandes cidades
que apresentam uma maior variedade de espaços de interação (metrôs,
shopping centers, mobiliário urbano). As potencialidades da Internet
como mídia e algumas de suas potencialidades de interação serão
tratadas em tópico posterior.
2.3 Marketing de guerrilha
O termo Marketing de Guerrilha tem origem na guerrilha bélica, de
potencializar os recursos existentes. Foi cunhado pela primeira vez
em 1982 pelo norte-americano Jay Conrad Levinson, um estudioso que
assim denominou o uso consciente dos recursos de marketing, idéias e
estratégias alternativas ao invés de grandes orçamentos, a confiança
no poder do cérebro ao invés do poder do dinheiro. Surgiu como uma
alternativa para as pequenas empresas enfrentarem grandes
concorrentes, mas em pouco tempo passou a ser utilizado por grandes
empresas em todo o mundo na tentativa de se destacar em meio à
saturação do mercado, onde milhares competem da mesma forma, nos
mesmos locais.
Os objetivos do marketing de guerrilha foram bem expostos pelo
diretor de planejamento e criação da agência Espalhe (primeira
agência especializada em marketing de guerrilha nos país), Gustavo
Fortes, em artigo publicado no Meio e Mensagem de maio de 2007.
Segundo ele, "as armas de guerrilha são o boca-a-boca e a mídia
espontânea. No marketing de guerrilha, o objetivo não é simplesmente
informar. É fazer com que quem recebe a mensagem tenha vontade de
passá-la pra frente". Para tanto, é preciso criar um conceito forte
para que as pessoas passem este conceito para frente por vontade
própria, seja em uma mesa de bar, seja em um blog ou um jornal
impresso.
Para alcançar estes objetivos, as ações de marketing de guerrilha
buscam chamar a atenção do público de forma inusitada e criativa,
promovendo uma experiência capaz de potencializar o envolvimento das
pessoas, aproximando o produto/marca do público. Segundo matéria do
New York Times (STORY, 2007), de olho nessa idéia "muitos
profissionais de marketing estão tirando enormes verbas de seus
orçamentos para mídia tradicional e usando o dinheiro para
desenvolver novas interações mais diretas com os consumidores, não
só pela internet, mas no mundo real". O desafio se encontra em
utilizar a criatividade no estabelecimento de mensagens pertinentes
utilizando formatos adequados de forma inusitada, capazes de
entreter o público e proporcioná-lo experiências que se conectem de
maneira emocional com ele.
O marketing de guerrilha está amplamente ligado ao chamado buzz
marketing. A palavra buzz significa zumbido, em inglês, e seu
conceito está ligado ao fenômeno da repercussão positiva ou negativa
em torno de um fato, o quanto se comenta e discute sobre uma ação ou
acontecimento. Uma ação de buzz marketing gera o excitamento que
estimula as pessoas a comentarem sobre a ação de marketing. Quanto
mais as pessoas comentam, dizemos que maior é o buzz, seja ele por
meio do boca-a-boca nas ruas, por blogs, sites ou grandes veículos
de comunicação. Por isso sua mensuração e controle é algo muito
complexo.
2.4 Web 2.0 e Marketing Viral
A internet é a grande potencializadora das ações de buzz marketing e
do marketing de guerrilha como um todo. Nos últimos anos, a internet
tem se consolidado como um meio democrático de divulgação de
informações e opiniões em que o público consegue ter acesso a uma
gama infinitamente maior de possibilidades do que através das mídias
de comunicação tradicionais. A informação acontece em escala
mundial, os dados e as mensagens são transmitidos de qualquer lugar
do mundo com grande facilidade e velocidade. Segundo dados do IBOPE
NetRatings, estima-se que em todo o mundo já existam cerca de 450
milhões de internautas, sendo 295 milhões deles ativos. O Brasil é
atualmente um dos países com maior número de internautas: 18 milhões
de usuários da internet com computador em casa. Em fevereiro de
2005, 11 milhões fizeram uso da web em suas residências.
