A Indústria Verde: O meio ambiente como mercadoria (?)
Por Fred Tavares
18/04/2008

O "verde é negócio"; assim afirma Hans Jöhr, em obra com mesmo título, retratando que o meio ambiente tornou-se uma grande oportunidade de negócios às corporações. Em meio a "onda do desenvolvimento sustentável", muitas empresas têm percebido que podem lucrar com a estratégia verde, inserindo-a em seus programas de gestão de qualidade e de marketing, agregando valor e diferenciação (Ottman, 1993), além, é claro, de estarem agindo com agudo senso de responsabilidade ambiental na conservação e otimização de recursos naturais e em benefício da coletividade de um modo geral.

Contudo, essa "produtilização verde"(1) pode soar como uma nova ideologia de consumo poderosa do "capitalismo selvagem" corporativo na globalização para oferecer ao mercado mais um novo estímulo de compra (Canclini, 2000), ou seja, exclusivamente visar ao próprio interesse econômico em detrimento da sociedade, criando produtos/marcas com um novo apelo que vende: a ecologia (vida) e a imagem que fazem dela como um valor de marca a ser comercializado e consumido.

Há uma grande dicotomia presente nos discursos e olhares quando se apresentam e integram as questões meio ambiente, mercadoria (produtos/negócios) e desenvolvimento sustentável.

Afinal, o que existe por trás de tudo isso? Se está diante de uma "nova indústria"? O meio ambiente é tratado apenas como uma mercadoria? E o desenvolvimento sustentável é uma fachada para aumentar a produção de lucros do mercado? Quem ganhar com essa estratégia verde? Há espaços para um capitalismo social com desenvolvimento sustentável?

Para entender estas questões, serão tomados como base epistemológica os pensamentos de Adorno e Horkheimer (Escola de Frankfurt), tendo Michel Foucault, Gilles Deleuze, Zygmunt Bauman, Hans Jöhr e Fritjof Capra como interlocutores nessa breve reflexão.

No sentido de Adorno e Horkheimer, quatro pressupostos servem de eixo paradigmático para as articulações necessárias à compreensão do objeto ou seja: indústria cultural, coisificação (2), contexto geral de ofuscamento e imago.

Serão lançados, a seguir, os seus fundamentos para que se possam fazer as ilações pertinentes.

Por indústria cultural:

Com o termo consumo chegamos ao cerne da concepção adorniana de indústria cultural: na sociedade contemporânea, as produções do espírito já não são apenas também mercadorias como o eram outrora, mas tornaram-se integralmente mercadorias, isto é, são inteiramente orientadas - da concepção à apresentação - pelo regime do lucro. (Adorno, 1995: 237)

A coisificação:

Versachlichung (ou Verdinglichung) é um conceito clássico da sociologia marxista, sobejamente reconhecido, dispensado por isso maiores apresentações e desenvolvimentos. Proveniente da análise marxiana da divisão do trabalho e da concentração dos meios e técnicas de produção na sociedade capitalista, o conceito significa, no essencial, a autonomia dos objetos e dos conteúdos de representação (teorias) em relação às pessoas. Sob a lógica do lucro, as relações econômicas não são interpretadas como relações entre pessoas produtivas, mas como relações entre matérias, mercadorias e coisas. A coisificação é, de certa forma, equivalente ao Warenfetichismus (o fetichismo da mercadoria) e tem estreito parentesco com a Entfremdung (alheamento ou alienação). (ibid.: 246)

O contexto geral de ofuscamento:

(...) contexto geral de ofuscamento, porque o termo ofuscar tem o sentido tanto de ocultar/encobrir, quanto de toldar/turvar (a vista, mas também a razão) e ainda o de deslumbrar - que remete a encantamento, a de que a humanidade está sob o encantamento ou feitiço do esclarecimento, o que faz com que permaneça subjugada e não senhora de si; assim, o termo escolhido aproxima-se da multivocidade da palavra alemã Verblendung, a qual significa: cegueira, deslumbramento, desvairamento, obcecação e revestimento. (ibid.: 243)

Imago é:

(...) sinônimo de imagem e de representação, significando o "conjunto de representações e valorações, de idéias e impressões, que uma ou mais pessoas têm de si mesmas, de outras pessoas, grupos, organizações ou de determinados assuntos ou materiais e de realidades sociais. (ibid.: 244)

De certo, o pensamento frankfurtiano é influenciado tanto pelo marxismo quanto pelo freudismo. Mesmo reconhecendo o caráter ideológico de Adorno, precipuamente, se quer, neste ponto, evidenciar que se o mercado (o sentido estritamente empresarial e a busca do lucro) é o stakeholder chave e nele reside o poder de ser o seu principal interlocutor, o meio ambiente torna-se uma mercadoria kitsch (3) (fútil e banalizada) produzida pela "indústria verde" que busca apenas, e tão somente, o lucro. Sob a lógica do "capitalismo selvagem" (Jameson, 2000), o meio ambiente é coisificado (objeto de consumo) através do fetiche e da alienação. Ou seja, para que ele tenha valor de compra, o consumidor é enfeitiçado, encantado e subjugado pelo objeto, que ofusca pela imagem ideologizada do mito da pureza / natureza. Comprá-lo torna-se uma obsessão, uma compulsão (Bauman, 2001), pois se todos o têm, não tê-lo significa estar fora; não compartilhar dele é não pertencer a essa mitologia presente no imaginário coletivo como uma sensação de bem-estar interior, ou seja, "fazer o bem".

