Sonhos
Arquetípicos em Portadores de
Deficiência Visual
Por Jorge Antonio Monteiro de Lima
12/03/2007
1) Apresentação
Falar de sonhos de deficientes visuais é
algo que tem gerado muita polêmica no
mundo acadêmico. Embora existam inúmeros
estudos acerca das deficiências, poucos
tem abordado tais questões com
profundidade.
Como formam-se as imagens e a percepção
visual de alguém que jamais enxergou?
Como dá se o mecanismo de sonhar de um
deficiente visual?
As imagens que nosso cérebro forma em
nosso sonho são ligadas exclusivamente a
um aprendizado?
Só podemos sonhar com aquilo que vemos?
Este estudo utilizou como metodologia a
clínica psicoterapêutica de base
analítica. O material foi coletado por
meio de entrevistas, feitas com
deficientes visuais de todo país na
clínica, pela Internet, em debates de
rádio em que portadores de deficiência
contavam sua experiência vivência com a
produção onírica.
Ao longo deste estudo utilizaremos a
palavra deficiente para exprimir uma
realidade vivência de uma pessoa que por
motivos diversos perde uma capacidade
associada a sua percepção, motricidade,
e ou comunicação. Embora alguns autores
utilizem o termo " portador de
necessidades especiais" esta
terminologia não abarca a realidade que
impõe se pela vida.
O termo deficiente surge
etimologicamente do Latim - "efficcere"
e define-se pelo" ato de provocar
resultados". O resultado que então
propomos é o da unificação necessária
entre as polaridades da vida- entre a
saúde e a doença- uma síntese que faz-se
necessária para a possibilidade de
harmonização psíquica de um deficiente.
Este terá de apreender a conviver com
sua " patologia" para poder tornar-se um
ser produtivo e sociável.
A busca de um resultado é o que exprime-
se na realidade de uma deficiência, que
traz em si um enigma como o que proposto
pela Esfinge ao rei Édipo, na mitologia
Tebana de Sófocles (Teatrólogo grego 496
A.C.) : " Decifra me ou devoro-te..."
A realidade psíquica de um portador de
uma deficiência tem suas
particularidades. Os aspectos
individuais da história de vida, o
desenvolvimento do corpo físico e sua
adaptação, a formação da personalidade,
as influências do meio em que vive em
sua criação aglutinam- se em sua psiqué.
Cada experiência vivenciada de forma
objetiva e ou subjetiva tempera- se de
uma afetividade peculiar e única.
Contudo a experiência clínica em
psicoterapia, no convívio com a dor e o
sofrimento do ser humano, traz nos uma
outra realidade adicional. Frisamos que
esta realidade que surge não exclui as
demais, pelo contrário soma- se a estas.
Alem dos componentes pessoais, e sociais
observamos componentes universais ,
elementos genéricos que estão presentes
a realidade dos deficientes, com
componentes que transcendem tempo e
espaço, credos e dogmas, culturas e
sociedades.
Elementos que pertencem a espécie humana
e apresentam-se em todas as partes do
planeta.
São o postulado teórico que C. G. Jung,
Psiquiatra Suíço , definiu como
Arquétipo- "... imagens universais,
temas bem definidos que reaparecem
sempre e por toda parte. Encontramos
estes mesmos temas nas fantasias, nos
sonhos, nas idéias delirantes, e ilusões
dos indivíduos que vivem atualmente.
A estas imagens e correspondências
típicas denomino representações
arquetípicas. Quanto mais nítidas, mais
são acompanhadas de tonalidades afetivas
vividas...elas nos impressionam, nos
influenciam, nos fascinam. Têm sua
origem no arquétipo que, em si mesmo,
escapa à representação. Forma
preexistente e inconsciente que parece
fazer parte da estrutura psíquica
herdada e pode, portanto, manifestar-se
espontaneamente sempre e por toda
parte..." CW XVI, 1958 PPg. 323
Estes arquétipos mostram nos de forma
prática que alem dos conteúdos
individuais, da dor e sofrimento
particular de cada deficiente existem
elementos comuns que repetem - se de
forma independente à história de vida.
Apontaremos na seqüência deste trabalho
alguns destes elementos.