As empresas e agências de comunicação estão começando a enxergar na
internet um grande potencial, apesar de ser responsável por uma
fatia pequena no mercado brasileiro. Contudo, muitos estão se
movimentando nesse sentido, atraídos não só pelo crescente número de
usuários (a internet é a 3ª maior mídia em alcance, perdendo apenas
para a TV e o rádio), mas também pelas possibilidades de comunicação
e interatividade proporcionadas pelo meio. Segundo dados do projeto
Inter-Meios, que monitora o investimento publicitário no mercado
brasileiro, enquanto o investimento publicitário geral cresceu 9% na
média geral, o meio Internet teve um crescimento de 45,7%. (LENT,
2008). Acompanhando o crescimento da Internet está o acesso cada vez
maior da população e dos internautas a novas tecnologias como
câmeras digitais e filmadoras, que ajudaram a construir um novo
cenário, com a facilitação da difusão de conteúdo. Nesse contexto,
surgiu o conceito da Web 2.0:
O termo Web 2.0 é utilizado para descrever a segunda geração da
World Wide Web, tendência que reforça o conceito de troca de
informações e colaboração dos internautas com sites e serviços
virtuais. A idéia é que o ambiente on-line se torne mais dinâmico e
que os usuários colaborem para a organização de conteúdo. (FOLHA DE
SÃO PAULO, 2006)
Na web 2.0, os usuários são capazes de participar mais ativamente do
processo comunicativo, servindo como gerador e transmissor de
conteúdo. Sites de relacionamento como o Orkut e o Myspace, de
compartilhamento de vídeos como o Youtube e o Google Vídeo, e de
fotos como o Flickr e os fotologs permitiram o crescimento e
fortalecimento do conteúdo gerado pelo consumidor, ou apenas C.G.C
(de origem no inglês, Consumer Generated Content) e uma consolidação
do marketing de guerrilha: "Neste sentido, a Internet facilitou
muito a vida dos guerrilheiros de marketing. Ficou muito mais fácil
para o consumidor passar uma mensagem para frente. E com os blogs e
redes sociais, a mídia nunca foi tão espontânea". (PEREIRA, 2008)
Essa facilidade na divulgação das informações e do conteúdo fez
crescer também as ações de marketing viral. Segundo definição do
Blog de Guerrilha, "Marketing Viral é a ferramenta de marketing de
guerrilha que cria um conteúdo (...) para ser passado pra frente
espontaneamente como um vírus". O nome viral tem origem na Biologia
e está relacionado ao potencial de uma mensagem de se reproduzir
rapidamente em progressões geométricas, proliferando-se de um
hospedeiro para outro, tal qual os vírus. Utilizando as
redes-sociais existentes na internet, o marketing viral resgata os
princípios da comunicação boca-a-boca, mas de forma on-line. A
confiança nas pessoas é muito maior do que nas empresas, até mesmo
pela perda da credibilidade dos meios de comunicação: "7 em cada 10
pessoas que recebem um comunicado pelo computador passam-no adiante
a outros amigos" (SALZMAN, MATATHIA e O'REILLY, 2003, p.149).
Contudo, poucas são as empresas que se preocupam com a idéia de que
a mensagem precisa gerar envolvimento por parte do público, causar
algum nível de interesse e/ou identificação com relação à mensagem
para que as pessoas realmente a disseminem. Algumas perguntas devem
ser feitas, como:
Qual a dimensão de minha mensagem de marca? Essa é a pergunta que
você deverá fazer ao considerar se vale a pena criar buzz para uma
mensagem. Quererão as pessoas falar a respeito dela? Dar-se-ão ao
incômodo de passá-la adianta por e-mail? (SALZMAN, MATATHIA e
O'REILLY, 2003. p. 76)
Outro ponto importante é a identificação dos diversos níveis de
públicos existentes e classificação dos geradores de tendências, que
agem como principais vetores das mensagens virais. As empresas
precisam conhecer o grupo de pessoas que gostam de se sentir "por
dentro", gostam de ser os primeiros a saber e experimentar,
desempenham papéis de liderança e são formadores de opinião em
determinados segmentos. São eles quem irão influenciar outros
disseminadores e ajudaram a espalhar a mensagem ao restante do
público. Mesmo com todos esses esforços, não se pode esquecer que
quem irá definir o sucesso ou não de uma campanha de marketing viral
é justamente o público.
Quando desenvolvemos uma ação de marketing viral, nós dizemos para o
cliente que esta tem potencial viral, ou seja, acreditamos que um
determinado grupo de pessoas irá se interessar pelo assunto e
passará a mensagem, espontaneamente, pra frente. Não podemos afirmar
que ela será passada para frente, só saberemos realmente quando a
ação começar. (FORTES, 2008)
Algumas poucas empresas conseguiram muito sucesso em ações de
marketing de guerrilha e marketing viral, utilizando-os para a
construção de mensagens com conceitos fortes que se disseminaram em
todo o mundo, gerando muita mídia espontânea e repercussão, ajudando
no processo de fortalecimento de sua marca como o caso da Nike.
