Caminhos da Psicopatologia (I)
(Uma Gênese Psicanalítica Integrada a um
Prognóstico Psiquiátrico...)
Por Reinaldo Müller
21/01/2011
As vivências traumáticas ocorridas na
primeira infância são em essência,
inassimiláveis...
O aparelho bio-psíquico de uma criança é
imaturo, quer seja no âmbito
neurológico, emocional ou cognitivo. À
criança falta autonomia para reagir às
adversidades existenciais presentes em
sua história pessoal. Agrava-se o quadro
se a criança teve a infelicidade de ser
gerada por pais perturbados,
emocionalmente, além de uma já suspeita
herança genética incorporada na sua
morfologia neural. Os pais (já
estereotipados) inseridos num casamento,
incompatível entre eles, projetam no
filho suas fantasias e “imagens
idealizadas” cobrando, arbitrariamente,
desta criança um conjunto de
características pessoais que confirmem o
MODELO (que cada genitor,
individualmente, escolheu) esperado em
suas idiossincrasias.
A criança, única em sua autenticidade,
fica querendo corresponder à expectativa
deles, os pais, sabotando a sua
originalidade de ser e existir, a partir
de seus próprios conteúdos...
A manipulação dos pais não cessa por
vezes se acentua, morbidamente. Diante
de tanta cobrança e ameaças, a criança
fica desorientada e tenta sufocar as
suas inclinações pessoais. Inicialmente,
a criança quer corresponder ao
desejo-da-mãe (seu primeiro amor...).
Com a entrada do Pai (formando o
triângulo amoroso) a criança percebe,
intuitivamente, que a sua mãe também,
está ligada (amorosamente) ao Pai. Intui
que agradando o Pai, agradará à sua mãe.
Tudo bem. Faz parte. Com o tempo, a
criança percebe que há uma “relação”
entre sua mãe e seu pai, excludente dela
própria... Neste momento, volta-se para
si mesma, elegendo, também, a si própria
como o OBJETO de seu Amor. Principia aí,
o nascimento de sua AUTO-ESTIMA onde são
edificados os primeiros tijolos de sua
IDENTIDADE: Ela pode ESTAR / SER com
seus pais, e pode ESTAR /SER, “em si
mesma!”.
Admitamos que os pais desta criança
extrapolem suas exigências chegando a
surrá-la todas às vezes, em que ela
exerce comportamentos contrários às suas
expectativas. Este é um terreno (fértil)
onde se criam (e desenvolvem) patologias
psíquicas. A criança está impedida de
prosseguir em sua autenticidade, dado à
ameaça de punição e o implacável
terrorismo psicológico (agressões à sua
AUTO-ESTIMA... ainda em estágio
primário) ao qual é submetida.
O pequeno Ser Humano não tem (e não
pode, e não sabe) como se defender. A
sua atuação de revolta tem que se
manifestar em outros objetos que não os
seus pais. Ex: fazer as necessidades
fisiológicas nas calças, emitir gritos
histéricos, chorar convulsivamente, ter
comportamentos instáveis na escola, na
relação com outras pessoas, etc.
Obviamente, estas reações também, são
inegavelmente, subprodutos emocionais
resultantes da sua febril Ansiedade,
decorrente dos maus-tratos e de seu
território existencial castrador e
opressor. A criança (mercê de seus
pais...) é conduzida, inevitavelmente, a
uma dicotomia: Como ser ela mesma, se
seus pais querem que ela seja outra
pessoa? É claro, que a criança não tem,
ainda, um pensamento assim, dialético.
Ela apenas sente, intui. As ameaças de
castigo (e a consumação do mesmo: “as
vias de fato”) são muito reais para ela;
experienciou os seus efeitos...
“Lutar ou fugir”, eis o paradoxo
infantil, imediatamente, resolvido já
que lutar em sua forma objetiva, não é
possível para ela. Entrementes, a
ocorrência de uma fuga, literalmente,
“física” está descartada, a priori,
visto que a criança não possui
estratégias para consumá-la (limitação
cognitiva, vulnerabilidade, etc). A sua
mobilidade só pode atuar no plano
psíquico... É no imaginário de sua MENTE
que ela vai buscar um bálsamo, uma fuga
“conceitual” de seus reveses
existenciais. Mas, como INVENTAR mundos
abstratos que possam preservar algum
grau de positividade, se falta conteúdos
psíquicos, formativamente, saudáveis,
constitutivos, pró à sua originalidade
essencial! Neste “campo minado”, há
pouca fertilidade para se compor
elementos psíquicos integradores... Como
transcender à “experiência imediata” e
promover o desenvolvimento progressivo
de sua AUTO-ESTIMA?
