Palestras Encantadas
Por Luís Sérgio Lico
02/05/2008
A tecnologia, o marketing e a mágica trabalham com a arte de iludir
nossos sentidos. Os discursos também, mas neles há um efeito
residual que perdura. Nisso concordam desde as celebridades mais
descerebradas até acadêmicos reclusos em Oxford. Aliás, as primeiras
são mais divertidas em sua falta de sinapses, que o tom monocórdio,
denso e cheio de referências dos segundos.
Os primeiros, quando falam, fazem acreditar em algo que não é real e
certamente não existe. Mas, discorrendo "tão verdadeiramente” sobre
banalidades necessárias, o povo acredita. Os segundos nos fazem
desacreditar dos primeiros e levar em conta aspectos e configurações
que nunca antes julgamos possíveis. Como desancam nossas crenças e a
“leveza” impudica de nossos assuntos irrelevantes, os achamos uns
chatos de galochas. A verdade oscila entre as métricas.
Alguém já disse que na mágica, o que se vê é algo interpretativo,
interpolações entre movimentos e expectativas. Falseados pela
suspeita lei da causalidade, o cérebro interpreta dados que tem
relação com um objeto concreto, imagem ou forma discursiva. Como
está acostumado a perceber algo de uma determinada forma, não
questiona o que vê ao contrário, se surpreende. Espera por isso,
aliás. A inteligência, em sua função pragmática, nos diz Bergson,
atua seletivamente recortando o real. Desta forma aprendemos e
também, esquecemos.
Palavras são elementos de encantamento. Fazer mágica com elas é
fazer com que as pessoas tenham uma interpretação determinada. O
limite entre o real e o ilusório não é simples de estabelecer
cartesianamente. Contudo, as palavras ainda guardam algo de seu
passado, quando ainda eram os signos das coisas. Assim, elas possuem
uma segunda camada, um fundo falso onde pode caber o mundo. Ilusões
sonoras ou imagéticas acabam por se fundir numa paisagem neutra,
dissolvendo-se no murmúrio anônimo em volta. Mas, frases ecoam
durante décadas em nossos corações.
Como isto acontece? De uma forma ou outra, a sentença proferida tem
a propriedade de fazer emergir um contexto, uma pré-figuração em nós
mesmos. Ali o registro se instala e pode ser acessado sem lapsos de
memória. Esta sintonia é tanto maior quanto a capacidade magnética
do orador, em fixá-las convenientemente. Como? De acordo com seu
conhecimento e, principalmente, sinceridade. Discursos que são
totalmente prontos parecem não ter o mesmo efeito, pelo contrário,
despertam a suspeita de serem produtos, destinados a convencer. Por
isso, são recusados. Podemos oferecer os ouvidos, mas a alma está
distante. Se por acaso consumidos, deixam um travo de amargor típico
das experiências que não deram certo.
Quem assiste a uma palestra inovadora, volta para casa contente.
Outros riem ou se emocionam conforme a personalidade que discursou.
Já quem ouve a cantilena batida dos consultores, dorme na poltrona
imediatamente. O poder da palavra é a forma de seu presente e, ele
tem que ser dado intuitivamente a quem sente. Explicativos e
demonstrações são sempre enfadonhos. Por isso, que transmitir
conceitos é atividade superior ao show. O conteúdo pirotécnico é
entretenimento, a magia se realiza na sincronia e congruência da
fala, de quem fala, do que fala e como diz.
Palavras sem espadas, não passam de palavras? Cuidado: Palavras são
exatas, demonstram os juízos, também são abismos e confundem os
sentidos. Elas são a posse do tudo e do incerto, são flores e
espinhos dos nossos desertos. Palavras são eternas no silêncio
transparente. Acaso doces, enganam os clientes. Se estiverem soltas
darão origem a acidentes. Palavras eloqüentes despertam os censores,
o verbo honesto sempre atraiu detratores. Palavras abençoam e
traduzem sentimentos. Acompanham o nascimento de nossos sonhos até
sua transformação nas mais belas realidades. Palavras bem ditas são
a matéria prima das palestras encantadas.
Luís Sérgio Lico é Filósofo e Consultor. Desenvolve Treinamentos e
Palestras em Excelência Profissional. Autor dos Livros: O
Profissional Invisível e O Fator Humano. Visite o site:
www.consultivelabs.com.br