2.5 Nike
2.5.1 Histórico
A história da empresa americana Nike Inc. começou no ano de 1962,
ainda com o nome de Blue Ribbon Sports. Com a intenção de combater a
marca alemã Adidas e conquistar uma fatia do mercado, a empresa
passou a representar a japonesa Asics Tigers. Na década seguinte, a
empresa estabeleceu estratégias de terceirização da produção,
internacionalização do consumo e passou a fazer associação com
atletas de reputação internacional. O famoso símbolo da marca,
chamado de Swoosh, foi criado em 1971 e hoje já consegue a façanha
de representar a marca Nike sem nenhuma tipografia. O nome Nike
surgiu pouco tempo depois e teve origem na deusa grega da vitória
"Niké", que de acordo com a lenda podia voar e correr em grandes
velocidades. A história da expansão internacional da empresa começou
em 1978 com a entrada no mercado sul-americano e distribuição dos
produtos na Europa.
A partir dos anos 80, o investimento em pesquisa e desenvolvimento,
design e marketing permitiram um grande crescimento da empresa.
Nesse período, a Nike "lançou calçados após calçados para um público
receptivo e ávido pela próxima novidade" (SALZMAN, MATATHIA e
O'REILLY, 2003. p.112). Os superastros do esporte endossavam a
supremacia funcional dos produtos, valorizados nas situações de uso
e adaptados aos consumidores não só para as práticas esportivas de
competição, mas também para as atividades do cotidiano, de lazer e
saúde. A criação de suas lojas conceituais, as Nike Town, fortalecia
o apelo de status de seus produtos, oferecendo aos clientes mais do
que simplesmente artigos esportivos, mas experiências de compra que
proporcionavam um vínculo emocional. É neste período também que a
empresa começa sua bela trajetória na publicidade, marcada pelo
slogan criado em 1998. Just to it (apenas faça, em português, mas
reproduzido sem traduções), funcionava como um chamado para a ação e
a atividade física.
A partir da década de 90, a Nike reposicionou-se e decidiu que não
seria apenas uma empresa de tênis, mas sim uma empresa de artigos
esportivos. Essa mudança de mentalidade permitiu a expansão para
diversos esportes nos quais a Nike tornou-se referência, como o caso
do golfe. O futebol, considerado o esporte número um do mundo, foi
essencial para o crescimento da marca. Para tentar derrotar a rival
Adidas na Copa do Mundo de Futebol realizada nos Estados Unidos em
1994, a Nike se concentrou em associar-se a jogadores jovens e
talentosos, que se encaixavam dentro do perfil da imagem que a
empresa queria transmitir. A estratégia deu certo e a Nike passou a
investir no patrocínio de seleções e atletas. A partir de 2000 a
empresa passou a destacar em suas campanhas habilidade e
criatividade, ginga e ritmo, misturando jogadores profissionais com
amadores, mas como todos mostrando o amor pelo jogo e o prazer de
jogar.
2.5.2 Posicionamento e gestão da marca
Uma das maiores autoridades do conceito de posicionamento, Porter
(1999) afirma que a essência do pensamento em estratégia é eleger
uma posição única e valiosa baseada em sistemas de atividades que
sejam muito mais difíceis de monitorar. Ao longo dos anos, a Nike
conseguiu se tornar um ícone global e símbolo da tecnologia
esportiva e da paixão pelo esporte. É uma empresa inovadora que
investe em pesquisa e desenvolvimento de produtos, mas que se
estabelece como uma marca forte pelo aspecto emocional: é uma
empresa que transmite uma energia jovem e de vitalidade, que
estimula a emoção e a paixão pelo esporte
Nos últimos trinta anos, a Nike se transformou numa das marcas mais
expressivas e reconhecidas do mundo. E conseguiu isso não só porque
seus produtos são de boa qualidade, mas porque também vende ícones e
não apenas calçados. O segredo da Nike foi sustentar um fluxo
constante de inovação, manter a marca na mente dos consumidores e
preservar sua imagem de empresa autêntica, voltada para os jovens,
esportiva e jovial. (SALZMAN, MATATHIA e O'REILLY, 2003. p. 112)
A força de sua marca e sua credibilidade foram conquistadas
principalmente pela associação com atletas-ícone em diferentes
categorias esportivas e pelo investimento em pesquisa e
desenvolvimento e em design. Os atributos físicos e o desempenho de
seus produtos recebiam a chancela dos grandes atletas como o jogador
de basquete americano Michael Jordan, que representavam o espírito
da empresa. Na medida em que não precisava destacar os aspectos
tangíveis de seus produtos, a Nike podia produzir anúncios mais
conceituais, nos quais a prioridade é o aspecto estético: cores,
sons e imagens ajudam a construir a simbologia e destacar a magia e
a beleza do esporte. O slogan "just do it" impulsiona a
identificação com as pessoas comuns que praticam esportes,
aproximando a Nike àquilo que o esporte significa para os atletas de
fim-de-semana, valorizando não só a competição, mas o amor pelo
esporte.
