Ensinar a pensar
Por Luís Sérgio Lico
06/04/2009

Muito se tem agitado as empresas, depois das marolas internacionais e o cortejo de vaticínios, que se lhe sucedeu. Então, nada melhor que verificar qual peça está faltando na engrenagem, para que possamos contribuir para a melhoria da espécie. Às vezes, em meio a tanto progresso e tecnologia, esquecemos de coisas básicas e cometemos erros decimais. Foi pensando e pesquisando que achei a melhor receita moderna para acalmar mercados, formar líderes, gerir empresas e governar nações. Esta abordagem é baseada numa mais antiga: educar para não ter que punir. Segue abaixo:
Espera-se que o professor desenvolva no seu aluno, em primeiro lugar, o homem de entendimento, depois, o homem de razão, e, finalmente, o homem de instrução. Este procedimento tem esta vantagem: mesmo que, como acontece habitualmente, o aluno nunca alcance a fase final, terá mesmo assim beneficiado da sua aprendizagem. Terá adquirido experiência e ter-se-á tornado mais inteligente, se não para a escola, pelo menos para a vida.
Se invertermos este método, o aluno imita uma espécie de razão, ainda antes de o seu entendimento se ter desenvolvido. Terá uma ciência emprestada que usa não como algo que, por assim dizer, cresceu nele, mas como algo que lhe foi dependurado. A aptidão intelectual é tão infrutífera como sempre foi. Mas ao mesmo tempo foi corrompida num grau muitíssimo maior pela ilusão de sabedoria. É por esta razão que não é infreqüente nos depararmos com homens de instrução (estritamente falando, pessoas que têm estudos) que mostram tão pouco entendimento. É por esta razão, também, que as academias enviam para o mundo mais pessoas com as suas cabeças cheias de inanidades do que qualquer outra instituição pública.
Em suma, o entendimento (das pessoas) não deve aprender pensamentos, mas aprender a pensar. Quem (aprende) deve ser conduzido, se assim nos quisermos exprimir, mas não levado em ombros, de maneira a que no futuro seja capaz de caminhar por si, e sem tropeçar.
Eu confesso que não pensava encontrar, em Kant, este texto tão ardoroso e preciso. Não podemos simplesmente adquirir instrução, traduzindo: competências. Isto, porque elas nada valem sem que sejamos coerentes e tenhamos comportamentos racionais. O que ocorre, no entanto é o contrário: busca-se adquirir a instrução, sem antes ter-se aprendido a pensar e, posteriormente a agir com razão. As próprias corporações agem assim, em função de garantir resultados, sem saber que eles não serão sustentáveis, por esta via. Palavras que não passaram que, se tivessem sido ouvidas, quero dizer: que tivessem sequer sido lidas! E não haveria tanta besteira sendo feita por aí na sociedade e nas empresas. O quanto mais de conhecimento não está sendo utilizado, apenas pelo fato que os profissionais e pessoas simplesmente não os conhecem? E quem já mediu o quanto se perde, pela ignorância voluntária de muitos, quando bastava um pouco mais de atitude para o esclarecimento? E, quantas mesmas desculpas sobre o tempo que não se dispõe para aprender, quando o que realmente é importante, não é dominar todo o saber, mas simplesmente aprender a pensar!
Ah! O texto foi retirado de «Anúncio do Programa do Semestre de Inverno de 1765-1766» da coletânea de textos Theoretical Philosophy, 1755-1770 (edição de David Walford e Ralf Merbote, Cambridge University Press, 1992), pp. 2:306-7, com tradução de Desidério Murcho.


Luís Sérgio Lico é Filósofo e Consultor. Desenvolve Treinamentos e Palestras em Excelência Profissional. Autor dos Livros: O Profissional Invisível e O Fator Humano. Visite o site: www.consultivelabs.com.br