Através da esquizofrenia do capitalismo (e a sua faceta rizomática) e a sua rede de biopoder (Hardt & Negri, 2001), postula-se que o "fetichismo da mercadoria", apoiado em Adorno, seja uma boa ligação que se pode estabelecer entre Foucault, Deleuze e Bauman.
Para Foucault (1997), a sociedade disciplinar (4) é administrada e modelada pelo consumo. Os consumidores são adestrados, domesticados e massificados pela mídia, que lhes vende os objetos, seduzindo-os e fazendo-os acreditar na magia dessa pureza.

Em Deleuze (1992), que se orienta a partir da filosofia foucaultiana, a passagem de sociedade disciplinar para a sociedade do controle (5) leva o mercado (e o capital) a produzir mais estímulos, endividando o consumidor e fazendo-o desejar / ter cada vez mais, deixando-o em uma eterna moratória do consumo e em dívida permanente. É preciso fazê-lo comprar continuamente o mito, agora não só de forma massificada, mas sim personalizada / individualizada, estimulando-o em todas as suas profundezas a estar incluído na fantasia de ser puro, límpido, ético.

Toda esta lógica simbólica, sublima o imaginário provocando o consumidor a desejar ininterruptamente (Guattari, 2000). Não satisfazê-lo, segundo Bauman (1999), é a estratégia do mercado para fazê-lo comprar sempre, pois se alimenta a fantasia, o sonho, e a ilusão, "preenchendo-o" com este mito, que, em Barthes (1975), é a própria ausência e alienação. Isto é, significa que estar fazendo bem ao meio ambiente é estar fazendo bem a si mesmo.

Como o desejo é uma lacuna nunca preenchida (Bauman, 1999), o vazio do consumidor é própria pulsão da vida, que segundo Freud é o eros da natureza humana (Marcuse, 1981). Portanto, realizá-lo ou completá-lo é matar o desejo do consumo. É por isso que o consumidor se alimenta do mito para nunca morrer.

A mercadoria é mitificada nas almas e nas profundezas das mentes dos consumidores, funcionando tanto como portadora de identificação quanto de projeção para melhor controlar os seus desejos.

Gonçalves, em Os des(caminhos) do meio ambiente, é arguto em suas palavras, e oferece uma perspectiva sombria da relação entre meio ambiente e mercadoria. Para ele toda mercadoria é, como tal, produzida não para o uso de quem a faz, mas sim para a troca. Para ele, "o valor do uso é simplesmente um veículo para o valor de troca. Tal fenômeno não é natural, ao contrário, foi instituído com a sociedade burguesa. Não é de estranhar, portanto, que o ecológico fique subordinado ao econômico numa sociedade onde a generalização das relações mercantis é a tônica (Gonçalves, 2001: 113).

O pensamento de Jöhr vai de encontro ao olhar de Gonçalves. Para aquele, é possível uma economia que preserve a ecologia / humanidade, e que os interesses do meio ambiente e do econômico sejam sincronizados. A sua dialética é amparada através do desenvolvimento sustentável. Mas, como enfatiza Loureiro, não estaria o meio ambiente dominado pela lógica do mercado e a sustentabilidade um pano de fundo para o expansionismo do capital? Para Brubaker (1972), os aspectos econômicos sobrepõem-se aos de caráter ambiental. O lucro é o fator dominante, não as pessoas.

O olhar de Capra, em As conexões ocultas. Ciência para uma vida sustentável, é mais ponderado. As práticas comerciais existem e não podem ser impedidas. O que é preciso é regulá-las através de uma dinâmica que contemple um futuro sustentável. O ecológico e o econômico precisam dialogar para o bem da sociedade, e, neste ponto, o papel de todos os outros setores (além das empresas / iniciativa privada), através de laços sociais (D'Ávila Neto), faz a diferença para a produção de uma homeostase solidária.

Com a estratégia verde todos podem vencer. Deve-se sair do sistema "capitalismo selvagem" para o capitalismo social com desenvolvimento sustentável (6). Pode até soar como uma dialética utópica, mesmo em se estando em uma sociedade do controle, porém se não houver um compromisso com o social de nada vão adiantar os esforços puramente econômicos. O planeta sucumbirá.

O paradigma do desenvolvimento sustentável pode parecer um oxímoro para os críticos preservacionistas e ambientalistas. Contudo, é necessário que cada ator social seja empoderado e faça a sua parte, dialogando, em favor, de fato, do "nosso futuro comum" e de um ecologismo social profundo.

Notas de rodapé:
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1 Produtos que são fabricados com approach ecologicamente correto, através de políticas definidas a partir da estratégia da gestão ambiental e da abordagem do desenvolvimento sustentável em sua cadeia produtiva.
2 Em Baudrillard, recebe o conceito de objeto (O sistema dos objetos, 1973).
3 Kitsch - ver Eco, Umberto. Apocalípticos integrados. Entende-se como a estética do vazio; a produção simbólica de um objeto para o consumo da alienação e do gozo imaginário, a partir de uma lógica do simulacro.
4 Sociedade disciplinar é um termo cunhado em Foucault (1997), à luz da modernidade, para explorar a idéia da sociedade industrial e de massa. Ver também: Microfísica do poder, 2000.
5 Sociedade do controle é um conceito explorado por Deleuze (1992), a partir de Foucault, à luz da pós-modernidade, para designar o sujeito contemporâneo: flexível, móvel, fragmentado. Sempre à busca de algo.
6 Um bom exemplo de capitalismo social com desenvolvimento sustentável é o caso do Projeto de Negócios Sustentáveis, uma parceria envolvendo várias atores sociais, que beneficia as populações tradicionais na Amazonas, através do approach endógeno. Ele será investigado na Parte II deste trabalho.