Nascido Para Vender
Por Inácia Soares
14/08/2009
Nem todo profissional consegue se destacar na carreira. Pelo bem da verdade, poucos deixam de ser apenas mais um no mercado e se tornam referência de desempenho e qualidade. E há várias razões para isso, a começar pela falta de gosto com o próprio trabalho. É muito comum arrumar um emprego apenas para pagar as contas, sem qualquer prazer em exercer aquela função. Àqueles que também não conseguem gostar do que já fazem, e nem suspeitam o que gostariam de fazer, ainda pode pesar a falta de determinação e um pouco de preguiça. É sabido que ser diferente dá trabalho. Fazer mais que os outros exige dedicação extra, e até, mais investimentos. E enquanto vai fazendo o que detesta – ou apenas tolera - o profissional continua a sonhar com o grande emprego que um dia vai ter, com o negócio que vai abrir, com a aposentadoria que há de chegar... Claro que qualquer um percebe que você não está satisfeito. Só você acredita que vem enganando bem todo mundo.
Neste artigo você vai conhecer a história de um homem humilde que faz o melhor que pode para transformar os limões que a vida lhe deu em uma gostosa limonada. Ele se apresenta pelo apelido de Amigo Flavio e vende sorvetes e picolés nas praias de Búzios. O sobrenome é Santos de Souza, mas não faz qualquer falta para ele, já que a grande diferença está na propaganda que ele sabe fazer muito bem. “Eu faço o meu marketing e isso me ajuda muito”, garante o vendedor.
Nascido na cidade de Araruama, a 108 quilômetros do Rio de Janeiro, este pai de família de 37 anos tem sete filhos para criar e agradece o dom de vender que lhe garante o sustento da casa. Os pais morreram quando era criança e aos oito anos, saiu de casa para ganhar a vida. Um começo difícil para quem não tinha nem um real no bolso. Banana com farinha, laranja com farinha... Não foram raras as vezes em que estes alimentos foram a única refeição do dia.
Sem querer se render à dureza da vida humilde, Flavio sempre se esforçava para não morrer de fome, nem dormir ao relento. Fez de tudo um pouco. Até ir para São Paulo com um amigo trabalhar de carregador de caixas ele foi. Os cerca de 50 quilos que leva, hoje, nos ombros é ainda maior do que as caixas de frutas e legumes que ele já carregou, mas o lucro é muito maior. Aliás, Flávio sorri muito quando revela essa informação. O dinheiro que ele ganha na praia dá um sustento digno aos três filhos próprios, aos quatro enteados e à esposa que ele – garante, já fez ligadura de trompas. “Eu tenho uma casinha e acabamos de comprar um lote onde vamos construir um barracão para alugar. Temos que pensar no futuro dos garotos”, conta feliz.
Há poucas semanas, Flavio vendeu as duas motos usadas que tinha e comprou uma moto zero quilômetro. O carnê o acompanha pela praia, é uma meta a ser conquistada a cada picolé. Mas onde está o marketing de Flávio? Tudo começa no apito. Quando ainda está no calçadão, Flávio faz um barulho que a criançada – já no segundo dia de praia, se acostuma e - reconhece. À medida em que vai descendo a rampa e pisando na areia, Flávio já abre um largo sorriso. Ou será antes mesmo de chegar à praia? Na verdade, antes de tudo vem a higiene. O ambulante garante que sem um banho bem tomado, desodorante, unhas aparadas e, claro, a sua peruca super extravagante, não dá para sair à luta.
Mas o maior truque de Flávio para conquistar a freguesia é o pirulito – piruli para os espanhóis e lollipop para os turistas de língua inglesa. Assim que chega à praia, bem cedinho, Flávio passa distribuindo pirulitos a quem desejar. Ele entrega o mimo e aproveita para fazer o seu comercial na língua do freguês. Espanhol, inglês e português... Não importa o idioma, Flávio não perde o traquejo e a simpatia.
Essas iniciativas aumentam o custo da venda, mas garantem faturamento. “Eu trago 500 picolés e sorvetes todo dia e vendo quase tudo em alta temporada. Tem colega que não vende nem 50”, informa ele. “O meu custo aumenta fazendo isso, mas como eu também estou aumentando a minha renda, vale a pena”, garante o vendedor. Mas o custo já foi mais alto. Quando decidiu que não seria apenas um vendedor de picolés, mas um dos vendedores de picolés mais comentados da praia, ele comprou pequenos biscoitos de chocolate tipo wafer e desfilou pela praia fazendo seu marketing. Ficou assim até que um amigo deu a dica dos pirulitos, mais baratos e igualmente simpáticos.