Nosso alvo de estudos são os deficientes
visuais de nascimento, ou seja as
pessoas que nasceram cegas. Como
terminologia utilizaremos o termo D.V.
Este estudo é fruto de mais de 10 anos
de pesquisas científicas na área,
vivências, observação clínica de
pacientes portadores de deficiência
visual, somadas a nossa própria
experiência de vida.
2) Uma questão de percepção
"A mais de três anos atrás, tive um
sonho que iria morar no Setor Urias
Magalhães ( Goiânia) em uma casa, cuja a
rua tinha vários meninos jogando bola,
esse sonho se tornou realidade! Comprei
a casa e do mesmo jeito do sonho, tinha
crianças jogando bola, isso foi um aviso
de Deus? Ou os sonhos tem um pouco de
realidade? Já tive vários sonhos que
acabaram se tornando realidade, possível
isso?"
Carlindo, Goiânia GO
A ciência moderna, em especial a
psicologia do desenvolvimento, tem
deparado se com uma questão prática
acerca da etiologia da percepção.
Estudos mais novos por meio de ultra-som
e ressonância magnética apontam para a
formação de nosso aparelho preceptivo
entre o 2 ou 3 mês de gestação. Neste
período são formados os olhos, ouvidos,
nariz, boca, pele e cérebro de um feto.
Estes desde seu surgimento já apresentam
sinais de funcionamento.
Já na vida intra-uterina inicia-se por
meio de movimentos repetidos e
repetitivos, os primeiros ensaios da
memória corporal - a repetição como base
da aprendizagem.
Este processo estender-se há por toda a
vida sendo facilmente observado na
primeira infância. O domínio do corpo
terá papel fundamental na motricidade e
também no desenvolvimento da
personalidade. Regidas pelo tempero da
afetividade as experiências tendem a
aglutinar - se seja de forma cociente ou
inconsciente em nossa psique.
A medida em que avançamos em idade
outras formas de percepção surgem e ou
são elaboradas. Estas então diferenciam-
se como formas de maior utilidade, de
acordo com cada experiência individual.
Cada indivíduo então utilizará uma forma
específica de percepção que irá adaptar
- se melhor a sua psiqué.
Existe ainda algo que devemos salientar.
Embora um deficiente visual tenha um
comprometimento de sua forma de recepção
de imagens, ou seja alguma região do
olho e ou do nervo óptico ser afetada,
geralmente não apresenta
comprometimentos em seu cérebro, a menos
que sua cegueira seja devido a alguma
lesão na região cerebral. Assim ele pode
formar imagens por seu cérebro estar
intacto. É baseado neste princípio, que
são investidos todos os anos milhares de
dólares em pesquisas em oftalmologia,
buscando técnicas adaptavas para
reconstrução do aparelho visual, como
por exemplo o "Olho biônico".
Quem forma as imagens não é o nosso olho
mas sim o cérebro. A região cerebral que
forma as imagens captadas pelo olho é a
região conhecida por área occipital
responsável pela visão (perto da nuca),
sendo que existem outras áreas
responsáveis pela memória visual.
3) A tipologia psíquica de C.G. Jung
"Sonhei que estava com minha namorada e
com um amigo no alto de uma montanha.
Esta montanha era recortada numa faixa
vertical, como se houvessem passado uma
faca nela. Neste recorte montaram uma
montanha russa, e diziam que era a maior
do mundo em queda livre e velocidade.
Sou cego e a via com perfeição. Entramos
nela eu e minha namorada no carrinho da
montanha russa e uma voz disse: Vocês
vão descer. Na queda acordei assustado.
Neste dia ela terminou comigo para
sempre."
João, São Paulo SP
No desenvolvimento do estudo da
consciência humana Jung-1928 em sua obra
"Tipos Psicológicos", faz um
"mapeamento" de nossa percepção
distinguindo tanto nossa forma de ação
no mundo -as atitudes- quanto nossa
forma de receber e elaborar as
informações -As Funções -.
Esta percepção pelas funções, dá-se por
dois eixos distintos um não racional
formado por duas funções distintas:
Sensação e Intuição; e outro racional
formado pelas funções: Pensamento e
Sentimento.