Nos últimos anos, a Nike passou a adotar estratégias de marketing
capazes de aproximá-la de seus consumidores, ações capazes de
promover um vínculo emocional com as pessoas de maneira criativa,
utilizando linguagens adequadas ao perfil de seu público. "Mais e
mais, a marca vem sendo comparada a gigantes do design como a Apple
e a Sony por sua capacidade consistente de encantar o público com
formatos inovadores e marketing divertido". (SALZMAN, MATATHIA e
O'REILLY, 2003. p.114). A Nike tem visto a publicidade de uma
maneira diferente e diminuído consideravelmente seus investimentos
em mídia tradicional. "A empresa gastou em 2006 apenas 33% de sua
verba de marketing (US$ 678 milhões nos EUA) em comerciais de TV e
anúncios em outras companhias de mídia tradicional. Uma queda de 55%
nos últimos 10 anos, de acordo com a publicação Advertising Age."
(STORY, 2007). Outras empresas estão seguindo o mesmo caminho. De
acordo com o Nielsen Monitor-Plus, o gasto com publicidade
tradicional caiu de 70% para 45% de 2006 para o primeiro semestre de
2007, segundo matéria do New York Times.
Os executivos da Nike já sabem que os consumidores não reagem mais
da mesma maneira aos anúncios de mídia de massa. Joaquin Hidalgo,
vice-presidente de gestão global da Nike, afirmou em entrevista ao
New York Times: "Nós automaticamente não pensamos mais em
televisão". Na matéria, o executivo explicou os motivos dessa
mudança: "Houve um tempo em que marcas como a Nike podiam dizer às
crianças por meio da televisão o que era legal, o que estava na
moda, o que não estava, porque era a única janela que eles tinham
para o mundo. Isso mudou completamente agora". Ainda na mesma
matéria, o diretor global para conexões de marca da Nike, Stefan
Olander, explicou os objetivos de marketing da empresa "Nós queremos
achar um caminho de elevar a experiência e os serviços, ao invés de
procurar uma maneira de interromper as pessoas de irem para onde
elas querem ir". A empresa continua tendo uma forte presença na TV,
por meio do patrocínio de vários atletas, mas suas atenções estão
voltadas para a internet, onde são exibidos seus comerciais.
Tevor Edwards, vice-presidente global de marca da Nike, reafirmou a
posição da empresa com relação aos meios de comunicação de massa:
"Nós não estamos no negócio de manter as empresas de mídia vivas
(...) nós estamos no negócio de nos conectarmos com os
consumidores". Para conseguir este objetivo, a Nike tem investido em
ações capazes de gerar experiências positivas e transmitir seus
valores e conceitos de maneira diferenciada, como o marketing de
guerrilha. Com isso, tem conseguido superar seus concorrentes. Em
entrevista ao portal Mundo do Marketing, Gustavo Fortes exemplifica
alguma dessas ações:
Nas copas do mundo, a patrocinadora oficial sempre foi a Adidas.
Depois de pesquisa global feita no mundial de 2006, as pessoas
achavam que a patrocinadora oficial do evento era a Nike. Na copa de
1998, em Paris, você só via ações da Nike acontecendo em vários
lugares. Ações inteligentes, legalizadas pela prefeitura, ações que
fazem o público pensar que a Nike realmente é a patrocinadora da
copa. Os patrocinadores oficiais, em minha opinião, desembolsam uma
grana preta (US$ 45 milhões) e pensam: "Pronto! Já estou
patrocinando, tudo bem" enquanto que a Nike faz essas ações, aparece
muito mais, está mais próxima do cliente e as pessoas ficam com a
percepção de que ela é a patrocinadora. Isto se chama marketing de
emboscada. (TERRA, 2007).
