Troca-se clientes fiéis por cães raivosos
Por Luiz Renato Roble
12/06/2009

Não é preciso ir muito longe em nossa memória, para lembrar de alguma empresa, seja ela, pequena, média ou grande, que apesar de, aparentemente, passar muito tempo preocupada com planejamento e marketing, acaba se esquecendo de constatar se ela está atendendo às necessidades e expectativas emocionais de seus clientes.

Lembro-me de uma desagradável experiência ocorrida comigo e com minha mulher, quando nos dirigimos a uma loja de uma das mais sofisticadas redes de confecção infantil do Brasil, localizada no shopping mais tradicional de Curitiba, em novembro do século passado. Quem tem uma filha, sobrinha, neta ou afilhada, sabe que esta rede oferece roupas com um design único e que não economiza no sal, na hora de fixar os preços de seus artigos. Apesar de sermos clientes da marca, há pelo menos sete anos, naquela ocasião, o objetivo de nossa ida à tal loja, era a princípio, apenas para trocar um presente de aniversário ganho por nossa filha, dois dias antes, e que havia ficado pequeno para ela.

Realizar trocas, seguramente, não é algo agradável para o cliente, acredito que, pelo próprio incômodo e pela sensação de quebrar o encanto do presente recebido. Percebemos que este sentimento era, de certa forma, compartilhado pela vendedora que veio nos atender. Quando entregamos a ela, a caixa com uma calça e uma camiseta para serem trocados, sentimos em seu rosto, uma expressão negativa, como se ela estivesse vendo o cadáver de um gato putrefato no interior daquela caixa.

Perguntamos qual era o problema e ela nos disse que a calça estava sem a etiqueta de troca e por isto, ela somente poderia efetuar a troca da camiseta. É claro que não gostamos nada, nada daquilo que acabávamos de ouvir. Sorrindo ironicamente disse a ela que éramos clientes da loja há muito tempo e perguntei se ela preferia perder bons clientes ou trocar aquela roupa que, evidentemente, não havia sido usada por nenhuma criança, mas que misteriosamente, não continha a tal etiqueta anexada.

A vendedora continuava irredutível. Sugerimos que a etiqueta poderia ter caído ou que a roupa poderia ter sido vendida sem ela. Ela alegou que era a norma da loja e que era impossível uma mercadoria sair dali sem estar etiquetada. Pedimos, então, para falar com a gerente. Esperávamos que falando com alguém mais experiente, poderíamos ser compreendidos, solucionarmos o impasse e poderíamos então, realizar a desejada troca, apesar do artigo não possuir a tal etiqueta.

O que começou com uma sutil discussão acabou em um bate-boca medonho. Ela, em determinado momento, exigia aos berros, que não gritássemos com ela e com sua equipe de vendas. Quando solicitamos falar com o proprietário, ela alegou que a dona era argentina, que morava em Buenos Aires, que dificilmente vinha ao Brasil e a hipótese de conversarmos com ela era absolutamente remota. Entre outras pérolas, ela disse que ela era a gerente e era ela quem mandava naquele estabelecimento. Acabamos sendo, escorraçados da loja, ouvindo dela, que de clientes com nós, ela não precisava.

Saímos da loja arrasados. Pensamos em nos defender ligando para o Procon, mas naquele horário, já estava fechado. Concluímos que não havíamos feito nada de errado e por isto não poderíamos ser tratados daquele jeito. Voltamos à loja mais indignados e falando ainda mais alto. Para nos amedrontar, ela ameaçou chamar a segurança do shopping. Quando dissemos que era exatamente isto o que desejávamos. Ela mudou o discurso e passou a dizer que não iria chamar, que não iria fazer nada até que ficássemos roucos de tanto gritar e deixou escapar, que se ela quisesse, poderia muito bem ter feito a troca desde o início, mas como achou que nós tínhamos sido muito estúpidos com a vendedora dela, resolveu, não trocar.