Neste estudo vamos nos ater ao eixo não
racional, principal interesse deste
trabalho que é o das funções intuição e
sensação.
3.1) A função sensação e intuição
"O tipo sensação é em todos aspectos, o
oposto ao tipo intuição. Está baseado
quase exclusivamente no elemento da
sensação (audição, paladar, olfato,
visão e tato). Sua psicologia orienta-se
pelo instinto e pela sensação (5
sentidos). Depende, pois, totalmente dos
estímulos externos." CW VI prgf 224
Esta função baseia-se na capacidade de
percepção por meio dos 5 sentidos
(visão, audição, paladar, olfato e
tato). "Neste tipo as determinantes
prevalentes estão nos sentidos, na
percepção sensível.
O tipo sensação não tem o pensamento
diferenciado e nem o sentimento
diferenciado, mas sua sensibilidade é
bem desenvolvida. Como se sabe este é
também o caso do homem primitivo. A
sensualidade instintiva do primitivo
conta, porem, com a contrapartida, a
saber, a espontaneidade do psíquico. O
espiritual, as idéias, que aparecem, por
assim dizer. Não é ele que as produz ou
as pensa, falta-lhe para tanto a
capacidade mas são elas que se produzem
e o acometem e, inclusive , se
manifestam como alucinações. Esta
mentalidade devemos designá-la como
intuitiva, pois intuição é a percepção
instintiva de um dado conteúdo psíquico.
Enquanto a sensação, via de regra, é a
função psicológica mais importante do
primitivo, a intuição é a função que se
manifesta como menos compensadora. Em
grau mais elevado de civilização, onde
algum têm mais diferenciado, o
pensamento e outros sentimentos, também
há muitos que tem uma intuição altamente
desenvolvida e a utilizam como função
essencialmente determinante. Daí resulta
o tipo intuitivo." CW VI Prf 233.
A função intuição alem de ser o oposto
da função sensação é algo extremamente
comum ao ser humano. A intuição é uma
"idéia a priori", algo que nos invade e
que comumente chamamos de "tino ou faro
comercial", e ou "instinto de mãe" ou
ainda "nosso sexto sentido".
3.2) Reorganização das funções
No processo natural do desenvolvimento
da personalidade, na dinâmica da energia
psíquica, observamos algumas
peculiaridades quando trazemos a nosso
campo de estudos os D.V.s;
Existe uma disfunção natural na função
Sensação - a visão é afetada e funciona
de forma parcial e ou total. Por meio do
equilíbrio natural surge um movimento de
compensação no qual a energia psíquica
que seria destinada a visão é
redistribuída a outros aspectos da
função Sensação. Assim a percepção do
D.V. passa a ser redirecionada para o
olfato, tato, audição e paladar; assim o
que ocorre é que estes outros sentidos
tornam-se mais aguçados naturalmente.
Contudo este redirecionamento não se dá
somente na função sensação, atinge da
mesma forma a função Intuição. Este
reequilibro ocorre de forma natural em
um processo compensatório que é vital
para o D.V.
4) Afetos, complexos e arquétipos
"Sonhei que estava com meu namorado
fazendo amor. Ele então me beijava antes
de ter um orgasmo. Após fazermos amor
descansamos. Ele estava mais forte do
que era. Ele então me disse que tinha
algo a fazer, que era matar um bandido.
Questionei ele e ele me disse que este
era seu papel no mundo o de colocar
ordem nas coisas que estavam em
desordem. Mostrou me uma espada e disse
que iria cortar sua cabeça e que
voltaria quando houvesse acabado sua
missão para casar-se comigo, que esta
seria sua prova de bravura."
Paola
Enigmas pairam sobre nossas cabeças. A
existência de um lado oculto sobre a
realidade dos D.V.s fez ao longo de toda
história da humanidade com que surgissem
inúmeras lendas, que repetiam-se
independentemente da cultura.
A dinâmica citada anteriormente entre as
funções não racionais, justificaria uma
das razões pela qual todo D.V. era
chamado de "Tirésias" na Grécia antiga.
Este homem foi célebre adivinho Tebano,
arauto do destino dos Tebanos. Na
mística a cegueira geralmente era vista
como sinônimo de clarividência, ou seja
de intuição apurada.