Não se efetiva a AUTO-ESTIMA,
endogenamente. A arquitetura afetiva se
constrói nos vínculos interpessoais. O
OUTRO é que “homologa” a minha
AUTO-ESTIMA, legitimando-a com o seu
AMOR, sua admiração, a sua aceitação
pela minha pessoa-criança.
Dado à desconfiança que a criança
desenvolve de si mesma (acho que eu não
sou legal, já que meus pais, assim
acham...) fica limitadíssimo o seu poder
de manobra. O seu potencial refúgio
(epistemologicamente, falando) está
circunscrito, exatamente, na área em
CONFLITO de sua geografia psíquica: a
área dos AFETOS... Instala-se aí, um
núcleo patógeno tipificando,
empiricamente, um MASOQUISMO primário,
essencial...
A criança elabora (agora,
dialeticamente) uma LÓGICA
(psicopatológica) que dá um SENTIDO à
sua miséria psíquica: se meus pais me
rejeitam... Eu não presto... Eu não sou
bom... Com esta resolução interna, ficam
justificados os castigos, as surras, a
opressão... A castração... (...).
As posturas, os comportamentos,
doravante, tendem à repetição,
promovendo a mecanização e robotização
dos afetos... A AUTO-ESTIMA ficou
danificada.
E as novas vivências e experiências
existenciais, “pós-primeira infância?”.
Então, elas não exercem uma inovação
emocional, um upgrade dos conteúdos
psíquicos?
Não há invenção dos futuros?
Suponha que você queira fazer uma
piscina e coloque no volume líquido, 20%
de água salgada e 80% de água doce. É
possível alguém mergulhar nesta piscina,
sem ser contaminado com um pouco de sal?
Retornando ao terreno dos AFETOS
torna-se impossível mensurar,
quantitativamente, e qualitativamente, a
potência dos conteúdos psicopatológicos,
vivenciados na primeira infância.
Não se pode medir, matematicamente, a
influência deles no desenvolvimento da
personalidade.
O que se pode e se verifica, é a
constatação de seus efeitos e
desdobramentos...
Suponhamos que numa situação
experimental-psicoterápica, o adulto
(DOENTE) regredisse aos primórdios de
sua infância (emocionalmente, falando) e
ao revivenciar seus “primeiros afetos”,
mostrarmos a ele que as suas primeiras
elaborações psíquicas não precisavam ser
interiorizadas, necessariamente, daquela
maneira... Radical, que havia outras
opções... E mesmo que se explicasse a
ele que não teve culpa que agiu com os
elementos que dispunha na época, que ele
não teve (ou não previu) alternativas
--- e estendendo, dissermos, que ele foi
vítima de seus pais assim como eles
foram vítimas dos pais deles e assim,
sucessivamente --- toda esta digressão,
muda “o fato em si?”.
O que aconteceu foi, inexoravelmente,
impresso na MENTE!
Causa certa estranheza, imaginar que se
possam remover conteúdos psíquicos
elaborados na primeira infância, isto é,
num período em que a RAZÃO, ainda,
estava embrionária e tudo obedecia a uma
LÓGICA DOS SENTIDOS! Retirar, demover
recalques psíquicos interiorizados,
quase que num ato cirúrgico! E pra quê,
se os conteúdos psíquicos primários não
existem mais?
O que permaneceu foi o estabelecimento
de um padrão estereotipado de reações e
comportamentos, face às experiências
vivenciais. A estereotipia da conduta e
da personalidade deve-se aos SINTOMAS,
adquiridos como metáfora biológica dos
elementos psicopatológicos iniciais.
Estes “mesmos elementos”, já não existem
mais. Eles produziram na cartografia
neural (altamente, susceptível à
influência de impressões ambientais,
vividas ou imaginadas, neste período da
vida; a infância) um código
(repetitivo), um ALGORITMO neural que
desencadeia os SINTOMAS, e eles mesmos;
os SINTOMAS, dado à sua natureza de
excitabilidade neuronal, estimulam novas
elaborações psíquicas, visto que a MENTE
quer racionalizar estes “estados
sensitivos alterados”, para aplacar a
Angústia gerada com o desconforto e
inquietude, advindo dos SINTOMAS. A
psicopatologia inicial, primária, tem a
sua gênese nas primeiras adversidades
existenciais não-resolvidas da infância.
De lá pra cá, houve um desdobramento
geométrico das patologias como uma
“tumoração”, em que o DISTÚRBIO-MOR, já
não atua mais. Esta MATRIZ patógena,
PRIMAL, “arrefeceu”, não antes de
produzir SINTOMAS. Estes, por sua vez,
replicaram novas psicopatologias e estas
outras, são as excrescências das
patologias que as antecederam...
O corpo organiza respostas, a partir de
si mesmo, expressando comportamentos e
prosseguindo produzindo experiência
sensorial... A doença emocional traduz e
representa uma economia dos afetos
conflitantes originais.
