Nos bastidores da criação
Por Luiz Renato Roble
02/02/2010

Assim como milhões de pessoas de várias gerações em todo o mundo, sempre tive uma grande fascinação pelo musical "The Sound of Music" estrelado por Julie Andrews e lançado em 1965. De tanto ouvir, durante anos, os comentários entusiasmados de meus irmãos sobre o filme, quando o assisti pela primeira vez, ainda criança, tive a impressão de já tê-lo assistido, tamanho era o meu grau de ansiedade e intimidade com o filme.

Com o lançamento em DVD, tive oportunidade de, através do making of do filme, ter conhecimento de todo o trabalho, aparentemente invisível, para que este pudesse ser produzido. Confesso que mesmo sendo eu, um grande admirador do filme, Nunca tinha pensado nele como uma grande produção de Hollywood, significando, compras de direitos autorais, estudos de pré-produção, negociações intermináveis, escolha de elenco, de locações, treinamentos, ensaios, criação de roteiro, das músicas, dos figurinos, dificuldades com viagens, dias de chuva, frio e todo um universo de acontecimentos reais, problemas, soluções, encontros e desencontros que normalmente acontecem e que não imaginamos existir, quando apenas acompanhamos um trabalho finalizado.

Comecei a pensar no meu trabalho e na certa frustração, que às vezes sinto, e acredito, que todos que trabalham com criação, também possam sentir, que é a constatação da grande dificuldade que muitas pessoas têm em visualizar todo o processo criativo que a equipe responsável por um determinado projeto trilha, cada vez que desenvolve um trabalho de design, quando o vêem pronto.

A experiência que cada profissional adquire com o passar do tempo, a vivência resultante de leituras, viagens e de muita curiosidade sobre tudo, são ações pré-requisitas para a profissão. Além disso, são realizados estudos e pesquisas de mercado, de público e da concorrência, com horas de trabalho para as resoluções iniciais, geração das primeiras alternativas, escolhas das alternativas, desenvolvimento de layouts, pesquisas de materiais, de cores, de custo, de produção e muitas outras ações que, às vezes, não ficam claramente explicitas ao cliente em reuniões para apresentações da empresa, de um orçamento estimado ou do projeto solicitado. Felizmente, com o tempo e através dos resultados obtidos, o cliente acaba descobrindo a importância de um trabalho bem feito em design, bem como todas as etapas necessárias para sua concepção, desenvolvimento e implantação.

Guardada as respectivas proporções, qualquer trabalho de design, assim como as grandes produções cinematográficas e artísticas, necessita de ações que pessoas leigas, inclusive a maioria dos clientes, não conseguem visualizar e muito menos imaginar que existem. O caminho criativo é longo e cheio de conquistas. Artistas como Picasso, por exemplo, podem desenhar deformações cubistas, pois já provaram a todos, que dominam o figurativo e o acadêmico, e assim conquistam respeito pelo seu trabalho criativo. Da mesma forma, um designer, ao apresentar uma solução ao cliente, que à primeira vista, pode parecer simples e lógica, merece respeito, pois na verdade é porque ele já experimentou antecipadamente, todas as possíveis soluções do trabalho. Umas complicadas, outras exageradas ou inadequadas.
Um bom designer não é um super herói, que tira soluções fáceis da cartola. Ele também não inventa a roda desnecessariamente. Ele apenas tem a responsabilidade e a capacidade, para que, atendendo ao que lhe foi solicitado, encontrar soluções criativas, econômicas e viáveis para marcas, produtos e empresas. Minha reflexão não objetiva aumentar a importância do trabalho de um designer, alegando que é muito difícil como um dos doze trabalhos de Hércules. Gostaria apenas fazer com que todos, e principalmente os clientes, visualizassem e compreendessem, um pouco, como acontece o processo criativo. Eu sei que não é fácil. Falo por mim, que a vida toda me contentei em pensar que Julie Andrews, para viver a noviça que virou governanta, bastou tirar o hábito, colocar o avental e sair cantando pelas montanhas.

Luiz Renato Roble criacao@datamaker.com.br
Designer e Diretor de Criação da Datamaker Designers www.datamaker.com.br
Fonte: Datamaker