Estas representações não eram exclusivas
de uma única civilização na história da
humanidade. Eram uma imagem universal
presente em várias culturas em épocas
distintas. O mito Japonês lendário do
Samurai cego, o maior espadachim de
todos os tempos é mais uma das inúmeras
histórias neste sentido. Nos quadrinhos
da Marvel nos anos 70 surge um herói
cego com super poderes "O Demolidor". No
cinema a interpretação de Al Pacino em
"Perfume de Mulher" reensaia na
modernidade este traço arquetípico. O
super-herói capaz de transcender o traço
comum da humanidade. A eficiência da
deficiência.
Este padrão arquetípico de
reconhecimento do mundo através da
função Intuição, tempera-se de toda a
história pessoal de cada D.V.; a
afetividade mescla-se com a constituição
dos complexos postulado teórico de Jung
que exprime: "um conjunto de idéias
carregadas afetivamente" - isto resulta
que embora o D.V. tenha contato intenso
com a função Intuição, nem sempre terá
pleno domínio da mesma. este domínio
dependerá de aprendizagem, da
constituição de sua afetividade, dos
seus complexos, do meio em que está
inserido.
Só pelo fato de não ser uma função
racional, o contato com a Função
Intuição é difícil. Torna- se algo
mistificado, de difícil compreensão,
vivência e subjetivo. Uma experiência de
"pele", que impõe- se à nossa
consciência de forma pessoal e única.
Esta subjetividade poderá fazer com que
surjam dificuldades para o convívio com
a Função Intuição, de expressar e
comunicar, de dar vazão a este tipo de
percepção, e de a racionalizar.
5) Os sonhos dos portadores de
deficiência visual - uma possibilidade
de percepção do mundo-
O sono é um mecanismo psíquico
fisiológico. Envolvem toda atividade
cerebral, nosso sistema nervoso, que
entra em processo de relaxamento que
visa a reposição de energias, produção
de hormônios metabolismo de substancias.
O sono é um dos principais agentes
reparadores e reguladores do sistema
nervoso e de todo organismo.
Inúmeras doenças surgem e ou são
agravadas devido a distúrbios do sono
como a depressão, a síndrome de pânico.
O sono e o sonho também regulam nossa
afetividade, marcam-se por trazerem
reequilibro de nosso sistema nervoso, de
nossas emoções. Nos sonhos estes afetos
ressurgem e marcam sua presença de forma
pré-consciente.
Após inúmeras fases de relaxamento surge
então a produção onírica que faz o mesmo
processo reparador com nossa psique. O
sonho dentre outros atributos
reequilibra nossa psique: afetos e
razão; consciência e inconsciente;
instintos e complexos. tem em si um
potencial de síntese, de mediação, de
reorganização e de aprendizagem. Por ele
podemos entrar em contato com toda nossa
personalidade.
Nos subitens abaixo colocamos alguns
exemplos de sonhos de deficientes
visuais coletados em todo país: pela
Internet, em depoimentos gravados ao
vivo na Rádio K do Brasil (Am 730,
Goiânia, no programa Kadmous alassal), e
em nosso consultório particular.
Catalogamos 2 tipos básicos de sonhos,
com relação a dinâmica nos Sonhos de
deficientes visuais de nascimento:
5.1) Sonho concreto e sinestésico
"Eu sonho todos os dias com coisas que
ocorrem em minha vida. Ontem fui na casa
de uma amiga na Vila Ida, que me deu
bananas para comer. Eu as provei e
estavam deliciosas. No sonho estava
comendo as bananas e conversando com o
irmão de minha amiga. Ouvi sua voz no
sonho e sentia o gosto das bananas. Ao
fundo, no sonho, ouvia uma canção de
Roberto Carlos. Acho que enxergar é algo
muito abstrato, assim como Deus e alma."
Ana - São Paulo SP
"Ando sonhando com deslocamentos pelos
espaços, tipo casas e ruas, com vozes de
pessoas, com sabores de alimentos, com
coisas que me assustam e me fazem
acordar apavorado tipo ruídos ou
sensações de que pessoas que já haviam
morrido estavam se encostando em mim."
