O Neuromarketing e as mil
faces do Inconsciente Humano
Por Paulo Vieira de Castro
23/08/2009
Ultrapassada a fase do encantamento pelo
Neuromarketing, de muitos livros escritos sobre o
tema, impõem-se desde logo a reflexão a propósito da
possibilidade de novos limites estarem agora em
jogo. Sobressai a possibilidade da origem das
necessidades e dos desejos humanos estarem para
além, e porque não dizê-lo aquém, da mera excitação
visível no cérebro humano.
Relembro que a ferramenta sugere o scanner do
cérebro como indicador de research para um certo
conhecer do ser humano nos momentos de consumo. Tal
constatação realça a urgência de um novel universo
de possibilidades para o Marketing, todavia levanta
igual número de dúvidas.
Consciente vs Inconsciente
Pierre Buser fala-nos das mil faces do inconsciente,
afirmando que o cérebro funciona no modo
involuntário. Estas circunstâncias, ao se afigurarem
como não exclusivas da área comportamental,
radicam-se, necessariamente, ao nível das mais
subtis competências, ou seja, para além da simples
condição físico-química do ser humano, levantando a
questão do impulso originário/ancestral por traz de
toda a motivação humana.
O diálogo mente-cérebro, de que muito fala António
Damásio, é um entre os muitos níveis da dimensão
humana, que eu acredito interferir na tomada de
decisão nos momentos de consumo. Mas falta responder
ao mais velho desafio lançado à ciência: onde
encontrar a mente humana? Quem sabe onde ela está?!
Para isso nos alertam os cientistas do Mind and Life
Institute. Analisar este intervalo de campo será um
dos futuros desafios do marketing research.
Mas, quanto vale a consciência humana nas tomadas de
decisão? Alain Berthoz afirma que a maioria das
nossas ações não são um reflexo da consciência,
sejam elas ligadas à percepção, aos movimentos ou à
memória, implicando processos cerebrais em dimensões
desconhecidas. Pensar o contrário, será quanto a
mim, pura ilusão.
Ora, ao imaginarmos um Homem que é mais do que fluxo
sanguíneo, ou impulsos elétricos, o Neuromarketing
apresenta-se como uma ferramenta falha, não de
atributos ou argumentos, mas de completude. Desde o
seu aparecimento que partilho das mais elevadas
expectativas no que ao Neuromarketing diz respeito,
contudo, vejo novos desafios e limitações, bem mais
do que novas certezas.
Ray Jackendorf vai mais longe ainda ao afirmar que o
essencial da nossa inteligência não está associada à
consciência. Mais: o prémio Nobel Gerald Edelman
realça o fato de não existirem neuromecanismos com
uma linguagem que consiga explicar o que é uma
experiência consciente, indo mesmo mais longe ao
asseverar que a capacidade da consciência não tem de
ter vida, pelo que existe mesmo a possibilidade de
futuramente se poder criar uma consciência
artificial (1). Para a maioria de nós, entender esta
nova conceituação do mundo afigura-se difícil.
Para aqueles que colocam a condição
“maquínica”/racional à frente de qualquer outro
fundamento, deixo uma especial chamada de atenção
para o lugar que terá de ser reservado ao
inconsciente nas tomadas de decisão de consumo. Isso
significa que não poderemos ignorar os limites do
Neuromarketing, uma vez que esta técnica se centra,
tantas vezes exclusivamente, no exercício daqui
resultante, assombrando erradamente modelos de
representação da existência humana com a própria
vida, confundindo ser humano com tecnologia.
Quanto vale o diálogo mente cérebro?
Refletindo sobre este assunto desde 2004, acredito
agora haver dois campos de especialização no tocante
a esta temática. Por um lado, as neurociências, as
técnicas de ressonância magnética e outras da
imagiologia cerebral aplicada. Por outro lado, os
grandes peritos da mente: os budistas através da
contemplação meditativa e dos estudos de Abhidharma,
ou seja a ciência/psicologia budista da mente.
Mas onde é que budismo e Marketing se podem
encontrar, perguntarão. Se considerarmos o Marketing
como a ciência da satisfação e o budismo como a
ciência da felicidade, poderemos compreender porque
cientistas e contemplativos têm trabalhado em
conjunto há dezenas de anos. Esta é uma leitura
pessoal e inédita, que tenho vindo a desenvolver no
projeto Dharma Marketing, o Marketing de proximidade
real (www.dharmamarketing.org).
A aproximação entre neurocientistas e budistas
dá-se, pelo menos, desde o ano de 1978, através do
encontro de vontades de neurocientistas, como
Francisco Varela, e do líder espiritual dos budistas
(Dalai-Lama), destacando-se neste particular o
trabalho do Instituto de Imagiologia Cerebral e
Comportamento, da Universidade de Winsconsin,
Madison, sendo de salientar a este respeito os
trabalhos de Richard Davinson, dentre muitos outros.