Se exercermos uma observação clínica
apurada poderá muito, facilmente,
perceber que o sintoma ANSIEDADE
precipita psicopatologias em grande
número, e não há um ELEMENTO COGNITIVO
comum a todas elas. O que há, sim, é uma
referência singular, circunscrita ao
terreno dos AFETOS e muito,
primordialmente, à AUTO-ESTIMA.
Não esqueçamos que as vicissitudes
existenciais, “iniciais e primárias”, é
que inauguraram a PSICOPATOLOGIA. E
esta, produziu-se... Na ausência e/ou na
baixa AUTO-ESTIMA (como sempre). Por
certo, há alguma pessoa, portadora de um
(qualquer) distúrbio emocional que tenha
“ALTA-ESTIMA?” Finalizando. Se os
sintomas forem suprimidos (com uma ação
farmacológica) e se mantiver a ausência
de sua atuação, por um período
determinado (que se pressupõe, LONGO)
vale dizer, que serão interrompidas, “as
elaborações psíquicas”, advindas do
desconforto e inquietude, causados por
eles. A MENTE, por sua vez, livre destes
estímulos poderá então, operar,
cognitivamente, diante dos fatos
“empíricos” que se apresentarem em sua
atual existência e perspectiva. Rompe-se
assim, o antigo GATILHO
bio-psíquico-neural, alimentado que
fora, por “outros elementos psíquicos”
(primais) que fundaram e mantêm a sua
psicopatologia. Não havendo sintomas, os
elementos psíquicos que produziram a
etiologia batismal, a LÓGICA biológica
(tributária da ecologia neurológica)
perde substância, pontualidade, foco,
finalidade, sustentação. Não haverá
alimento, energia para a sua
manutenção... A pseudo-homologação dada
pelos SENTIDOS se desfaz. A IDÉIA
essencial, o ARQUÉTIPO que mantinha
acesa a fornalha (a idiossincrasia
SINTOMÁTICA; seus efeitos excitantes ou
depressivos) apaga-se...
Não tem mais o RELÉ... Doravante, o
SENTIR será PENSADO por uma MENTE
produtora de conteúdos psíquicos
INÉDITOS, reflexivos de uma realidade
PRESENTE, factual. Este é o mote da
Psiquiatria... A antropologia
psicopatológica se mantém atuante,
enquanto perdurarem os SINTOMAS que a
autorizam e sustentam-na, e estes por
sua natureza, “adubam” o solo psíquico,
gerando “outras” psicopatologias com os
seus desdobramentos congruentes. Resta a
pergunta:
Não haverá mais SINTOMAS? Claro que sim,
enquanto vivermos numa sociedade DOENTE,
não estaremos livres deles. A MENTE tem
que reagir a frustrações, desenganos...
À insalubridade do social... Às relações
conflituosas. Contudo, os SINTOMAS são
vitais, fisiológicos, garantem a
homoestasia. A questão que se apresenta,
é como manter os sintomas numa
intensidade e freqüência tolerável. O
que já vimos, é a necessidade
fundamental da ruptura e/ou redução da
intensidade dos sintomas atrelados a
psicopatologias (“antigas”) no curso de
nosso desenvolvimento emocional.
Rompendo a interface somática,
promovemos o esvaziamento energético e a
inanição neuronal dos remotos conteúdos
psíquicos que se originaram da nossa
psicopatologia infantil. Precisamos
estabelecer causa X efeito de SINTOMAS
na cena existencial PRESENTE. No aqui e
agora. Presentificando os SINTOMAS,
saberemos lidar com os nossos atuais
conteúdos mentais conflitantes com
alguma inteligibilidade sem estarmos,
necessariamente, DOENTES. Sem sofrimento
demasiado, e sem o ÔNUS do Passado...
Somente ação X reação (sintomática)
compatível e proporcional em causa X
efeito.
Leia a Trilogia completa aqui:
Caminhos da Psicopatologia (I) - Uma
Gênese Psicanalítica Integrada a um
Prognóstico Psiquiátrico...
Caminhos da Psicopatologia (II) - Uma
Abordagem Fenomenológico-Existencial...
Caminhos da Psicopatologia (III) - Uma
Vertente Psicanalítica - Ótica Lacaniana
O prof. Reinaldo Müller é Consultor de
Marketing e Vendas - Instrutor de Vendas
- Especialista em Gerência de Vendas
pela ADVB-SP - Multiplicador de
ENDOMARKETING (Planeta Marketing/SP).
Escreve com grande desenvoltura sobre
Marketing - Vendas - Gestão e
Administração de Empresas - Filosofia -
Psicanálise - Psicologia. Site:
http://wwwreinaldomuller.blogspot.com/