A partir deste momento, o que comecei a fazer, era reminiscência do meu tempo de teatro, não tinha nada a ver com minha ira. Levantei realmente a voz e comecei a dar sonoros tapas sobre o balcão, capazes de chamar a atenção de todos os andares do shopping. Ela se jogou contra
a parede perguntando cinicamente se, agora, iríamos bater nela. Parecia um pesadelo, que aquilo não estava, de fato, acontecendo. Começamos a andar pela loja alertando os outros clientes, que ali, pagávamos caro para comprar, para, depois, sermos tratados como cachorros sarnentos quando precisássemos fazer uma simples troca. Não é preciso dizer que a loja estava parada, o mall estava parado e que todas as outras lojas próximas estavam paradas vendo aquele circo. Quando a simpática e competente gerente sentiu que a coisa só iria complicar cada vez mais, saiu atrás da trincheira, quer dizer, do balcão, para fazer aquilo que ela, ou a própria vendedora, poderia ter feito há 20 minutos atrás: A troca.

Despejando delicadamente a pilha de roupas sobre a mesa de atendimento, ela jogava graciosamente calças e camisetas para todos os lados, até encontrar os números que precisávamos. Ela atirou, aquilo que dois dias atrás tinha sido o belo presente de nossa filha em uma sacola e finalmente jogou-nos novamente para fora da loja. Saímos dali péssimos, com dor de cabeça, dor de estômago e tremendo de raiva e desgosto. Para nosso espanto, quando fomos confirmar o tamanho das roupas, descobrimos que a camisa, contrariando todos os dogmas da empresa, tinha sido entrouxada na sacola, sem a tal etiqueta, indispensável para a loja.

No dia seguinte telefonei para o serviço de reclamações do shopping e desabafei com a atendente, que prometeu tomar providências imediatas, pois este tipo de atendimento não poderia estar acontecendo em um shopping daquele nível e que o shopping nos ligaria no dia seguinte para nos dar um retorno sobre o assunto. Através da outra filial existente na cidade, pude descobrir que se trata de uma rede com sede em São Paulo e que nunca houve nenhuma argentina na parada. Consegui falar com a responsável por todas as lojas. Ela atendeu-me maravilhosamente bem. Ouviu, horrorizada, tudo o que eu tinha a contar. Disse que tomaria providências imediatas e que ligaria para minha mulher para se desculpar em nome da rede no dia seguinte. Disse que assim, não ficaríamos com uma falsa e má impressão da empresa e esperava que continuássemos sendo clientes da rede.

Nem preciso dizer que nem o shopping e muito menos a rede de lojas nunca mais entrou em contato conosco para relatar as providências tomadas, fazer um pedido de desculpas formal ou pelo menos, dar uma mínima satisfação. Não é preciso dizer também, que cada vez que passamos pela referida loja, avistamos a gerentona esborrachada no balcão esperando a próxima vítima de seu poder absoluto.

Será que esta gente desconfia quanto custa criar uma marca forte e colocá-la no mercado? Quanto custa criar uma indústria, com profissionais, design de alto nível, modelos e coleções semestrais? Quanto custa um ponto bem localizado, uma loja de visual aconchegante,
o aluguel, o condomínio, a taxa de publicidade, o salário de vendedores e gerentes? Quanto tempo levará para que possamos apagar esta história de nossas cabeças? Quanto tempo levará para que entremos em uma das lojas novamente da mesma maneira que entramos durante sete anos? Quantas pessoas escutarão atônitos esta história circense onde o cliente é o grande palhaço da matinê?
Esta é uma empresa que, com certeza, passa muito tempo preocupada com planejamento, design e marketing mas acaba se esquecendo de como está atendendo às necessidades e expectativas emocionais de seus clientes. O fato é que isto pode acontecer com qualquer empresa. Quem estiver completamente tranqüilo com isto e acha que não precisa se preocupar, que atire a primeira gerente.

Luiz Renato Roble criacao@datamaker.com.br
Designer e Diretor de Criação da Datamaker Designers www.datamaker.com.br
Fonte: Datamaker