Eduardo, 17 anos, São Paulo SP
"As vezes também sonho muito que estou
me deslocando no espaço. As vezes estou
sonhando que preciso correr e não
consigo e aí, em geral estou de mãos
dadas com alguém, a pessoa do meu lado
corre e eu, por não conseguir correr,
vou voando."
Simone
"As vezes sonho com a traição, de meu
namorado, sinto ele no sonho me traindo
com uma amiga dele. É tão real, ouço sua
voz e sinto seu cheiro e o cheiro dela.
No sonho eles fazem barulho de quem está
fazendo amor. Geralmente acordo muito
mal, acordo muitas vezes com raiva, e me
parece, mesmo na vida real, que fui
traída de verdade. Não consigo me
desligar do sonho rapidamente. Fico as
vezes um dia todo mal com isto. É
engraçado, fico de mal humor mesmo, e
tenho que me controlar para não brigar
com a pessoa envolvida no sonho, caso a
encontre na rua."
Ana, 23 anos, Belo Horizonte MG
"As vezes sonho que estou em queda
livre, caindo de uma grande altura,
outras vezes sonho que estou me
afogando, acordo assustado, com o
coração batendo forte, com taquicardia e
acordo gritando. Tenho a impressão que o
estrado da cama sumiu e mergulhei no
espaço. Geralmente quando sonho com o
afogamento choro e transpiro muito. Mas
é engraçado pois não tenho na vida real
medo de altura, nem de água já que nado
com freqüência."
Marcos, Rio de Janeiro RJ
Estes sonhos de cegos de nascença
mostram nos o quanto a função sensação é
ativada na produção onírica, misturando
se tanto com a afetividade quanto com os
Complexos ativados. Estes sonhos
geralmente misturam percepções táteis,
audição, paladar e olfato junto com o
enredo do sonho. Surge por este meio a
produção onírica que trará como base a
formação de percepção pela experiência
concreta de vida dos deficientes
visuais, ou seja, a reprodução do mundo
pela percepção corporal.
Mas uma indagação fica: Como uma pessoa
que jamais enxergou pode definir o que é
uma imagem?
Esta dúvida paira no ar, visto que o
mecanismo do sonho é geralmente visual.
Frisamos contudo que a capacidade do
deficiente visual de formar imagens em
seu cérebro, na maior parte dos casos
está intacta. A deficiência afeta
geralmente os olhos e ou o nervo óptico.
Na verdade o que ocorre ao certo ainda
estamos por desvendar.
5.2) Sonho de função intuição:
Itamar (ao vivo na rádio), do Setor
Bueno: "Eu também sou cego, mas em meus
sonhos eu enxergo normal. Só que dentro
do próprio sonho eu fico assim: gente,
eu sou cego mas estou enxergando!...
No sonho, fico preocupado com isso. Pô!,
mas espera aí, a pessoa aqui pensa que
estou tapeando ela. Fico profundamente
incomodado com isto."
Itamar, Goiânia GO
"As vezes sonho que enxergo, eu conheci
minha mulher em um sonho que vi seu
rosto. Imaginando ...será que é isto?
Então por que quando as pessoas falaram
como ela era, eu a vi igualzinho no
sonho?
Antonio, Porto Alegre RS
"Vou falar de algo muito curioso que
acontecia comigo quando criança. Antes
porém, tenho que lhe informar: moro em
Resende, cidade do RJ,meu padrinho mora
em Volta Redonda que fica cerca de meia
hora daqui. Bom, é curioso, mas sempre
que sonhava com ele, ele aparecia aqui
em casa! Tinha vezes de eu mesma ao
acordar, avisava a minha mãe que meu
padrinho estava vindo pra cá. E vinha
mesmo. Hoje em dia, acho que isso não
ocorre mais. Ele também parou de vir
aqui devido a compromissos. Não vinha
muito na época também, mas quando vinha,
era certo que na noite anterior eu havia
tido um sonho com ele. Devo dizer ainda,
que tinha um ciúmes doentio dele com
qualquer mulher! é engraçado, parece que
estou vendo as situações!
Outra coisa, tenho noção de cores e
vultos, mas não o suficiente para me
locomover sem a bengala. Enxerguei no
passado. Quando eu sonho, nunca estou
com bengala e sempre sei da disposição
de tudo, mesmo que nunca tenha conhecido
o lugar que sonho."