O crescimento da Nike demonstra o sucesso das ações utilizando
mídias alternativas e marketing de guerrilha não só no
fortalecimento da marca, mas nos resultados das vendas da empresa:
"As vendas globais da Nike subiram nos últimos 4 anos - de US$ 10
bilhões para de US$ 16 . E os executivos dizem que o novo tipo de
marketing é uma parte desse resultado." (STORY, 2007).
2.5.2 O vídeo "Touch of Gold"
No ano de 2005, a Nike criou a campanha "Joga Bonito" especialmente
para a Copa do Mundo da Alemanha que seria realizada no ano
seguinte. A proposta era mostrar que o futebol deveria sempre ser
jogado bonito, destacando-se a criatividade e a habilidade, fazendo
com que o esporte ficasse mais alegre, justo e com menos racismo e
violência. Em 20 de outubro de 2005, para marcar mundialmente o
lançamento desta campanha, a empresa apostou no marketing viral e ao
invés de utilizar comerciais na televisão, adotou como estratégia a
distribuição de um vídeo de 2min44 com o jogador brasileiro de
futebol Ronaldinho Gaúcho em sites de compartilhamento de vídeos.
Sem ter o formato de anúncios publicitários, o vídeo surgiu na
internet de forma aparentemente despretensiosa, como se fosse o
registro da habilidade do jogador em seu dia-a-dia.
No vídeo, batizado com o nome "Touch of Gold", o jogador brasileiro
recebe um novo par de chuteiras da Nike durante um treinamento do
clube espanhol Barcelona, onde joga. Começa a brincar com a bola,
como se estivesse testando o produto, fazendo embaixadinhas. Depois
de alguns toques, chuta a bola em direção ao travessão de um dos
gols e faz a bola voltar em seu peito, repetindo a façanha por mais
3 vezes consecutivas sem deixar a bola cair, em seguida continua
brincando com a bola por algum tempo. Ao final do vídeo, a logomarca
da Nike aparece e a indicação do site especial da empresa voltado
para o futebol.
Como uma epidemia, rapidamente o vídeo se espalhou pela internet,
envolto também na polêmica se Ronaldinho realmente havia conseguido
realizar aquilo ou se o vídeo havia sido editado e manipulado
digitalmente pela Nike. A grande habilidade do jogador, considerado
o melhor do mundo pela FIFA em 2004 e 2005, era um bom argumento
para os que acreditavam na veracidade do vídeo. A Nike não se
pronunciava e o próprio Ronaldinho afirmava que o comercial não era
uma montagem:
Ronaldinho Gaúcho jura de pés juntos que as cenas apresentadas na
nova propaganda da Nike - em que chuta a bola no travessão várias
vezes consecutivas - é verdade e não foram montadas. O jogador do
Barcelona se diz surpreso com o sucesso do comercial. (JACOBS, 2005)
De qualquer maneira, os admiradores do talento do jogador
brasileiro, principalmente os jovens, procuravam o vídeo e o
compartilhavam entre os amigos e parentes, para que todos pudessem
tirar suas próprias conclusões. Nas semanas seguintes à sua
divulgação, o vídeo figurou entre os 10 vídeos mais assistidos do
Youtube, atingindo mais de 15 milhões de visualizações. Ainda hoje,
após quase 3 anos de sua divulgação, o vídeo permanece entre os 50
mais assistidos da história do site, com mais de 21,6 milhões de
visualizações - é o vídeo com caráter publicitário que teve o maior
número de visualizações, contando com mais de 13.800 comentários,
além de outras versões do mesmo vídeo exibidas no próprio site e em
outros locais de compartilhamento de vídeos, isso tudo apesar do
baixo apelo do futebol nos Estados Unidos, país que concentra a
maior parte dos usuários do site, também norte-americano. (YOUTUBE,
2005)
Além de todas as visualizações na internet, o vídeo fez história
como um case de sucesso de marketing de guerrilha pela mídia
espontânea gerada. No mundo inteiro, o vídeo foi exibido na
televisão em centenas de programas esportivos, noticiários e outros,
além de virar matéria de jornais e revistas. No Brasil, o vídeo
chegou a ser exibido na íntegra até mesmo no programa Fantástico, da
TV Globo, um dos principais programas da maior emissora do Brasil,
além de ser assunto em todos os programas esportivos de sua grade.
