Vida sob Pressão
Por Luís Sérgio Lico
06/04/2009
A urgência de resultados sempre foi um
motor da evolução humana. Naturalmente,
as coisas se davam segundo uma relação
intrínseca de necessidade e busca de
solução. Neste âmbito, forjaram-se, não
sem resistências, alguns dos valores
máximos da humanidade: técnicas,
culturas, sociedades e éticas. Este
panorama, mais idílico, que ainda
permitia horizontes de realização, além
do trabalho, foi solapado pela economia
de mercado e as oportunidades de
consumo. Coisas da história. Outros
conflitos.
Hoje, padronizados os processos e, com a
maquinaria corporativa projetada para
sistemáticos ganhos de velocidade,
parece que todo ambiente laboral é
pressurizado. Assim, se um dia pedirem
para você responder a esta pergunta: -
Você consegue trabalhar bem sob pressão?
Tome muito cuidado com o que vai dizer.
Em primeiro, porque em ambientes
organizacionais, comentários vagos
costumam ser interpretados como uma
promessa. Segundo, porque negativas
enfáticas podem gerar suspeitas de falta
de comprometimento. Terceiro, porque, se
você achar que estão propondo um
“desafio” importante para sua carreira,
acabará abraçando a situação e seguirá,
obrigatoriamente, dizendo sim, sim, sim.
Neste último caso, seu futuro bifurca:
ou vai ou racha. Conseguirá o
bicho-homem alcançar seu destino?
Chegará à gerência ou será o próximo a
ser descartado, com a desculpa da crise?
Neste cenário altamente competitivo e,
artificialmente complexo, todo o cuidado
é pouco.
Nesta sinuca de bico, a resposta deve
considerar outras condições, além de
seus sonhos, percepções e competências:
sua capacidade para overtime, ambição,
tipo físico e resistência psicológica ao
burnout. Eis os ingredientes. Nem todos
sabem (ou concordam), só que uma empresa
existe apenas para gerar lucro, e passa
a existência toda pensando nisto. Como a
concorrência faz o mesmo, todo mundo
acaba exigindo mais dos seus
funcionários. Afinal, pessoas são, em
média, 80% de uma companhia, e é delas
que se obtém a produtividade. Claro que,
nas organizações mais avançadas, existem
políticas de amortecimento social,
planejamento de carreira e benefícios,
porque elas sabem que, tratando bem seus
colaboradores, terão mais receita e
menos custos. Mas não se fiem nisso,
pois um abalo global pode mudar as
condições gerais. Aliás, o mundo já
mudou, enquanto você está lendo este
artigo e alguém pode decidir não mais
investir em pessoas, e sim, comprar
novas máquinas ou terceirizar.
Do ponto de vista das organizações, o
importante é a sobrevivência:
participação no mercado, redução de
custos, aumento de margens e
diversificação de ativos. Assim, não
necessariamente, quando existe um
aumento de carga laboral, haverá a
contrapartida na carreira. O foco,
nestes casos é a melhoria de eficiência
em seus processos internos. E isto é
normal. Mas, podemos encontrar
complicadores, quando entram em jogo as
chamadas superstições corporativas, que
são as interpretações subjetivas dos
responsáveis acerca de como o trabalho
deve ser (ou não) realizado. Muitas
vezes, por falta de bom senso, situações
bizarras ocorrem, inclusive com efeito
reverso (ou perverso), de aumentar os
retrabalhos e instabilidade no clima. Aí
a pressão sempre aumenta, pois, além da
rotina, tem-se que gastar tempo e
esforços para corrigir os problemas que,
aliás, não precisavam ter sido criados.
A cobrança, porém, não pode virar
assédio, cabendo ajustes entre as partes
envolvidas. É a lei!
Saber disso é importante para a saúde
psicológica e afetiva, pois assim é
possível evitar (ou minimizar) a
frustração e manter a capacidade de
análise crítica, que é indispensável
para um líder. Além de manter a
dignidade e auto-estima, o detalhe
precioso que pode fazer a diferença no
ajuste na atmosfera ao seu redor é: não
tente saber de tudo ou fazer tudo,
apenas contribua com seu melhor. Evite
cair na armadilha da agitação
paralisante, como dizem os doutos. Cada
um possui sua maneira de atuar. Ter o
respeito devido a estas capacidades,
competências e limites, mantém a empresa
viva e o profissional sempre produtivo.
Regularidade, a longo prazo, é
preferível à ilusão da eterna alta
performance.
Luís Sérgio Lico é Filósofo e Consultor.
Desenvolve Treinamentos e Palestras em
Excelência Profissional. Autor dos
Livros: O Profissional Invisível e O
Fator Humano. Visite o site:
www.consultivelabs.com.br