E como nem um bom vendedor escapa de ter clientes chatos, se alguém reclama do preço remarcado em 100% - pois Flávio acha que tem esse direito pelo suor e esforço que dedica ao trabalho - já tem a resposta: continua a caminhar e não discute. Carregar todo aquele peso, por vários quilômetros, justifica o ágio, segundo ele. Tem ainda aqueles clientes que não são exatamente chatos, mas que resistem a comprar de imediato. Para esses, Flávio tem uma dose extra de simpatia e boa conversa. Sabe falar um pouco de tudo, e quando não sabe do assunto, o cliente não percebe, pois de forma alegre, ele dá a entender que concorda com a opinião do outro. Aliás, o relacionamento com os turistas é tão bom que até a filha mais velha de Flávio foi batizada com nome sugerido por uma turista argentina– Guilhermina.
E se depender das amizades que vem construindo e da simpatia que sempre espalhou pelas praias de Búzios, Flávio deverá carimbar o passaporte que ele ainda tem que tirar, em agosto deste ano. Assim que as férias de julho passarem, não será nas praias da orla carioca que este simpático vendedor com peruca de palhaço poderá ser encontrado, mas em Mar Del Plata, na Argentina – a convite de turistas que compram picolé dele, claro. Se vai se dar bem em terras estrangeiras usando seu criativo vocabulário espanhol, Flávio não sabe. Mas, desde que deixe a mensalidade do carnê da moto paga, a geladeira cheia de comida para a família, ele não vai recusar o convite para tentar fazer uma nova e deliciosa limonada, ainda que desta vez, ele também tenha que aprender a dançar tango.
Inácia Soares, jornalista e apresentadora do programa Mesa de Negócios, o mais antigo da TV mineira, exibido na TV Horizonte, professora do MBA Pitágoras, palestrante e coautora dos livros “Emoção, conflito e poder nas organizações” (Editora Com Arte/2009) e “Do Porteiro ao presidente” (Editora Com Arte/2009).
inaciasoares@mesadenegocios.com.br
Por Inácia Soares
14/08/2009
Nem todo profissional consegue se destacar na carreira. Pelo bem da verdade, poucos deixam de ser apenas mais um no mercado e se tornam referência de desempenho e qualidade. E há várias razões para isso, a começar pela falta de gosto com o próprio trabalho. É muito comum arrumar um emprego apenas para pagar as contas, sem qualquer prazer em exercer aquela função. Àqueles que também não conseguem gostar do que já fazem, e nem suspeitam o que gostariam de fazer, ainda pode pesar a falta de determinação e um pouco de preguiça. É sabido que ser diferente dá trabalho. Fazer mais que os outros exige dedicação extra, e até, mais investimentos. E enquanto vai fazendo o que detesta – ou apenas tolera - o profissional continua a sonhar com o grande emprego que um dia vai ter, com o negócio que vai abrir, com a aposentadoria que há de chegar... Claro que qualquer um percebe que você não está satisfeito. Só você acredita que vem enganando bem todo mundo.
Neste artigo você vai conhecer a história de um homem humilde que faz o melhor que pode para transformar os limões que a vida lhe deu em uma gostosa limonada. Ele se apresenta pelo apelido de Amigo Flavio e vende sorvetes e picolés nas praias de Búzios. O sobrenome é Santos de Souza, mas não faz qualquer falta para ele, já que a grande diferença está na propaganda que ele sabe fazer muito bem. “Eu faço o meu marketing e isso me ajuda muito”, garante o vendedor.
Nascido na cidade de Araruama, a 108 quilômetros do Rio de Janeiro, este pai de família de 37 anos tem sete filhos para criar e agradece o dom de vender que lhe garante o sustento da casa. Os pais morreram quando era criança e aos oito anos, saiu de casa para ganhar a vida. Um começo difícil para quem não tinha nem um real no bolso. Banana com farinha, laranja com farinha... Não foram raras as vezes em que estes alimentos foram a única refeição do dia.