Se a Nike tivesse que comprar todo o espaço de mídia ao redor do
mundo conquistado gratuitamente pelo vídeo, a empresa teria
desembolsado milhões de dólares e não teria conseguido a mesma
empatia do público.
2.6 Metodologia e Pesquisa
Poucas são as pesquisas referentes ao uso do marketing de guerrilha
- em especial do marketing viral - e suas potencialidades, sobretudo
utilizando a Internet como instrumento do planejamento estratégico.
Diante do declínio dos meios de comunicação de massa e crescente
adoção de ferramentas de comunicação alternativas, analisamos como a
empresa Nike utiliza com sucesso o marketing de guerrilha por meio
do vídeo "Touch of Gold", em uma ação de marketing viral que
repercutiu em todo o mundo. A pesquisa é necessária para compreender
a percepção do público diante de ações alternativas de marketing e
avaliar o sucesso da campanha. O objetivo da pesquisa é identificar
as sensações e atitudes das pessoas com relação ao uso do marketing
viral como estratégia de comunicação, buscando compreender a reação
do público e qual o papel dessa ação na construção e fortalecimento
da marca Nike.
A hipótese testada é a de que as mídias alternativas e o marketing
de guerrilha são capazes de transmitir valores e conceitos mais
fortes que os meios de comunicação de massa, proporcionando um
envolvimento maior do público, criando um vínculo emocional capaz de
fortalecer uma marca. Optou-se por uma pesquisa qualitativa
exploratória, capaz de fornecer informações mais detalhadas a
respeito dos sentimentos e pensamentos dos entrevistados. Malhotra
(2001, p.155) define a pesquisa qualitativa como a "metodologia de
pesquisa não-estruturada, exploratória, baseada em pequenas
amostras, que proporciona insights e compreensão do contexto do
problema".
O método de coleta dos dados, baseado na entrevista em profundidade,
possibilita conhecer em detalhe o pensamento dos entrevistados.
Entrevista em profundidade é "uma entrevista não-estruturada,
direta, pessoal, em que um único respondente é testado por um
entrevistador altamente treinado, para descobrir motivações,
crenças, atitudes e sensações subjacentes sobre um tópico."
(MALHOTRA, 2001, p.163). A abordagem direta, esclarece ao
respondente os objetivos do projeto. O público das entrevistas em
profundidade corresponde ao público-alvo da campanha de marketing
viral da Nike. A amostra é por conveniência, com a seleção de 04
pessoas do sexo masculino, classe AB, na faixa etária dos 15 aos 25
anos. Cada entrevista tem duração de 30 a 50 minutos e são
realizadas em locais distintos com a presença de dois
entrevistadores.
2.6.1 Resultados e discussão
Nas entrevistas realizadas, a opinião das pessoas não foi muito
divergente. Em diversos aspectos o pensamento dos entrevistados foi
semelhante. Contudo, cada entrevista revelou falas interessantes que
ajudam a compreender o contexto e a visão do público com relação aos
meios de comunicação de massa, a internet como mídia e a ação de
marketing viral da Nike. As entrevistas revelaram que apesar da alta
penetração dos meios de comunicação de massa, eles possuem baixa
segmentação. Embora possuam elevadas audiências, não há garantia de
que os anúncios são realmente vistos pelos consumidores, como
demonstram as frases nas entrevistas: "Eu já assisto televisão com o
controle remoto na mão". "Normalmente as propagandas se repetem
muito. É muito chato". "Parece que as propagandas não são feitas
para mim. Quando estou vendo TV só passa comercial de coisas que não
têm nada a ver comigo ou que eu não tenho dinheiro para comprar".
O uso da internet é comum a todos os entrevistados, embora um deles
acesse apenas quando está no trabalho. Da mesma maneira, o
compartilhamento de vídeos é realizado por todos. Os entrevistados
afirmaram seu costume de acessar o site de compartilhamento de
vídeos Youtube. A natureza dos vídeos acessados está diretamente
ligada ao perfil do público que o acessa; normalmente são vídeos
engraçados e com situações inusitadas: "Compartilho sempre que
recebo por e-mail, ou acesso algum interessante no YouTube". "Sempre
que vejo algo divertido aproveito para mandar por e-mail para os
outros".