Débora (Miau), RJ
"Marcos (ao vivo na rádio): - sim quero
contar uma experiência, este sonho me
impressionou muito. Bem eu sonhei que
estava de frente para o espelho, e nele
eu via meu rosto, e estava fazendo minha
barba. Preciso dizer um detalhe eu sou
cego de nascença, sou deficiente visual,
e nunca enxerguei. Quando acordei estava
emocionado, pois era a primeira vez que
enxergava, e algo dentro de mim dizia:
Está vendo é assim que é enxergar...
Bem eu acordei meio que aturdido,
impressionado, com o sonho. Era a
primeira vez que eu via meu rosto no
espelho."
Marcos, Anápolis GO
Existem várias descrições deste
fenômeno. Cegos de nascença podem sonhar
que estão enxergando, bem como
deficientes físicos podem sonhar que
estão andando, as pessoas comuns podem
sonhar que estão voando e assim por
diante.
Nosso cérebro tem uma função responsável
por criar imagens, que está muito
presente no mundo dos sonhos. Nos sonhos
não estamos enxergando as coisas, nós
não vemos nos sonhos, apenas
reproduzimos percepções que temos, mas o
nosso cérebro pode montar as imagens
tanto pela capacidade inata que possui
quanto por nosso instinto de
criatividade. Aqui surge um ponto de
discussão ampla para a ciência, que hoje
em dia ampliamos.
Estas imagens dependem ou não de um
aprendizado prévio?
Alguém pode ou não construir imagens sem
nunca as ter visto?
Nossa observação clínica mostra que
independentemente de termos visto algo,
podemos criar sua imagem, somente a
partir de uma descrição e ou impressão
sinestésica (física). Ou seja, podemos
por meio de nosso instinto de
criatividade, de nossas fantasias,
imaginar lugares em que nunca estivemos,
idealizar pessoas que nunca vimos, e
assim por diante. Esta capacidade é
inata ao ser humano. E o melhor disto
tudo é que esta observação quebra em
parte os postulados de que a
aprendizagem é fundamental aos processos
cognitivos da percepção. Nem sempre é o
que observamos. As vezes imaginamos algo
completamente absurdo em que jamais
tivemos contato.
Soma-se a esta experiência a capacidade
da função intuição que fica mais aguçada
na maior parte dos deficientes visuais.
Assim alem da criatividade, da fantasia
surge o terceiro elemento que é a
Intuição. Em nossa experiência com os
D.V.s percebemos que mais de 70% deles
tem esta capacidade aguçada. Agora
devemos salientar que também existem os
conflitos naturais que associam- se a
maturação desta função psicológica que
precisará ser integrada a personalidade.
5.3) Sonhos arquetípicos de deficientes
visuais
Temas arquetípicos geralmente são
encontrados nos sonhos dos deficientes
visuais: O herói, A morte, o
bode-expiatório, a jornada, a traição, e
muitos outros. De acordo com a
profundidade de cada psiqué estarão
refletidos tais temas, que surgirão de
acordo com a necessidade pessoal de cada
indivíduo.
Os sonhos com temas arquetípicos dos
deficientes visuais vão misturar - se
justamente com aspectos da função
Intuição, trazendo percepções
extra-sensoriais (acima dos 5 sentidos),
premonições e contato apurado com o
sagrado e com a essência de cada ser
humano. Assim remontam aspectos que
transcendem tempo e espaço, culturas e
sociedades, um mergulho profundo na
essência da psiqué da humanidade.
A quinta função -chamada de
Transcendente- aqui então se fará
presente unificando e dando sentido a
esta experiência por meio de um
paradoxo: apurando a capacidade de ver
de quem não enxerga. Traz assim
novamente o questionamento encontrado no
sentido da própria palavra Deficiente- o
ato de provocar resultados. Resumindo:
"Transcende-me ou devoro-te..."
Jorge Antônio Monteiro de Lima é
pesquisador em saúde mental, Psicólogo e
musico Consultor de Recursos Humanos
Consultoria para projetos de
acessibilidade para pessoas com
necessidades especiais email:
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site:www.olhosalma.com.br