Sem querer se render à dureza da vida humilde, Flavio sempre se esforçava para não morrer de fome, nem dormir ao relento. Fez de tudo um pouco. Até ir para São Paulo com um amigo trabalhar de carregador de caixas ele foi. Os cerca de 50 quilos que leva, hoje, nos ombros é ainda maior do que as caixas de frutas e legumes que ele já carregou, mas o lucro é muito maior. Aliás, Flávio sorri muito quando revela essa informação. O dinheiro que ele ganha na praia dá um sustento digno aos três filhos próprios, aos quatro enteados e à esposa que ele – garante, já fez ligadura de trompas. “Eu tenho uma casinha e acabamos de comprar um lote onde vamos construir um barracão para alugar. Temos que pensar no futuro dos garotos”, conta feliz.
Há poucas semanas, Flavio vendeu as duas motos usadas que tinha e comprou uma moto zero quilômetro. O carnê o acompanha pela praia, é uma meta a ser conquistada a cada picolé. Mas onde está o marketing de Flávio? Tudo começa no apito. Quando ainda está no calçadão, Flávio faz um barulho que a criançada – já no segundo dia de praia, se acostuma e - reconhece. À medida em que vai descendo a rampa e pisando na areia, Flávio já abre um largo sorriso. Ou será antes mesmo de chegar à praia? Na verdade, antes de tudo vem a higiene. O ambulante garante que sem um banho bem tomado, desodorante, unhas aparadas e, claro, a sua peruca super extravagante, não dá para sair à luta.
Mas o maior truque de Flávio para conquistar a freguesia é o pirulito – piruli para os espanhóis e lollipop para os turistas de língua inglesa. Assim que chega à praia, bem cedinho, Flávio passa distribuindo pirulitos a quem desejar. Ele entrega o mimo e aproveita para fazer o seu comercial na língua do freguês. Espanhol, inglês e português... Não importa o idioma, Flávio não perde o traquejo e a simpatia.
Essas iniciativas aumentam o custo da venda, mas garantem faturamento. “Eu trago 500 picolés e sorvetes todo dia e vendo quase tudo em alta temporada. Tem colega que não vende nem 50”, informa ele. “O meu custo aumenta fazendo isso, mas como eu também estou aumentando a minha renda, vale a pena”, garante o vendedor. Mas o custo já foi mais alto. Quando decidiu que não seria apenas um vendedor de picolés, mas um dos vendedores de picolés mais comentados da praia, ele comprou pequenos biscoitos de chocolate tipo wafer e desfilou pela praia fazendo seu marketing. Ficou assim até que um amigo deu a dica dos pirulitos, mais baratos e igualmente simpáticos.
E como nem um bom vendedor escapa de ter clientes chatos, se alguém reclama do preço remarcado em 100% - pois Flávio acha que tem esse direito pelo suor e esforço que dedica ao trabalho - já tem a resposta: continua a caminhar e não discute. Carregar todo aquele peso, por vários quilômetros, justifica o ágio, segundo ele. Tem ainda aqueles clientes que não são exatamente chatos, mas que resistem a comprar de imediato. Para esses, Flávio tem uma dose extra de simpatia e boa conversa. Sabe falar um pouco de tudo, e quando não sabe do assunto, o cliente não percebe, pois de forma alegre, ele dá a entender que concorda com a opinião do outro. Aliás, o relacionamento com os turistas é tão bom que até a filha mais velha de Flávio foi batizada com nome sugerido por uma turista argentina– Guilhermina.
E se depender das amizades que vem construindo e da simpatia que sempre espalhou pelas praias de Búzios, Flávio deverá carimbar o passaporte que ele ainda tem que tirar, em agosto deste ano. Assim que as férias de julho passarem, não será nas praias da orla carioca que este simpático vendedor com peruca de palhaço poderá ser encontrado, mas em Mar Del Plata, na Argentina – a convite de turistas que compram picolé dele, claro. Se vai se dar bem em terras estrangeiras usando seu criativo vocabulário espanhol, Flávio não sabe. Mas, desde que deixe a mensalidade do carnê da moto paga, a geladeira cheia de comida para a família, ele não vai recusar o convite para tentar fazer uma nova e deliciosa limonada, ainda que desta vez, ele também tenha que aprender a dançar tango.
Inácia Soares, jornalista e apresentadora do programa Mesa de Negócios, o mais antigo da TV mineira, exibido na TV Horizonte, professora do MBA Pitágoras, palestrante e coautora dos livros “Emoção, conflito e poder nas organizações” (Editora Com Arte/2009) e “Do Porteiro ao presidente” (Editora Com Arte/2009).
inaciasoares@mesadenegocios.com.br