Três dos quatro entrevistados consideram a internet uma boa opção
como veículo de comunicação para a publicidade, principalmente pela
própria natureza do veículo e suas possibilidades de interatividade:
"Acho que na internet as empresas podem fazer campanhas mais
direcionadas". "A internet possui muito mais recursos que a TV ou
uma revista. As empresas podem criar sites especiais e oferecer
muito mais coisa". Mesmo o entrevistado que possui opinião
contrária, mostra em seu depoimento que não gosta da publicidade da
internet quando esta imita a publicidade nos meios de comunicação de
massa: "Não gosto dos banners e pop ups, é muito chato quando abro
um site e sem eu clicar abre uma janela de propaganda".
Os entrevistados não se consideram clientes assíduos da Nike, mas
todos possuem pelo menos um produto da marca e a vêem como
referência em qualidade e tecnologia. "Considero os produtos de
qualidade, apesar de serem produzidos lá na China". "Acho que na
maioria das vezes a Nike avança na frente dos concorrentes". Para
eles, a empresa possui uma imagem moderna e fortemente ligada ao
esporte, oferecendo sempre produtos tecnologicamente superiores ao
dos concorrentes: "Eu vejo a Nike muito ligada ao esporte, enquanto
outras marcas como Adidas e Puma estão mais preocupados em lançar
moda". "Os produtos da Nike me parecem ser os mais adequados para
praticar esportes, os que possuem mais tecnologia. Com certeza eles
gastam muito em pesquisa".
Na publicidade, os entrevistados se lembram de campanhas da Nike e
tem uma percepção positiva em relação às mesmas. De acordo com eles
as propagandas são sempre criativas e descontraídas, não possuindo o
caráter explícito da venda dos produtos: "A maioria é marcante e
muito criativa". "Sempre tem uma música de fundo bacana e muita
ação". "Normalmente todos que gostam de esportes curtem as
propagandas da Nike". O vídeo "Touch of Gold" é lembrado por todos
os entrevistados apesar do reconhecimento não vir pelo nome e sim
pela imagem do jogador Ronaldinho chutando a bola na trave. Enquanto
alguns tiveram contato com o vídeo através da internet, outros o
viram na TV, reforçando o sucesso na geração de mídia espontânea da
ação de marketing de guerrilha: "Surgiram comentários, e eu acabei
recebendo um e-mail. Depois vi em vários programas esportivos na
TV". "Primeiro eu vi o link em um blog e acessei o vídeo, depois
passou na TV".
Durante as entrevistas, os participantes relembraram a polêmica que
potencializou a disseminação do vídeo. Enquanto metade dos
entrevistados afirmou que se tratava de uma montagem, enquanto a
outra metade acreditava que Ronaldinho tinha realizado o feito: "Na
hora falei que era montagem, com certeza". "Achei que fosse real. O
Ronaldinho tem habilidade para isso".
Contudo, nenhum dos entrevistados se sentiu enganado pelo vídeo,
considerando-o divertido, apesar de não terem enxergado o vídeo como
uma ação publicitária da Nike: "Eu achei muito bem bolado. Depois
todo mundo ficava comentando se era de verdade". "Sinceramente, eu
nunca tinha encarado o vídeo como propaganda. Achei que era,
simplesmente, uma brincadeira". "Lembro-me perfeitamente das
chuteiras Nike, mas não parecia um comercial de TV".
Da mesma maneira, todos os entrevistados consideraram pertinente o
uso da internet para a divulgação do vídeo e a estratégia de
disponibilizá-lo como mais um vídeo comum do Youtube. Questionados
se a ação teria o mesmo sucesso se fosse um comercial normal para a
TV, a opinião foi unânime: "Se fosse um comercial na TV eu ia ter
certeza que era armação e ninguém ia comentar. Perderia a aparência
de brincadeira". "Não ia ter graça. Não daria para rever e tirar a
dúvida se era montagem ou não". "A repercussão foi maior do que a de
um comercial na TV. Quando o boato surgiu, todos procuraram pelo
vídeo. Você já ligou a TV para esperar passar determinado comercial?
Eu nunca".
A opinião sobre a mensagem e os objetivos da ação também foram bem
compreendidos por todos, que compartilharam opiniões semelhantes: "O
vídeo passou a imagem de uma empresa descontraída, divertida". "Para
mim eles quiseram mostrar que com a Nike os jogadores fazem coisas
inacreditáveis".
