Salvem os tiradores de pedido
Por Paulo Angelim
11/05/2003
Duvido que, em Vendas, exista alguém mais execrado e castigado do
que o tirador de pedidos. Nem Judas em Semana Santa é tão xingado.
Ainda não vi um consultor ou palestrante sequer defender essa classe
de nobres profissionais. Pois vou assumir o risco de fazer isso
neste artigo. E olhe que tenho um argumento muito forte para
justificar que várias empresas deveriam, desesperadamente,
estabelecer estratégias de mercado que contemplassem cada vez mais a
necessidade de tiradores de pedidos no seu rol de colaboradores.
Em primeiro lugar, vamos conceituar o que é um tirador de pedido, do
ponto de vista de Vendas. O mais autêntico representante dessa
classe normalmente é descrito como alguém sem iniciativa e
capacidade de persuasão, frágil conhecedor dos benefícios de seu
produto, do mercado, da concorrência e principalmente da tão falada
“necessidade do cliente”. É alguém ainda que se apóia quase que
exclusivamente na força da marca ou do monopólio que a empresa detém
em seus produtos e/ou serviços. Num mercado cada vez mais
competitivo e com cada vez mais concorrentes, num mercado com
produtos praticamente comoditizados, os tiradores de pedido estão
praticamente aniquilados, sem espaço. Defende-se a idéia de que o
vendedor persuasivo/consultor é que é o salvador corporativo, aquele
capaz de fazer a grande diferença. Sim, não resta dúvida que ele
pode fazer a grande diferença. Mas resta saber para que tipo de
empresa ou produto. Essa visão, calcada em Vendas, corrobora com a
idéia de que cabe à área de vendas a maior responsabilidade pelo
sucesso mercadológico de uma empresa. Volta-se para os tempos
antigos, na fase pré-histórica do marketing, quando as estratégias
da empresa eram baseadas quase que totalmente em vendas –
produzia-se o que a fábrica queria e não o que o consumidor
desejava. Não é à toa que para essas empresas os vendedores são
alistados muito mais para serem gladiadores, ninjas comerciais, com
a missão de furar bloqueios, vencer concorrentes, conquistar
territórios do que promover produtos e serviços que vendem por si
só. Tudo dentro da melhor filosofia do “push”, ou seja, empurrar.
Para essas empresas, a velha teoria do “pull” (puxar) ficou perdida
nos bancos das escolas de marketing.
Explico melhor as duas estratégias de marketing a seguir. Numa
estratégia push, a empresa empurra ou VENDE o seu produto ou serviço
para o mercado. Na estratégia de pull, a empresa estimula o mercado
a puxar ou COMPRAR o seu produto/serviço. Para que esse último
ocorra, faz-se necessário um conjunto de iniciativas que tornem o
produto ou serviço a tal ponto desejado e positivamente diferenciado
dos concorrentes, que o mercado espontaneamente busque o produto
pela simples razão de não conseguir enxergar nos concorrentes
benefícios à altura desse em questão. É lógico que isso exige muita,
eu disse muita inovação no produto e muita comunicação publicitária
criativa, de modo a construir uma percepção positiva em torno do
produto junto ao seu mercado-alvo. Se você acha que nos tempos de
hoje isso é praticamente impossível, ligue agora para uma revenda
Fiat e pergunte qual o tamanho da fila de espera por uma Palio
Weekend Adventure, aquela perua com jeitão de 4x4. Os vendedores de
Scenic, da Renault, ficaram por dois longos anos tirando pedidos
desses veículos, simplesmente pelo fato de não haver concorrente à
altura para aquela vã. É lógico que a coisa mudou quando surgiu a
Picasso, da Citroen, e a Scenic fez apenas mudanças cosméticas no
produto. Para se ter uma idéia de como a Picasso inverteu os pólos
de atração, ela teve que sair com um comercial de TV explicando o
porquê de não precisar mudar absolutamente nada em seu design e
componentes, pois o mercado a queria do jeito que estava. Aliás,
explicou que mudou só a cor da maçaneta da porta!
