Entendendo o Comércio Justo
Por Julianna Antunes
14/07/2010
Para começar a falar de comércio justo e a sua importância para
sustentabilidade, vou falar de um caso que presenciei alguns anos atrás.
Na época estava no Iniciativa Jovem (programa mundial da Shell de
fomento ao empreendedorismo jovem) e me preparava para a elaboração de
um plano de negócios sustentável.
Um participante do programa identificou oportunidade de abrir uma
lavanderia no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro. Tecnicamente
era uma baita oportunidade, já que o bairro possui bom poder aquisitivo,
muitos solteiros e simplesmente não havia nenhuma lavanderia para fazer
concorrência. Mas à medida em que o plano era feito, ficava cada vez
mais claro o porquê de não haver lavanderias em Santa Teresa. Para quem
não conhece, Santa Teresa é como uma cidade do interior no coração do
Rio de Janeiro. Todo mundo se fala, anda-se de bonde, é um bairro de
muitos artistas, que está sempre de portas abertas, mesmo cercada por
seis morros. Tirando a parte violenta, morro e asfalto se dão muito bem
por lá. Lá é comum que moradoras dos morros lavem roupa para fora. Quem
paga por esse serviço não está disposto a usar as lavanderias, mesmo que
elas ofereçam um serviço mais barato ou mais completo. Isso é a ponta
final do chamado comércio justo. Classicamente, comércio justo ou fair
trade é definido como um fluxo comercial diferenciado, baseado no
cumprimento de critérios de justiça e solidariedade nas relações
comerciais, resultando no protagonismo dos Empreendimentos Econômicos e
Solidários por meio da participação ativa e do reconhecimento da sua
autonomia. Traduzindo: é um modelo de comércio que busca o
estabelecimento de preços justos, bem como padrões sociais e ambientais
equilibrados nas cadeias produtivas e que valoriza o desenvolvimento de
comunidades ou grupos de pequenos produtores. O conceito de comércio
justo é relativamente antigo, iniciado em 1960, e ganhou força no mundo
a partir de 1967, quando foi criada na Holanda a Fair Trade Organisatie
(Fair Trade Organization). No Brasil, apesar do conceito existir desde a
década de 70, ele só se organizou de verdade em 2001, quando
organizações de produtores, entidades de assessoria e governo se
articularam para formar a FACES do Brasil, que é a entidade que trata do
assunto no país. O comércio justo pode estar presente em qualquer
atividade produtiva, como artesanato e confecções, mas é mais presente
na agricultura, sendo o café o primeiro produto a ter essa chancela, em
1988. E esse é um mercado que cresce na casa dos dois dígitos nos
últimos anos. Em 2009, por exemplo, as vendas no varejo de produtos
advindos do comércio justo superaram os dois bilhões de euros,
beneficiando diretamente cerca de um milhão de agricultores de 50
países. Para se ter ideia da aceitação do conceito, hoje existem mais de
2700 lojas especializadas em comercialização de produtos do comércio
justo no mundo inteiro, e uma certificação mundial criada pela WFTO
(World Fair Trade Organization). Inclusive, essa certificação é, em
alguns casos, imperativo para que produtos sejam exportados para
determinados mercados, principalmente o europeu. É interessante ver como
o conceito de comércio justo vem sendo constantemente citado, pois com a
profusão de grandes redes e modelos de negócio que eliminam a pequena
concorrência, ele meio que foi deixado de lado por um bom tempo. E muito
disso por culpa unicamente nossa, afinal, é mais conveniente recebermos
o jornal em casa, é mais prático comprarmos tudo em um lugar só, sem
contar que as grandes redes de varejo, pelo seu poder de barganha, pode
nos oferecer preços menores. Faça o exercício; bote a cabeça para
funcionar. Quantas quitandas e quantos açougues ainda existem no seu
bairro?
Julianna Antunes é Jornalista, corredora de alto rendimento físico e
baixo rendimento financeiro, pós-graduada em responsabilidade social
empresarial e diretora da Agência de Sustentabilidade, consultoria
estratégica de elaboração e implementação de projetos de
sustentabilidade. E-mail para contato:
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