3 CONCLUSÃO
O declínio das mídias tradicionais e a pulverização da mídia, além
da alta segmentação do mercado e da mudança de perfil e hábitos dos
consumidores, têm provocado a demanda por novas maneiras das
empresas se comunicarem com seus públicos. Os entrevistados na
pesquisa aplicada na elaboração desse artigo reafirmam esse cenário
ao apontarem o caráter invasivo dos meios de comunicação de massa e
sua falta de atratividade. Trocam de canal na televisão e passam as
páginas das revistas na tentativa de fugir das ações tradicionais de
comunicação. Diante da necessidade de se buscar alternativas capazes
de dialogar com o público, os profissionais de comunicação buscam
alterar a forma por meio das mídias alternativas e por meio do
conteúdo. Ganham força o marketing de guerrilha e o marketing viral
(um de seus instrumentos), que têm como principais objetivos a
geração de mídia espontânea e a disseminação da mensagem por parte
do próprio público, potencializada com o uso da internet. Inovar,
ousar e planejar conceitos e ações capazes de interagir com o target
e criar vínculo emocional tornam-se muitas vezes mais importantes do
que o investimento realizado e a abrangência das campanhas.
Algumas empresas como a Nike já perceberam que para atingir o
consumidor do século XXI precisam alterar suas estratégias de
marketing. Apesar de ter construído sua marca nas décadas de 80 e 90
utilizando os meios de comunicação de massa, sobretudo a televisão,
a empresa é uma das que esta mais adaptada a este novo cenário.
Recentemente, seus executivos reduziram suas verbas em campanhas de
mídia tradicional, demonstrando uma visão diferenciada do uso da
publicidade e do marketing. Como afirmou o vice-presidente de gestão
global da empresa, eles não pensam mais em televisão. A explicação
dos executivos é que hoje as pessoas possuem outras janelas para o
mundo que não apenas a TV. Os entrevistados em nosso artigo
corroboram este pensamento, utilizando diariamente a internet e
outros meios para obter informações. A web 2.0 tornou a rede mundial
de computadores mais colaborativa e deu voz e poder aos internautas
que podem dividir suas experiências com produtos e serviços com
muito mais alcance e com mais velocidade.
A Nike compreende esse contexto e tem buscado se conectar com os
consumidores, realizando campanhas capazes de transmitir valores e
conceitos de maneira diferenciada. Nas entrevistas em profundidade
pudemos verificar que a empresa consegue construir uma unidade
conceitual da marca, fazendo com que as pessoas assimilem e percebam
a empresa como ela deseja, fortalecendo sua imagem. A consequência
desse processo é o excelente resultado nas vendas, que cresceram 60%
de 2003 a 2007. O estudo de caso do vídeo "Touch of Gold" demonstra
a capacidade da Nike em promover experiências e estreitar laços com
seu público. O vídeo lançado em outubro de 2005 e disseminado no
Youtube foi visto por mais de 21 milhões de pessoas na internet e se
tornou um dos cases de maior sucesso de marketing viral. Ainda hoje
é o vídeo publicitário com maior número de visualizações no site de
compartilhamento norte-americano, além de toda a mídia espontânea
gerada nos meios de comunicação de massa.
A polêmica gerada em torno do vídeo foi também uma estratégia
guerrilheira de marketing da Nike que potencializou o alcance do
mesmo. Como afirmou um de nosso entrevistados:"Quando o boato
surgiu, todos procuraram pelo vídeo. Você já ligou a TV para esperar
passar determinado comercial? Eu nunca". É importante ressaltar que
o verdadeiro sucesso dessa ação não foi ter alcançado um número
expressivo de visualizações, mas sim a qualidade dessas
visualizações. A linguagem informal do vídeo com o jogador
Ronaldinho Gaúcho brincando com a bola e acertando-a na trave sem
deixá-la cair atraiu os interessados pelo futebol, o público-alvo da
Nike, que ajudaram a disseminar a mensagem. Os entrevistados não o
consideraram como uma ação comercial e sim como uma ação
descontraída, uma brincadeira. Com o vídeo, a empresa conseguiu
reafirmar o conceito que os mesmos já tinham dela, da paixão pelo
esporte e sua personalidade despojada, e com muito mais intensidade
- em contraponto a um comercial padrão de 30 segundos exibido na TV.
Dessa maneira, a empresa conseguiu mostrar que os meios alternativos
de comunicação são importantes no fortalecimento de sua imagem e
vitais no processo de gestão de sua marca.
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