Não são poucos os supermercados e pequenos mercadinhos que estão
ligando para representantes comerciais do bombril da ASSOLAN (eu sei
que é palha de aço; foi proposital) pedindo que estes compareçam
para tirarem novos pedidos, por causa das boas vendas na gôndola. É
isso mesmo, tirarem pedidos. Aliás, como você acha que um produto em
uma gôndola de supermercado pula para o carrinho de compras, senão
pela força da marca, conquistada com muita comunicação,
merchandising e ações de fidelização? Por acaso, existe lá, na
gôndola, um vendedor 24 horas lhe persuadindo a optar por aquele
produto? Não. Mas é lógico que houve um antes persuadindo o
comprador do supermercado a colocar o produto na gôndola. Mas,
depois disso, se a empresa fizer seu trabalho de marketing com
competência e maestria, esse vendedor terá que se contentar em
administrar pedidos sobre aquela linha de produto. Isso, até o
momento em que ele e a empresa deixam o cachimbo cair, dormem no
ponto, e permitem que o concorrente apronte uma para cima deles. Mas
se isso ocorre é por omissão, por negligência.
Quem dera mais empresas entendessem que “a principal função do
Marketing é tornar a função de Vendas supérflua”. Hei, calma! Não
fui eu quem disse isso. Foi um rapazinho, de 93 anos, metido a
besta, chamado Peter Drucker, e que ocorre de ser, há mais de 50
anos ,o mais importante guru mundial em administração. Veja bem, sou
consultor em marketing, palestrante e atuo diretamente em grande
vendas imobiliárias, cara a cara com grandes clientes. Portanto, não
somente sou vendedor, como defendo com unhas e dentes a classe. Mas
não posso fechar os olhos, nem deixar de lhe mostrar que, do ponto
de vista de marketing, “o conceito de vendas pressupõe que os
consumidores, se deixados sozinhos, não comprarão suficientemente os
produtos da organização” (Adm. de Marketing, Phillip Kotler). Ou
seja, as empresas precisam desesperadamente de vendedores quando a)
não fazem um marketing eficaz, b) têm uma capacidade excessiva, ou
c) precisam vender o que fabricam, em vez do que o mercado demanda.
Aí, realmente, só com vendedores ninjas, mesmo. Tirador de pedido,
nesse tipo de empresa, morre de fome.
Por sua vez, vendedores “agressivos” ou persuasivos se angustiariam
em uma empresa que tem um marketing eficaz, que consegue despertar
no cliente o interesse e a urgência de compra, pois se sentiriam
profundamente frustrados por não poderem fazer aquilo que o
supervendedor mais gosta de fazer: persuadir, contornar objeções,
levar o cliente a pensar como eles pensam. Em uma empresa assim, o
mais adequado é a contratação de “modernos tiradores de pedido”,
mais inclinados a prestar um bom atendimento, e a conduzir de
maneira suave o cliente à decisão da cor, do tamanho, da quantidade
ou do modelo. Sim, porque o cliente já está decidido a comprar mesmo
o produto, em função da força da “argumentação vendedora” da prévia
comunicação, quer tenha sido ela de massa ou individual.
Portanto, muito cuidado quando você se orgulhar dizendo que em sua
empresa você não quer nem precisa de tiradores de pedidos. È
possível que você esteja transferindo para seus vendedores a
responsabilidade de preencherem as lacunas que seu marketing ruim
está deixando, quando não consegue inovar seus produtos ou serviços
em busca da diferenciação competitiva, ou quando não consegue
comunicar seus atributos diferenciadores. Saiba que, do ponto de
vista de marketing, empresas de sucesso que detêm modernos tiradores
de pedidos (vendedores com grande inclinação p/ atendimento e
acompanhamento) em seus quadros são uma prova viva que o marketing
ainda pode fazer a grande diferença.