As neurociências vêm contando há muito com a
preciosa ajuda dos estudos realizados pelo Mind and
life Institute. Aliás, bastará para isso ver a
qualidade dos cientistas implicados no estudo da
mente no site do instituto (www.mindandlife.org).
Relembro que o Neuromarketing estuda o cérebro,
enquanto o Mind and Life Inst. se debruça sobre o
diálogo entre a mente e os seres humanos. Sobre a
relação entre cientistas e contemplativos no que ao
estudo da satisfação diz respeito falarei num
próximo artigo.
O quadro referencial que assiste ao Neuromarketing
faz todo o sentido, contudo a estreiteza da
tecnologia usada atualmente levanta dificuldades
operacionais, pelo que no futuro seremos certamente
forçados a procurar novas técnicas de análise mais
abrangentes. Relembro que o Homem não é resultado
exclusivo do que se passa no seu cérebro, existindo,
como facilmente se compreenderá, vida para além dos
impulsos biológicos.
Aqui faço referência a uma leitura, igualmente
complementar, através de uma perspectiva mais
biométrica/holística, isto no pressuposto que urge
definir padrões para além dos convencionais sexo,
idade, etc. Tais afirmações poderão levar-nos a
pensar que estamos ainda muito longe de compreender
quem comanda as decisões de consumo, tornando-se
evidente a necessidade de repensarmos o
Neuromarketing, enquanto ferramenta de aplicação
prática, alargando o nosso universo de análise
assistidas pela tecnologia.
Por si só, o Neuromarketing terá, obrigatoriamente,
que assumir outros vínculos com o desígnio de
permitir a expressão da intencionalidade e
propósitos da existência humana. Para isso, talvez
seja necessário - em parte - abrir mão de antigos
valores e expectativas.
Conforme amplamente referido, enquanto ferramenta de
research, as tradicionais técnicas de inquérito
apresentam algumas dificuldades em especial no
tocante ao entendimento comunicacional, isto porque
os limites das técnicas clássicas de análise de
mercado se prendem com o fato da linguagem se
desenvolver a partir de si mesma, ou seja, aquilo
que se fala funciona muitas vezes ao revés do que se
pensa.
Ao acreditar no que as neurociências afirmam, em
especial na importância do inconsciente sobre as
decisões do ser humano, os clássicos métodos de
estudo de mercado poderão estar em parte
comprometidos. Relembro que, pensar que será
possível encontrar no cérebro humano um “buy button”
tem-se manifestado um esforço inconclusivo,
atirando-nos para a necessidade de uma abordagem
mais holística/integral quando pensamos o
comportamento do consumidor. Ante uma mecânica, uma
tensão biológica e impulsos físico-químicos,
necessidades e desejos, o Neuromarketing dá-nos,
simplesmente, a ínfima parte do resultado de um jogo
de que desconhece as regras.
Tenho partido nas minhas últimas análises de um
desafio lançado por Schopenhauer, ao assumir que o
Homem pode, é certo, fazer o que quer, mas não pode
querer o que quer, obrigando-me deste modo à
reflexão a propósito das circunstâncias que se
afiguraram para além da simples condição
físico-química do cérebro. Em conclusão: poderemos
dizer que o diagnóstico resultante do Neuromarketing
se inscreve no âmbito de aplicação do “fazer o que
quer” do Homem de que nos falava Schopenhauer, mas
muito dificilmente poderá o Neuromarketing
certificar maior conhecimento sobre um Homem incapaz
de “querer o que quer”.
Nesta perspectiva, o Neuromarketing poderá ganhar um
novo ânimo. Contudo, resta a dúvida: quão
inconsciente será a decisão de consumo. Isso revela
novos desafios, em especial para os publicitários,
já que o mundo em que vivemos é - em grande medida -
resultado da construção inconsciente que dele temos,
tendo-se tornado - nos últimos anos - o desejo pelo
consumo o mais complexo paradigma do comportamento
humano.
Sabe-se que o Neuromarketing é uma ferramenta com
amplas potencialidades, porém, exige orçamentos
demasiado generosos, isto para resultados que não
são, ao contrário do que se imaginava há alguns anos
atrás, a solução para todos os problemas do
Marketing Research. Assim sendo, as empresas que
poderão estar interessadas neste tipo de análise de
mercado serão aquelas as que participam no jogo da
influência global.
Paulo Vieira de Castro é mentor do modelo “Marketing
de Proximidade Real”, consultor de empresas, Diretor
do Centro de Estudos Aplicados em Marketing do
Instituto Superior de Administração e Gestão do
Porto – Portugal. E-mail
geral@paulovieiradecastro.com